BRASIL E A IMPRESCINDIBILIDADE DA FIXAÇÃO DE PARÂMETROS À COBRANÇA DE CUSTAS PROCESSUAIS DOS BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA, NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

23/10/2024

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a OXFAM, 82% da riqueza mundial produzida entre 2016 e 2017, ficou com 1% da população, os classificados como “super-ricos”, enquanto 50% da população mais pobre não ficou com nada. Isso demonstra que o pobre trabalha, mas não vê riqueza, e que há uma péssima distribuição de renda. Ainda assim, as flexibilizações dos direitos trabalhistas seguem sendo executadas, o que, de acordo com a OXFAM, contribui de forma direta para a desigualdade social. Neste cenário, o presente estudo visa discutir o benefício da Justiça Gratuita na atual CLT, demonstrando como funciona no Brasil, bem como comparando com o exterior, articulando a questão com o princípio da necessidade da prova.

E, por fim, propõe um novo conceito de hipossuficiência a ser aplicada pelos Tribunais relacionados ao Direito do Trabalho no Brasil.

A metodologia utilizada no artigo é a revisão bibliográfica, trazendo aportes teóricos, com base em livros, dissertações, leis e dados da OXFAM.

Dessa forma, o objetivo principal deste artigo é construir um parâmetro para a cobrança das custas processuais dos beneficiários da Justiça Gratuita, quando sucumbentes no processo, considerando ainda o impacto do meio digital[i].

Hoje, no Brasil, não há um critério para essas cobranças, bastando que o Reclamante tenha créditos naquele processo ou em outro (e ser sucumbente parcialmente ou totalmente) para as custas incidirem. No estudo, é demonstrado que em outros países, como por exemplo na Itália, se define um limite legal para que a cobrança tenha incidência.

A pesquisa realizada mostra-se relevante diante de um cenário mundial de redução de Direitos Trabalhistas e de aumento da desigualdade social, como apontaram os relatórios da OXFAM. Para tanto, aponta-se informações acerca da distribuição da riqueza mundial.

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou um balanço referente ao primeiro ano da nova legislação trabalhista, demonstrando que a litigiosidade caiu quase 50%. Entre janeiro e setembro de 2018 foram ajuizadas 1.287.208 Reclamações Trabalhistas, enquanto em 2017, no mesmo período, haviam sido ajuizadas 2.013.241.

Contudo, é preciso ponderar que esses dados provenientes do TST não significam de forma direta que os trabalhadores estão tendo, no mundo real, seus direitos materialmente respeitados. Pelo contrário, essa diminuição de litigiosidade pode ser indício de que o trabalhador está com receio de pleitear seus direitos no judiciário, verificando-se um efeito de contenção não necessariamente acompanhado por melhorias na vida dos trabalhadores.

O cenário analisado, em verdade, aponta prevalentemente para o oposto na formação social. Tal fato, representa um retrocesso jurídico nas esferas constitucional e trabalhista, visto que é através da correção dos desequilíbrios laborais que o Direito do Trabalho avança e previne absurdos[ii].

Nesse contexto, é notório que a mudança legal sobre a Justiça Gratuita e a possibilidade de ter que arcar com a sucumbência processual foram fatores relevantes para a apontada redução de Reclamações Trabalhistas ajuizadas.

Dito isso, é imprescindível fixar parâmetros para a incidência da cobrança de sucumbência processual dos beneficiários da Justiça Gratuita. Por isso, este trabalho propõe um método a ser utilizado pela Justiça do Trabalho.

 

2. DADOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA MUNDIAL

“Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida)”. João Cabral de Melo Neto

Notadamente, o Brasil é marcado pela disparidade financeira, um país economicamente feito de (e) por muitos Severinos, relembrando o poema de João Cabral de Melo Neto disposto na epígrafe. Um povo que trabalha, mas não vê riqueza para si, dela não usufruindo. Em razão disso, é preciso observação atenta às medidas legais aprovadas, para que essa situação não se agrave ainda mais, ou seja, para que as desigualdades sociais, já demasiado acentuadas no país, não avancem, de forma a massacrar ainda mais a população mais pobre e vulnerável, que representa grande parte da força de trabalho que efetivamente move o país[iii].

