Breve análise acerca (des) necessidade de comprovação de feriado local na interposição do recurso para o STJ

07/04/2020

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Na coluna desta semana, analisaremos entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Recurso Especial 1.813.684/SP, com julgamento finalizado em 02 de outubro de 2019, que teve como Relator para o Acórdão o Ministro Luís Felipe Salomão, concluindo pela necessidade de comprovação de feriado local na interposição do recurso, mas tão somente após a publicação do acórdão respectivo.

A discussão não findou com tal acórdão, porque restou uma dúvida: se o entendimento poderia ser aplicado a todos os feriados, ou tão somente à segunda-feira de carnaval, objeto do recurso julgado. Assim, analisando-se Questão de Ordem naquele Recurso Especial, em sessão ocorrida no último dia 03 de fevereiro de 2020, que teve como relatora a Ministra Nancy Andrighi, reconheceu-se que a tese firmada por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.813.684/SP seria restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval, não se aplicando aos demais feriados, inclusive aos feriados locais.

É sabido que a tempestividade é um dos requisitos extrínsecos dos recursos, que nada mais é senão a necessidade de interposição dentro do prazo estatuído em lei. Há uma regra geral prevista no §5º do art. 1.003 do CPC, que é de 15 (quinze) dias úteis, salvo no caso dos embargos de declaração, que têm prazo de apenas 05 (cinco) dias úteis, devendo-se respeitar obviamente as prerrogativas de contagem de prazo em dobro previstas para o Ministério Público (art. 180), para a Advocacia Pública (art. 183), para a Defensoria Pública (art. 186) e para os litisconsortes com advogados de escritórios diferentes (art. 229), estes últimos apenas em se cuidando de processos que tramitam em autos físicos.

Diferentemente de outros requisitos, a verificação da tempestividade não guarda maiores dificuldades, visto que, sabendo-se o meio e a data de intimação da decisão objeto do recurso, bastará observar a data de protocolo, a fim de se apurar se foi ou não interposto tempestivamente. Os parágrafos do art. 1.003 do CPC detalham outros aspectos de tal requisito recursal, até mesmo para eliminar dúvidas que existiam como decorrência do art. 242 do CPC/73. Exemplo disso é o que está contido no § 4º, em que se prevê que, para a aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data da postagem.

Por seu turno, no § 6º do art. 1.003 há a previsão de que o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso. Dita exigência, segundo ensina Cássio Scarpinella Bueno, deve ser compreendida de forma ampla, para compreender não apenas o feriado que ocorre no último dia do prazo, mas qualquer feriado que se dê ao longo do prazo, já que somente nos dias úteis é que ele fluirá[1].

Tal inserção no CPC/2015 se deveu, por evidente, às inúmeras discussões – sob a égide do Código revogado – sobre ser ou não tempestivo o recurso interposto sem a demonstração do feriado local no ato da interposição.

O entendimento inicial, no âmbito do STJ, durante a vigência do CPC/73, era restritivo, isto é, no sentido de que a comprovação do feriado local deveria se dar no ato de interposição do recurso na instância de origem, sendo vedada a comprovação posterior. Tal visão veio a ser flexibilizada no STJ, quando do AgRg nos EDcl no AgRg no Ag 659.381/RJ (julgamento em 06.09.2005), que teve como relator o Ministro Teori Zavascki. Naquele julgado da Primeira Turma, firmou-se a posição de que se presumia de conhecimento do STJ a suspensão do expediente forense previsto em norma de direito local, ficando a parte dispensada de juntar prova a respeito no momento da interposição do recurso, salvo se o Tribunal exigisse, ou seja, passou-se a permitir a prova posterior de eventual causa suspensiva ou interruptiva, aplicando-se o art. 337 daquele diploma.

Em 2006, a Corte Especial do STJ enfrentou o tema, no AgRg no Ag 708.460/SP, que teve como relator o Ministro Castro Filho, em que se consolidou o entendimento de que a comprovação deveria se dar no momento da interposição, com cópia da lei ou do ato gerador da suspensão do prazo, ou ainda de certidão de quem de direito, servidor do tribunal de origem, de sorte que o silêncio da parte contrária, assim como a comprovação posterior, não serviriam para suprir a omissão do recorrente.

