Breve análise do uso de elementos do visual law no âmbito do Poder Judiciário  

10/09/2021

 

Projeto Elas no Processo na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Recentemente, a Resolução n° 395 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 07 de junho de 2021, instituiu a Política de Gestão da Inovação no âmbito do Poder Judiciário, reconhecendo a “necessidade de adoção, pelo Judiciário, de metodologias ágeis e de recursos tecnológicos para, mediante a otimização dos processos de trabalho, aprimorar a prestação jurisdicional e posicionar o usuário como peça central na execução do serviço público” [1].

Com esse foco, a Resolução preconizou a criação de laboratórios de inovação, ou espaços similares, pelos órgãos do Poder Judiciário (inclusive o próprio CNJ), além da Rede de Inovação do Poder Judiciário Brasileiro (RenovaJud) e outros órgãos de gestão da inovação – tudo observando princípios como a cultura da inovação, o foco no usuário, a acessibilidade e a transparência.

Parece ser (e de fato tem sido, como veremos adiante) o contexto ideal para inaugurar-se o uso de ferramentas próprias do legal design e, mais especificamente, do visual law pelo Poder Judiciário, como mecanismo de aproximação e diálogo entre jurisdição e jurisdicionado.

Resumidamente, pode-se conceituar o legal design como a aplicação de técnicas próprias do design ao Direito, buscando a solução de problemas da área jurídica; ou, utilizando o conceito da notável estudiosa do tema Margaret Hagan, da Universidade de Stanford, como “a aplicação do design centrado no ser humano ao mundo do Direito, para tornar sistemas e serviços jurídicos mais centrados no ser humano, utilizáveis e satisfatórios” [2]. Assim, a técnica busca aprimorar as dinâmicas no Direito (seja entre advogados e clientes, advogados e tribunais, servidores públicos e advogados ou julgadores e jurisdicionados), melhorar formas de peticionamento e de acesso a informações relativas aos processos e agilizar sistemas de informação [3].

Dentre as principais técnicas relativas ao legal design, destaca-se o chamado visual law, responsável pela simplificação e facilitação da comunicação tanto entre advogado e cliente, quanto entre advogado e julgador. Segundo Dierle Nunes e Larissa Holanda Andrade Rodrigues, o visual lawé a utilização de técnicas que conectam a linguagem escrita com a linguagem visual ou audiovisual, o que é possível a partir do avanço tecnológico e, por consequência, dos novos meios que estão à disposição dos operadores do Direito” [4].

A aplicação dessa linguagem visual não busca um aprimoramento estético do documento jurídico; ao contrário, está focada na funcionalidade. Os elementos visuais são aliados valiosos para o esclarecimento de fatos e situações complexas, além de questões que envolvam temas técnicos, como engenharia, biologia, meio ambiente e cálculos. O texto escrito, que permanece sendo a base do documento, é complementado pelos recursos visuais que melhor se encaixem em cada situação [5].

Trata-se de inovação conhecida e crescentemente praticada pelos advogados (por vezes chamados de visual lawyers), que adotam, tanto na elaboração de contratos, quanto em petições judiciais, elementos visuais e linguísticos que facilitam a apreensão do conteúdo daquele documento por seus clientes (e, no contexto judicial, pelo magistrado). Concretamente, podem-se citar, como exemplos, o uso de linhas do tempo, fluxogramas, gráficos ou até links externos, vídeos e QR Codes.

Como assinalam Victoria Fabbriani e Sofia Mandelert, o legal design (incluindo, como visto, o visual law) é uma das soluções para um cenário em que advogados ignoram seu papel de comunicadores, contratos são escritos por advogados para serem lidos por outros advogados e são acessíveis apenas para profissionais do Direito, excluindo justamente quem mais tem a ganhar e a perder com esse instrumento: as partes [6].

Além disso, o uso de elementos visuais em petições é uma iniciativa que também parece agradar a magistratura. Foi o que concluiu uma pesquisa realizada em 2020 pelo grupo VisuLaw, coordenado pelo advogado Bernardo de Azevedo e Souza, junto à magistratura federal de 17 estados brasileiros [7].