O avanço constante do capitalismo impõe cada vez lucros maiores, tendo como custo os direitos trabalhistas do empregado. Há países, conforme será citado abaixo, em que os trabalhadores sequer podem ir ao banheiro, para não “desperdiçar” tempo de trabalho, e com isso, são obrigados a usarem fraudas. As grandes fortunas também geram grandes misérias.

Diante disso, a OXFAM Brasil[iv], elaborou um relatório intitulado “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, que traz a seguinte frase da capa do estudo: “Para pôr fim ao estado de desigualdades no qual estamos, precisamos construir uma economia voltada para os trabalhadores, não só para os super-ricos”. Até porque somos mais Severinos, do que super-ricos.

O relatório aponta que 82% do total de riqueza mundial gerada entre 2016 e 2017, foi para 1% da população. Além de ter registrado o maior aumento de milionários da história, de modo que a cada dois dias havia um novo milionário. O que caracteriza má distribuição de renda, já que, de acordo com o estudo, 50% da população mais pobre não ficou com nada da riqueza produzida, conforme gráfico a seguir:

Trata-se de dado sem dúvida chocante, tendo em vista o cenário em que 50% da população mundial mais pobre trabalhou, mas não ficou com nada da riqueza produzida, apenas o que experimentou foi a miséria e o trabalho árduo precarizado, todos os dias. Enquanto o grupo do 1% mais rico ficou com 82% de toda a riqueza mundial produzida durante os anos mencionados. A digitalização acelerada dos últimos anos não foi capaz de modificar esse quadro de modo favorável ao trabalhador. Verificando-se, sobre isso, inclusive uma Necroética explorada por Souza (2020) presente na interpretação dos direitos, na contramão até da sobrevivência de grande percentual.

Em contrapartida, é imperioso destacar que a riqueza destinada ao 1% que está no topo, é construída pelos pobres, que não raro recebem salários baixos e são expostos a jornadas de trabalhos exaustivas e irregulares, sendo privados de direitos essenciais. É exposto, no relatório, que os pobres trabalham, mas ainda assim vivem na pobreza, experimentando situações deploráveis, suportando humilhações e até assédios para manter o emprego, já que sem emprego sequer comem. E ainda, destacou-se no relatório que esse 1% é proprietário de mais riquezas do que todo o restante da população mundial junta.

Não são poucos os discursos que afirmam categoricamente que tudo depende do esforço pessoal de cada um, e que basta querer para qualquer sujeito alcançar seu objetivo; para tanto, são mobilizados exemplos no sentido de que um determinado sujeito era pobre e agora se converteu em um milionário, indicando que isso estaria acessível a qualquer um. Há, assim, uma grande valorização à ideia de meritocracia e responsabilidade quase que puramente individual no resultado (apagando-se as condições de produção e contexto macro e micro), discurso que por consequência gera ainda mais lucros para os mais abastados. A meritocracia é uma construção histórico-discursiva, que sedimenta, entre outras coisas, a seguinte justificativa para a riqueza: talento, trabalho e inovação. Como se para qualquer um fosse possível ser um milionário ou bilionário, o que decerto não procede.

Contudo, o que o relatório da OXFAM observou foi que na maioria das vezes as grandes riquezas provêm de heranças, monopólios ou relação de clientelismo governamental. Verificou-se que 1/3 das fortunas milionárias são provenientes de heranças. Sobre o monopólio, o estudo traz como exemplo o 6º homem mais rico do mundo no momento de aferição, Carlos Slim, dono de empresas de comunicação, monopólio que a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou como nocivo para a economia e os consumidores desses serviços. E ainda, chegou-se à conclusão de que 2/3 das fortunas pertencentes aos bilionários vêm de heranças, monopólios e compadrio.