Essa linha de raciocínio era também acolhida no Supremo Tribunal Federal. Ocorre que, nos autos do AgRg no RE 626.358/MG, que teve como relator o Ministro Cezar Peluso (julgamento em 22.03.2012), nossa Corte Suprema passou a entender em sentido diverso, admitindo a comprovação posterior da tempestividade do recursos, quando a intempestividade decorresse de feriado local ou de suspensão do expediente forense, presumindo-se a boa-fé do recorrente. Na doutrina, há vozes, como a de José Miguel Garcia Medina, no sentido da aplicabilidade dessa presunção de boa-fé inclusive em relação a outros recursos, de modo a admitir a comprovação posterior, sendo o caso até mesmo da aplicação do art. 932, parágrafo único, do CPC, com a concessão do prazo de cinco dias para o recorrente fazer a demonstração do feriado local[2].

Isso gerou, como não poderia deixar de ser, uma mudança de posição do próprio STJ, a fim de acompanhar o que se decidira no âmbito do STF. Naquele mesmo ano, no AgRg no AREsp 137.141/SE, a Corte Especial decidiu que a comprovação da tempestividade do recurso especial, em decorrência de feriado local ou de suspensão de expediente forense no tribunal de origem, que implicasse prorrogação do termo final para interposição, poderia ocorrer posteriormente, em sede de agravo regimental.

Era esse o entendimento que predominava em nossas cortes superiores até que entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015, em março de 2016. Isto porque a previsão contida no referido § 6º do art. 1.003 invariavelmente produziria uma reflexão no STF e no STJ quanto à desnecessidade de comprovação do feriado local no momento da interposição do recurso. Ainda em 2016, já era possível detectar no STF um retorno ao posicionamento anterior, qual fosse, na linha da exigência de comprovação quando da interposição, conforme se verifica do ARE 978.277/DF. No âmbito do STJ, em 2017, a Corte Especial também reviu seu posicionamento, no AgInt no AREsp 957.821/MS, sustentando a necessidade de comprovação quando da interposição, sob pena de intempestividade, tanto em atenção ao CPC como em respeito à nova orientação do STF.

O assunto ganhou contornos ainda mais significativos no julgamento do AgInt no AREsp 1.311.512/SP pela Corte Especial do STJ, a fim de se analisar a necessidade de comprovação do feriado da segunda-feira de carnaval. Em sessão ocorrida em 15.05.2019, converteu-se aquele agravo em recurso especial, a fim de possibilitar um debate mais amplo da matéria. No entanto, como aquele agravo dizia respeito à intempestividade do agravo em recurso especial, ao passo em que no AREsp 1.309.954/SP o debate girava em torno da intempestividade do próprio recurso especial, optou-se por converter esse em Recurso Especial – ganhando o número 1.813.684/SP – e o afetando à Corte Especial.

No caso concreto, o recurso especial havia sido interposto em 09.03.2017 – quinta-feira -, contra acórdão que havia sido publicado no dia 14.02.2017 – terça-feira, ressaltando-se que os dias 27 e 28 de fevereiro eram segunda e terça-feira de carnaval. Em seu voto, o relator, Ministro Raul Araújo, desenvolveu minucioso estudo acerca da extensão da palavra feriado, bem como do histórico do que se poderia considerar feriado nacional. Restou claro, nos termos do art. 5º da Lei n.º 1.408/51, que a terça-feira de carnaval é dia em que não há expediente forense. Na Justiça Federal, de outra sorte, as Leis n.ºs 5.010/66 e 6.741/79 previram como “feriados” tanto a segunda como a terça-feira de carnaval. Para tanto, restaria claro que a segunda-feira de carnaval não é de ser considerado feriado forense perante os Tribunais de Justiça, salvo se houver lei local assim estabelecendo, o que demandaria a comprovação no ato da interposição do recurso. Concluiu o seu voto no sentido de que, a despeito de constituir feriado nacional apenas a terça-feira de carnaval, seria desnecessária a comprovação de tal feriado no ato de interposição do recurso, já que é fato público e notório que, há muitas décadas, não há expediente normal nas repartições públicas de sábado a terça-feira de carnaval. Para tanto, manifestou-se no sentido do conhecimento do recurso especial, reconhecendo-se a tempestividade.

