BREVES APONTAMENTOS SOBRE A RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FEDERAL NO RECURSO ESPECIAL. A RELEVÂNCIA PRESUMIDA NAS AÇÕES COM VALOR DA CAUSA SUPERIOR A 500 SALÁRIOS MÍNIMOS

14/08/2022

Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira

A Emenda Constitucional n. 125, de 14 de julho de 2022, incluiu o § 2º ao art. 105 da Constituição Federal, impondo ao recorrente do Recurso Especial a demonstração da “relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso”.

Diversos autores já se manifestaram sobre essa alteração no texto constitucional, pendendo grande controvérsia sobre a eficácia imediata da EC 125/2022, porquanto no referido § 2º consta que a demonstração da Relevância se dará “nos termos da lei”, e o art. 2º da emenda dispõe que tal demonstração “será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional”.

Não é objeto deste texto adentrar em tal celeuma hermenêutica (talvez, em outra oportunidade...);

O objetivo aqui é problematizar e contextualizar a opção do legislador constituinte em dotar de Relevância presumida as “ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos”, conforme inciso III do novo § 3º, do art. 105 da Constituição Federal.

Antes, porém, é oportuno refletir com os leitores se a Relevância será apenas um requisito de admissibilidade do Recurso Especial ou, assim como na Repercussão Geral, igualmente será regulamentado para formar precedente vinculante não apenas para conhecer ou não do recurso, mas também para estabelecer a diretriz interpretativa da legislação infraconstitucional federal. Tal situação é um tanto mais complexa do que ocorreu com a Repercussão Geral, na medida em que já está sedimentado no Superior Tribunal de Justiça e em toda a Jurisdição nacional, o procedimento e os efeitos do julgamento de Recursos Especiais Repetitivos.

Na Repercussão Geral houve, na evolução do instituto, um entrelaçamento entre ser um requisito de admissibilidade e, ainda, um precedente qualificado.

Já no início da regulamentação da Repercussão Geral, pelos arts. 543-A e 543-B, do CPC/1973, nos parece que tal mistura ou confusão já foi feita, considerando que pelo primeiro dispositivo o termo utilizado é “conhecerá” (o art. 1.035 tem redação que é praticamente idêntica), o que, na técnica processual se relaciona à admissibilidade do recurso, e, no segundo preceptivo legal (art. 543-B) já se regula a multiplicidade de recursos, impondo que a Repercussão Geral seja processada com um Recurso Extraordinário Repetitivo.

No CPC/2015 se tentou divisar as situações, contudo, a prática do Supremo Tribunal Federal e a regulamentação do seu Regimento Interno consolidou a Repercussão Geral como uma técnica de julgamento para formação e aplicação de precedente vinculante, que conta com a participação dos Tribunais, em uma divisão de competências com o STF que demonstra um federalismo jurisdicional de êxito, no que concerne à gestão e julgamento de processos.

Ou seja, primeiramente o STF assenta, em plenário virtual, que o tema tem Repercussão Geral, depois julga, virtual ou presencialmente, o mérito do tema, definindo a tese que será, doravante, aplicada pelos tribunais para admitir, negar seguimento ou realizar a retratação.

Não se pode esquecer que, pela emenda regimental n. 54/2020 o STF pode negar a Repercussão Geral apenas para o caso julgado, sem que se tenha a formação de precedente vinculante. Vale dizer, há o afastamento da transcendência negativa da Repercussão Geral[i].

A Relevância no Recurso Especial terá as mesmas características e efeitos da Repercussão Geral?

Acredita-se que sim, com alguma regulamentação necessária sobre o entrelaçamento com o Recurso Especial Repetitivo.

Mas o tema aqui que pretendo expor de maneira específica e breve é a Relevância presumida nas ações que tem valor da causa acima de 500 salários mínimos, atualmente R$ 606.000,00 (seiscentos e seis mil reais).

São adequados tal parâmetro e valor?