Outro ponto extremamente relevante apontado, é que o 1% mais rico do mundo, de acordo com análise do economista Gabriel Zucman, sonega 200 bilhões de dólares por ano, através de paraísos fiscais e outras formas de evasão. E como se sabe, provém dos impostos os recursos investidos na saúde, educação, moradia, entre outros. Tal fato é grave, na medida em que, além do 1% da população ficar com a maior parte (82%) da riqueza mundial produzida, ainda sonega enormes montantes que poderiam seguramente melhorar a qualidade de vida da população que trabalha, mas que não vê riqueza alguma para si. 

Ademais, para piorar o cenário, esses trabalhadores que tanto ajudam a produzir a riqueza mundial, estão sendo mortos e adoecendo em seus trabalhos, o que novamente nutre relação com a Necroética explorada por Souza (2020) e a figura de Thanatos mobilizada pelo autor referenciando a morte, no culto idolátrico a discursos nocivos e destrutivos das pessoas (pulsão de morte e corrosão dos direitos).

Estima-se, de acordo com a OIT, que mais de 2,78 milhões de trabalhadores morrem todos os anos em razão de acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho, o que preocupantemente equivale a uma pessoa a cada 11 segundos. É relatado que a OXFAM está atuando nos Estados Unidos, no setor avícola, vez que não há direito a sequer ter pausa para ir ao banheiro, sendo que muitos trabalhadores usam fraudas para trabalhar. Esse setor é relatado como o mais perigoso, com taxas altíssimas de graves lesões.

Neste cenário, é patente que a redução de direitos trabalhistas influi diretamente na desigualdade social. Essa afirmação foi comprovada pelo relatório, que constatou como uma das causas do aumento da desigualdade social, justamente a redução dos direitos trabalhistas. E apontou, como sugestão, a revisão da tributação das pessoas mais ricas, bem como o combate à corrupção.

 

3. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DA PROVA    

A função do magistrado, a quem cabe o julgamento do processo, é de inestimável importância, pois contribui de forma direta para a construção da justiça. Entretanto, em razão da complexidade do ato, fazem-se necessárias provas que embasem a decisão, para que se tenha o mínimo de dúvidas ao sentenciar.

Diante disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz no artigo 370, a possibilidade de o juiz determinar de ofício ou mediante requerimento das partes, as provas necessárias ao julgamento da lide, vejamos:

Art. 370.  Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único.  O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

O mesmo artigo define em seu parágrafo único, que juiz indeferirá as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Isso é dizer, que durante a instrução processual, somente serão produzidas as provas cruciais para o julgamento do mérito. Não havendo como se falar que o beneficiário da Justiça Gratuita teria alguma possibilidade de fazer o Estado custear provas desnecessárias.

A nova sistemática da CLT, ao definir que o trabalhador vencedor (parcialmente) na causa deve pagar custas processuais, produz ônus em demasia ao trabalhador. As perícias, por exemplo, necessárias à solução da demanda, em geral são muito caras para o trabalhador, custando entre 3 (três) e 5 (cinco) mil reais.

Isso impõe ao trabalhador uma situação sobremaneira difícil e delicada, pois pode ganhar a causa e não receber nenhum dinheiro, o que afronta a própria sistemática do equilíbrio da relação. O valor financeiro da condenação é a correção da injustiça realizada pelo empregador, é a indenização ao trabalhador pelo mal suportado. E quando isso não ocorre, o próprio instituto da ação judicial perde seu propósito. Na medida em que desincentiva que os trabalhadores denunciem as injustiças sofridas, os absurdos perpetrados.

Assim, o judiciário deixa de ser uma instância de correção de disparidades, para converter-se em mais um lugar em que o trabalhador é um “ninguém”:

“Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, [...] mal pagos: Que não são, embora sejam. [...] Que não são seres humanos, são recursos humanos. [...] Que não têm cara, têm braços”. (Galeano, 2017, p. 71).