Não foi esse voto que prevaleceu, no entanto. Acompanhou o relator o Ministro Og Fernandes. Os Ministros Francisco Falcão, Maria Thereza de Assis Moura e Nancy Andrighi votaram pelo não conhecimento do recurso. Os Ministros Herman Benjamim e Humberto Martins optaram, primeiramente, pela aplicação da regra do art. 932, parágrafo único (concessão de prazo de cinco dias para a comprovação)[3][4]. O Ministro Luís Felipe Salomão abriu a divergência que restou vencedora, e foi acompanhado dos Ministros Herman Benjamim e Humberto Martins (que refluíram dos seus votos), Benedito Gonçalves, Laurita Vaz e Jorge Mussi.

A tese vencedora foi no sentido de que, não obstante fosse o caso de reafirmar a jurisprudência daquela Corte, firmada no AREsp 957.281/MS, quanto à impossibilidade de comprovação posterior do feriado local, o STJ também deveria zelar pela segurança jurídica das relações sociais, pela proteção da confiança, pela isonomia e pela primazia da decisão de mérito, de sorte que a matéria em comento mereceria modulação de efeitos, até mesmo em respeito ao preconizado pelo art. 927, §3º, do CPC. Para ele, portanto, como houve drástica mudança na jurisprudência das Cortes Superiores a respeito do tema, inclusive fruto de mudança legislativa, a exigência da comprovação do feriado local quando da interposição do recurso deveria se dar tão somente a partir da publicação do acórdão respectivo. Assim, conheceu-se do recurso especial, entendendo-o como tempestivo – mesmo tendo sido demonstrado o feriado posteriormente à interposição do recurso.

Suscitou-se Questão de Ordem, por parte da Ministra Nancy Andrighi, já após o trânsito em julgado do acórdão (publicação em 18.11.2019 e trânsito em julgado em 10.12.2019) e disponibilizadas as notas taquigráficas, diante de uma aparente contradição, a fim de que se pudesse identificar se a ideia contida era de abranger quaisquer feriados locais ou tão somente o feriado da segunda-feira de carnaval. Segundo a Ministra Nancy Andrighi, a proposta apresentada pelo Ministro Luís Felipe Salomão teria sido no sentido da modulação dos efeitos e da admissão da prova posterior apenas do feriado da segunda-feira de carnaval, no que teria sido objeto de acolhida de outros Ministros, formando maioria. No entanto, do voto do Ministro lançado aos autos, teria se identificado claramente a afirmação de que se aplicaria para todos e quaisquer feriados locais. Assim, propôs a questão de ordem para que se reconhecesse que a tese firmada era restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval, não se aplicando aso demais feriados, inclusive aos feriados locais.

O Ministro Luís Felipe Salomão divergiu, sustentando a impossibilidade de conhecimento da questão de ordem, porque oferecida após a coisa julgada, bem como, no mérito, argumentou que o amplo debate travado na Corte Especial não teria ficado restrito a apenas um ou outro feriado local, não havendo qualquer contradição a ser sanada.

Prevaleceu o posicionamento da Ministra Nancy Andrighi na linha de raciocínio de que aquele entendimento da Corte Especial, quanto à exigência de comprovação do feriado local somente após a publicação do acórdão, limitava-se à segunda-feira de carnaval. Dito acórdão ainda não transitou em julgado, porque foram oferecidos embargos de declaração pela Associação dos Advogados de São Paulo – AASP.

Ainda que não se tenha dado o trânsito em julgado da decisão oriunda da questão de ordem, desde então o STJ vem  se deparando com o tema, atinente a outros feriados locais, e lamentavelmente tem aplicado aquela interpretação, de modo a não acatar o argumento de tempestividade, em razão da suspensão do prazo por conta de feriado local, mesmo que o recurso houvesse sido protocolado antes da publicação daquele acórdão de 2019, acarretando enorme prejuízo aos jurisdicionados e em evidente desrespeito à pretendida isonomia.

Tem-se notícia, inclusive, de que nos autos do AREsp 1.481.810/SP, o Ministro Luís Felipe Salomão, deparando-se com discussão quanto ao feriado local de fundação da cidade de São Paulo, resolveu propor aos colegas – no que foi acolhido na Quarta Turma – a afetação da questão à Corte Especial, para que se promova uma nova modulação do tema, de modo a estender os fundamentos que levaram à interpretação quanto à segunda-feira de carnaval a outros feriados locais notórios[5].