Segundo a pesquisa, 77,12% dos magistrados participantes consideram que o uso de elementos visuais facilita a análise da petição, desde que usados com moderação (sem excessos), em oposição a meros 6,54% que entenderam que tais elementos dificultam a análise da petição. Outro dado importante obtido foi que 43% dos participantes disseram aceitar qualquer tipo de elemento visual, não apresentando resistência a nenhum especificamente. Observadas outras respostas, os principais elementos visuais a encontrarem resistência foram os QR Codes (39,2%) e os vídeos (34,6%), o que pode se dever, segundo o grupo, a necessidade de manuseio de outro dispositivo (smartphone) e preocupações com a segurança do URL externo a ser acessado pelo QR Code ou para a visualização do vídeo [8].

Como se vê, a magistratura federal se encontra, majoritariamente, bastante receptiva ao uso de elementos visuais em petições, principalmente aqueles mais comuns e de mais fácil interação (por exemplo, fluxogramas, gráficos e links para acesso externo, em detrimento de vídeos e QR Codes).

Mais do que estar aberta ao uso de elementos visuais por advogados, o Poder Judiciário parece, pelo contexto da edição da Resolução n° 395 pelo CNJ, pronto para também assumir seu papel de comunicador. Não poderia ser diferente, afinal, em se tratando de comunicação, o magistrado deve se fazer claro não apenas para as partes e seus advogados, como também perante todos os auxiliares da Justiça e demais sujeitos do processo, além, é claro, de toda a sociedade, que deve ser capaz de exercer o devido controle sobre sua atividade jurisdicional.

Atualmente, não são poucas as iniciativas de órgãos do Poder Judiciário, utilizando recursos de visual law, a circularem pelas redes sociais e sites de notícias – geralmente, acompanhadas de comentários positivos. Pode ser citada, como exemplo, a iniciativa piloto do Desembargador Sergio Torres Teixeira, do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em parceria com a professora e pesquisadora do Grupo Logos do PPGD/UNICAP, Paloma Mendes Saldanha, que elabora, de forma complementar aos acórdãos publicados, um resumo em forma de esquema gráfico [9]. Na 2ª Vara de Família de Anápolis, Goiás, o projeto “Simplificar” caminha no mesmo sentido, disponibilizando resumos complementares à sentença explicados através de ilustrações, tópicos e linhas do tempo [10]. Também é o caso do projeto “Design TRT”, que se originou na 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande e vem sendo aplicado no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (Paraíba), utilizando, em resumos de sentenças, linguagem mais simplificada e elementos gráficos para o destaque de pontos importantes [11].

Embora desejável, a criação de um projeto estruturado pelo respectivo tribunal não é imprescindível para que o magistrado possa utilizar recursos do visual law. Ao contrário, trata-se de adequação judicial do procedimento, sendo legítima e muito bem-vinda quando o magistrado perceber que a utilização desses recursos visuais, aliada ou não à elaboração de um resumo mais acessível de sua decisão, facilitaria a compreensão plena de seu conteúdo pelas partes. Essa adequação pode se fundamentar, entre outras situações, no caráter altamente técnico de determinada demanda ou, ainda, na manifesta vulnerabilidade de uma ou ambas as partes, inclusive sob os aspectos social, cultural e educacional.

É certo que novidades como esta não são unanimidade na comunidade jurídica. Apesar dos diversos comentários positivos, o uso do legal design e, principalmente, do visual law não deixa de receber críticas, em que se demonstra preocupação com a substituição do direito pela tecnologia e com uma simplificação excessiva das próprias decisões, mascarando a complexidade do direito discutido [12].

Fato é que a utilização de resumos e elementos visuais pelo Poder Judiciário, nos moldes em que se apresenta hoje, não contraria qualquer dispositivo legal. Pelo contrário, tais instrumentos, complementares às decisões judiciais em si (que permanecem integralmente submetidas ao dever de motivação), são uma ferramenta de concretização de diversas garantias constitucionais do processo e normas fundamentais do processo civil.