George Marmelstein (2007), logo na introdução de sua obra “Curso de Direitos Fundamentais”, expõe de forma contundente o papel que deve exercer o operador jurídico:

“Atualmente, existem no Brasil dezenas de milhões de pessoas em situação de pobreza absoluta. Para essas pessoas não interessa saber o que é direito fundamental ou que é Poder Judiciário. Elas sequer sabem o que é Constituição, apenas têm fome e sede. Elas não fazem questão de normas jurídicas, nem se preocupam com a dimensão objetiva, a eficácia horizontal, a concordância prática, nem com a colisão de direitos fundamentais; querem apenas poder comer e beber - e quem sabe um pouco de dignidade. Certamente jamais lerão esse livro, até porque dificilmente sabem ler ou escrever. Mas você sabe ler. Por isso se estiver ao seu alcance fazer alguma coisa para minorar o sofrimento dessas pessoas, imploro que o faça. Levar os direitos a sério é incompatível com a atitude de ficar vendo pessoas morrer quando se poderia ajuda-las com um pouco mais de boa vontade.” (grifo nosso).

E como é sabido, não é tão simples para o trabalhador processar a empresa em que trabalhou, porque essa informação fica disponível em rede, sendo de fácil acesso a qualquer pessoa. Com isso, o empregado tem medo de não ser recontratado. E, sem trabalho, ele sequer consegue comer, o que é importante ressaltar.

Garantir efetivamente o acesso à Justiça Gratuita significa romper com barreiras, como expõe José Afonso da Silva (2010, p. 188):

“Significa tornar a acessibilidade à Justiça ampla e eficiente impondo ao Estado a adoção de preceitos positivos de conduta que almejam a ruptura de barreiras de cunho social, econômico e cultural que cerceiam as pessoas de realizar uma pretensão ou de exercer uma faculdade em juízo.”

Pelo exposto, não parece ser razoável impor ao trabalhador esse ônus, o fazendo temer entrar com uma ação, já que há o risco de, ao final, acabar sem nada, e em situação ainda pior do que quando ajuizou o processo.

Lembrando que, para o ajuizamento de um novo processo, é necessário quitar as custas do processo anterior, o que contraria o acesso à justiça previsto na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).  

 

4. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT) - BRASIL

No Brasil, a Justiça Gratuita está estampada na CLT, através do artigo 790, §3º, vejamos:

Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.  

§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

O teto do Regime Geral da Previdência no ano de 2018 é de R$ 5.645,80. Isso é dizer, que pode ser concedida Justiça Gratuita a quem comprovar auferir renda igual ou inferior a R$ 2.258,32. A Justiça Gratuita é garantida através da súmula 457 do TST:

Súmula 457 TST: Nº 457 HONORÁRIOS PERICIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO PELO PAGAMENTO. RESOLUÇÃO Nº 66/2010 DO CSJT. OBSERVÂNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 387 da SBDI-1 com nova redação) - Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014.

Contudo, há algumas hipóteses em que o Reclamante beneficiário na Justiça Gratuita, e por lógica auferindo menos de 40% do limite máximo do teto do Regime Geral da previdência, poderá ser obrigado a pagar custas.

Uma delas está disposta no artigo 790-B, §4 da CLT, que afirma:

Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.        

§ 4º Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

De acordo com o referido dispositivo legal, as custas da perícia, no caso de parte Reclamante sucumbente, só serão pagas pela União no caso de a parte não ter obtido naquele processo ou em outros, créditos suficientes para satisfazer a despesa.