Pois bem. Na linha do que defende Daniel Amorim Assumpção Neves, o dispositivo contido no §6º do art. 1.003 do CPC, além de contrariar sadia jurisprudência dos tribunais superiores, como expusemos linhas atrás, também está em dissonância com a tônica do CPC/2015, que visava a extirpar inúmeras hipóteses de jurisprudência defensiva[6].

De fato, não há como se negar uma clara discrepância da previsão do § 6º do art. 1.003 do CPC em relação a tantos dos princípios consagrados como normas fundamentais pelo mesmo legislador de 2015, como a primazia do mérito, a boa-fé e a cooperação. Parece-nos que o mais razoável seria aplicar a regra em compatibilidade com o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC, de modo a conceder ao recorrente – na hipótese de entender o julgador como indispensável a prova do feriado – o prazo de cinco dias para que se fizesse a demonstração, consoante os posicionamentos aqui já ressaltados de Marco Antonio Rodrigues e José Miguel Garcia Medina, e que foram – a priori – acolhidos nos votos dos Ministros Herman Benjamim e Humberto Martins, que acabaram refluindo posteriormente.

De todo modo, ainda que se tenha considerado ignorar – com o que, repita-se, não concordamos – o parágrafo único do art. 932 do CPC, o acórdão lavrado em outubro de 2019, da Corte Especial havia caminhado bem ao proceder à modulação da aplicação do § 6º do art. 1.003. Assim, como a jurisprudência do STF e do STJ passou anos consolidada quanto à desnecessidade de comprovação do feriado quando da interposição, coerente o posicionamento – levantado pelo Ministro Luís Felipe Salomão – de que a exigência de demonstração no ato de interposição do recurso deveria se dar tão somente após a publicação daquele acórdão, valorizando princípios como a segurança jurídica das relações sociais, a proteção da confiança, a isonomia e a primazia da decisão de mérito.

Por isso, causou estranheza a questão de ordem conhecida e tida por procedente, em fevereiro de 2020, ainda pendente de julgamento de embargos de declaração.

Primeiramente, pelo fato de que a coisa julgada já se havia operado sobre o acórdão publicado em novembro de 2019 e transitado em julgado no mês subsequente, razão pela qual, com a devida vênia, a questão de ordem sequer merecia conhecimento.

Ademais, em especial, no mérito, pelo fato de que a limitação da decisão ao feriado da segunda-feira de carnaval significou desperdiçar todos os ricos debates levados a efeito naquela Corte, deixando-se de lado a própria ratio do voto do Ministro Luís Felipe Salomão. Os valores e princípios que se buscaram preservar, a nosso ver, eram de ser aplicados a quaisquer feriados locais, não havendo qualquer sentido na restrição acolhida. A maioria formada na Corte Especial, quando do julgamento do mérito da questão de ordem, caminhou infelizmente na contramão do espírito que se buscou efetivar com o CPC/2015.

Resta-nos torcer que, ao se julgar os embargos de declaração oferecidos pela AASP, ou ao enfrentar a nova proposta de modulação suscitada no AREsp 1.481.810/SP, o STJ possa estender aqueles fundamentos determinantes, tão bem aprofundados em outubro passado, a todos e quaisquer feriados locais.

 

Notas e Referências

[1] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 680.

[2] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1471.

[3] Essa já era, inclusive, a posição defendida por Marco Antonio Rodrigues, no sentido de que, diante da ausência de expressa previsão de consequência pelo descumprimento de tal ônus, deveria ser aplicada a disposição geral do art. 932, parágrafo único, do CPC in Manual dos Recursos, Ação Rescisória e Reclamação. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, pp. 66/67.

[4] O Enunciado 66 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho de Justiça Federal assim prevê: “Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC”.

[5] https://m.migalhas.com.br/quentes/321414/stj-salomao-ira-propor-revisao-da-modulacao-relativa-ao-feriado-da-segunda-feira-de-carnaval, acesso em 31.03.2020.

[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – volume único. 8. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 1528.

 

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