A mais central das garantias constitucionais a serem fortalecidas pelo uso do visual law é, sem dúvidas, o acesso à Justiça em sua concepção material – que ultrapassa, em muito, o simples acesso ao Judiciário.

Conforme ensina Leonardo Greco, no Estado Democrático de Direito, o acesso à Justiça só será plenamente cumprido quando se concretizar um verdadeiro processo justo, conceito que compreenderia “todo o conjunto de princípios e direitos básicos de que deve desfrutar aquele que se dirige ao Poder Judiciário em busca da tutela dos seus direitos” [13].

É neste contexto que o visual law se mostra uma ferramenta útil, favorecendo uma arquitetura do procedimento judicial desenhada estrategicamente para atender aos fins do acesso à Justiça democrático – o que inclui garantias fundamentais como o processo informado, compreensível e comparticipativo [14].

Ao carregar uma abordagem centrada nos litigantes e não no juízo, o visual law se apresenta como ferramenta valiosa para a superação de obstáculos ao acesso à Justiça, como aquele que Mauro Cappelletti e Bryant Garth denominaram, em seu clássico escrito sobre o acesso à Justiça, como possibilidade das partes. O conceito abrange quaisquer barreiras pessoais a serem transpostas pelo cidadão ao demandar seu direito em juízo, o que, além de limitações financeiras, engloba ainda a frequente incapacidade de compreensão de seus próprios direitos como juridicamente exigíveis, além da desconfiança ou mesmo temor perante o Poder Judiciário [15].

É certo que, mesmo após apresentada a demanda em juízo, tais desvantagens socioculturais não desaparecem, apenas se convertem em desvantagens no litígio. O meio judiciário continua sendo desconhecido, frequentemente causando sensações de desconforto e estranheza. A lógica do processo justo impõe que estas disparidades sejam não apenas reconhecidas, como ativamente amenizadas pelo magistrado.

Nesse cenário, o uso de recursos visuais próprios do visual law torna a linguagem dos tribunais menos intimidadora e, por vezes, confusa, aumentando a clareza e acessibilidade para as partes e amenizando suas vulnerabilidades. Com isso, fortalece-se a confiança entre o jurisdicionado e o julgador e o contraditório democrático (ou participativo), na medida em que se permite às partes um papel de protagonismo, compreensão plena dos pronunciamentos judiciais e participação ativa no processo [16].

O que se busca é a informação das partes com clareza, para que possam compreender, por si só, o andamento de um processo que diz respeito a seus próprios interesses. A comunicação processual se adequa para considerar também a parte como destinatária, o que poupa o advogado de um trabalho de tradução da decisão judicial e lhe permite focar na elaboração de estratégias processuais – para a qual a parte poderá contribuir de forma mais esclarecida [17].

Em síntese, a aplicação do visual law aos pronunciamentos judiciais vem complementar o texto tradicional das decisões (que em nada se desviam de sua motivação), por meio de elementos visuais que individualizam a demanda e promovem uma comunicação atenta ao destinatário, incluindo-o como sujeito ativo no processo [18].

No fim das contas, a opinião mais importante a ser ouvida é, certamente, a do jurisdicionado. Afinal, se a proposta do Poder Judiciário, ao utilizar elementos visuais, é facilitar o entendimento das decisões judiciais pelas partes e pela sociedade, é junto a elas que magistrados e tribunais devem buscar este retorno. Se o conteúdo de suas decisões estiver de fato mais claro, o objetivo vem sendo cumprido; se ainda restarem dificuldades, é nelas que o Judiciário deverá focar. E assim caminhamos, aos poucos, rumo a uma tão desejada reaproximação entre jurisdição e jurisdicionado.

 

Notas e Referências

[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 395, de 7 de junho de 2021. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3973>. Acesso em: 19 ago. 2021.

[2] Tradução livre de HAGAN, Margaret. Legal design. Disponível em: <https://lawbydesign.co/legal-design/>. Acesso em: 29 ago. 2021.