O valor da causa no ordenamento jurídico-processual brasileiro já é utilizado como parâmetro em diversas situações: honorários advocatícios - tabelamento nas causas em que a Fazenda Pública for parte -, multa por litigância de má-fé, multas processuais, remessa necessária, fixação de prestação alimentícia, definição do procedimento de inventário ou arrolamento, impenhorabilidade de bens na execução, teto de depósito para propositura de ação rescisória e nos Juizados Especiais.

Sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública, com competência absoluta em causas não superiores a 60 salários-mínimos, veja-se que já de início há exclusão de interposição de Recurso Especial.

O valor estabelecido, contudo, nos parece que poderia ser superior.

Com efeito, muito embora possa se entender que haverá uma elitização da Justiça, com o STJ julgando apenas a riqueza, à princípio, assim não se entende, porque o uso do valor de 500 salários mínimos é para se reconhecer a Relevância presumida. Portanto, se o recorrente comprovar, mesmo nas causas com valores inferiores, que seu Recurso Especial tem Relevância, as razões de elitização não se sustentam, já que o sistema conferiu possibilidade do cabimento de recurso mesmo de ações em que valor é inferior ao definido pela EC 125/2022.

Ainda, nas causas em que União, Estados e Municípios são partes deveria ter tomado como parâmetro, já que houve a escolha por dar relevância automática o critério econômico, os mesmos valores da remessa necessária, diferentemente para cada ente? Nesse contexto, manter-se-ia certa coerência entre as “subidas” do 1º para o 2º Grau e do 2º para o 3º Grau. Ou, a rigor, já que a jurisdição já foi exercida em duas oportunidades, como uso de prerrogativa processual da remessa necessária, o critério econômico poderia ser superior nas demandas em que os entes públicos são partes e vencidos, o que não ofenderia o devido processo legal, uma vez que se tem a possibilidade de demonstrar a Relevância por outros aspectos, como o político, o social ou o jurídico.

Seguindo adiante, esta hipótese de Relevância presumida deve ser, desde o início do processo, já visualizada e trabalhada pelas partes, seja na petição inicial, em que o autor deve, se possível, estabelecer o valor da causa vislumbrando eventual manejo do Recurso Especial, seja na contestação, em que o réu deve, igualmente, impugnar, ou não, o valor da causa para se enquadrar, ou não, na Relevância presumida.

Situação peculiar é a possibilidade de alteração do valor da causa, nos termos do art. 2º da EC 125/2022, parte final[ii]. Se o recorrente atualizar o valor da causa o recorrido poderá impugnar? Pensa-se que sim, afastando a preclusão estabelecida no art. 293 do CPC, o que a lei regulamentadora deve atentar.

Outrossim, acredita-se que se aumenta o dever do juiz de corrigir, “de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor”, conforme art. 292, § 3º, do CPC. Trata-se de cooperação do juiz com a jurisdição do STJ, no sentido de coibir estratagemas dos litigantes em aumentar o valor da causa com o desiderato de se incluir, na hipótese de necessidade de interposição de Recurso Especial, na presunção legal de Relevância.

Por fim, a atualização do valor pelo recorrente para o fim de se enquadrar na Relevância presumida, pela autorização do art. 2º da EC 125/2022, impõe a complementação das custas, aplicando, por analogia, o art. 293 do CPC, parte final.

Estas são algumas reflexões iniciais que buscam contribuir com o debate acerca deste importante instituto criado para a otimização, qualificação das decisões e excelência da atuação do Superior Tribunal de Justiça.

 

Notas e Referências

[i] A respeito, vale a leitura de percuciente artigo: RODRIGUES, Marco Antonio; LEMOS, Vinicius Silva. A Emenda Regimental 54/2020 ao Regimento Interno do STF, a repercussão geral e a busca pela evolução sistêmica. Revista de Processo. vol. 326. ano 47. p. 231-256. São Paulo: Ed. RT, abril 2022.

[ii] “Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo”.

 

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