[3] NUNES, Dierle; RODRIGUES, Larissa Holanda Andrade. O contraditório e sua implementação pelo design: design thinking, legal design e visual law como abordagens de implementação efetiva da influência. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro (coord.). Inteligência Artificial e Direito Processual: Os Impactos da Virada Tecnológica no Direito Processual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 238.

[4] Ibidem, p. 240.

[5] COELHO, Alexandre Zavaglia; HOLTZ, Ana Paula Ulandowski. Legal Design / Visual Law: Comunicação entre o universo do Direito e os demais setores da sociedade. Thomson Reuters, 2020, p. 33.

[6] FABBRIANI, Victoria; MANDELERT; Sofia. A dificuldade com os contratos tradicionais e como o Legal Design pode ajudar. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-dificuldade-com-os-contratos-tradicionais-e-como-legal-design-pode-ajudar-12082021>. Acesso em: 19 ago. 2021.

[7] VISULAW. Elementos visuais em petições na visão da magistratura federal. Disponível em: <https://visulaw.com.br/>. Acesso em: 19 ago. 2021.

[8] A segurança dos dados dos órgãos públicos representa um desafio a ser superado, tendo em vista os diversos benefícios do uso dos QR Codes no âmbito judicial. A ferramenta possibilita a superação dos limites da linguagem escrita e concretiza o princípio da oralidade, facilitando a comunicação entre as partes e o magistrado – especialmente em tempos pandêmicos, em que a Justiça digital se faz ainda mais necessária e os despachos presenciais se tornam exceção. Sobre o tema, cf. IWAKURA, Cristiane; GUEIROS, Pedro; BECKER, Daniel. Código QR: a transformação digital do princípio da oralidade. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/codigo-qr-a-transformacao-digital-do-principio-da-oralidade-08052021?amp>. Acesso em: 30 ago. 2021.

[9] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Iniciativa piloto usa linguagem gráfica para facilitar compreensão de julgamentos. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/iniciativa-piloto-usa-linguagem-grafica-para-facilitar-compreensao-de-julgamentos/>. Acesso em: 19 ago. 2021.

[10] G1. Juíza goiana resolve ‘traduzir’ sentenças para facilitar entendimento das decisões. Disponível em: <https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2021/08/25/juiza-goiana-resolve-traduzir-sentencas-para-facilitar-entendimento-das-decisoes.ghtml>. Acesso em: 25 ago. 2021.

[11] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO. Inovação: Projeto “Design TRT” começa a ser praticado por magistrados do Tribunal. Disponível em: <https://trt13.jus.br/informe-se/noticias/2021/05/inovacao-projeto-201cdesign-trt201d-comeca-a-ser-praticado-por-magistrados-do-tribunal>. Acesso em: 30 ago. 2021.

[12] São algumas das críticas veiculadas por Lenio Streck em textos recentes: STRECK, Lenio Luiz. E o Dr. Legal Design explica sentença judicial e “facilita” tudo... Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mai-20/senso-incomum-dr-legal-design-explica-sentenca-judicial-facilita-tudo>. Acesso em: 18 ago. 2021; STRECK, Lenio Luiz. Vamos aceitar a desmoralização do Direito e do advogado? Até quando? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mai-27/senso-incomum-vamos-aceitar-desmoralizacao-direito-advogado-quando>. Acesso em: 18 ago. 2021.

[13] GRECO, Leonardo. Justiça civil, acesso à justiça e garantias. Disponível em: <https://portal.estacio.br/media/4412/artigo-04.pdf>. Acesso em: 12 out. 2020.

[14] NUNES, Dierle; ALMEIDA, Catharina. O design como auxiliar da efetividade processual no Juízo 100% Digital. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mai-13/opiniao-design-auxiliar-efetividade-juizo-100-digital>. Acesso em: 19 ago. 2021.

[15] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabric Editor, 1988, p. 21-26. 

[16] NUNES, Dierle; ALMEIDA, Catharina. Op. cit.

[17] COELHO, Alexandre Zavaglia; HOLTZ, Ana Paula Ulandowski. Op. cit., p. 31.

[18] Ibidem, p. 17.

 

 

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