Como só é possível saber quem é sucumbente no final da demanda, depois da sentença de mérito ou a depender de julgamento de eventual recurso, a União nos casos em que o Reclamante é beneficiário da Justiça Gratuita, adianta uma parte das custas ao perito. Entretanto, a devolução desse adiantamento pela parte sucumbente e beneficiária, está prevista na Resolução 66/2010, §3º:

Resolução 66/2010. Conselho Superior da Justiça do Trabalho

Art. 2º A responsabilidade da União pelo pagamento de honorários periciais, em caso de concessão do benefício da justiça gratuita, está condicionada ao atendimento simultâneo dos seguintes requisitos:

I – fixação judicial de honorários periciais;

II – sucumbência da parte na pretensão objeto da perícia;

III – trânsito em julgado da decisão.

§ 3º No caso de reversão da sucumbência, quanto ao objeto da perícia, caberá ao reclamado-executado ressarcir o erário dos honorários periciais adiantados, mediante o recolhimento da importância adiantada em GRU – Guia de Recolhimento da União, em código destinado ao Fundo de “assistência judiciária a pessoas carentes”, sob pena de execução específica da verba. (NR)

Em síntese, na Justiça do Trabalho no Brasil, é possível a concessão do benefício da Justiça Gratuita a quem ganha R$ 2.258,32 ou menos. Entretanto, a legislação aponta a situação em que o trabalhador, obtendo créditos naquele processo ou em outro, e sendo sucumbente em algum pedido, terá que arcar com as custas, sendo descontadas desse valor que ele teria para receber.

 

5. JUSTIÇA GRATUITA NA ESPANHA, PORTUGUAL E ITÁLIA

De acordo com os estudos realizados, foi possível observar que em outros países também há a possibilidade da cobrança da sucumbência dos beneficiários da Justiça Gratuita, entretanto, países como Espanha, Portugal e Itália, aderem a critérios objetivos, para que a regra tenha ou não incidência.

Thiago Melosi Sória (2011) expõe que na Espanha, todos os trabalhadores têm o benefício da Justiça Gratuita independente de alegarem ou não insuficiência de recursos, sendo ainda garantida ao trabalhador a consulta jurídica gratuita, antes de entrar com a ação.

Já em Portugal, de acordo com o autor, a hipossuficiência é caracterizada através de um cálculo matemático, em que é considerada a renda da pessoa, as despesas familiares fixas, e o patrimônio, depois comparado com o indexante usado nos apoios sociais governamentais. Além de ser igualmente garantida a assistência gratuita pré-processual, ou seja, as consultas jurídicas.

Sória (2011) explica que na Itália o beneficiário da Justiça Gratuita pode ser obrigado a pagar as custas, quando sucumbente, entretanto, a Itália define um limite legal para que essa regra tenha incidência, ou seja, não basta que o trabalhador obtenha créditos naquele processo ou em outro, como no Brasil.

Isso dito, resta evidente que o Brasil, a exemplo dos países citados, precisa adotar critérios objetivos acerca da cobrança da sucumbência. Sendo raso e injusto os únicos requisitos serem a parte ter créditos naquele, ou em outro processo.

 

6. CONCEITO DE HIPOSSUFIÊNCIA E A IMPRESCINDÍVEL FIXAÇÃO DE PARÂMETROS PARA A COBRANÇA DE CUSTAS PROCESSUAIS DOS BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA

Conforme anteriormente exposto, o artigo 790 da CLT é claro ao afirmar que faz jus ao benefício da Justiça Gratuita quem aufere renda igual ou inferir a 40% do teto do Regime Geral da Previdência, que equivale a R$ 2.258,32.

De modo que se mostra absurdo apenas o fato de o trabalhador obter créditos naquele processo ou em outro, ser motivo para ser descontada a sucumbência. Ora, o mínimo que deveria ser feito é calcular se o que o trabalhador auferiu no ano, ou no ano anterior, somado à quantia que obteve no processo, ultrapassa a renda mensal de R$ 2.258,32. Ou seja, se o ganho anual foi superior a R$ 27.099,84. E, na pior das hipóteses, ser descontado apenas do valor que ultrapasse o teto de R$ 27.099,84.

Pois do contrário, ele ainda será hipossuficiente nos próprios termos elencados pela CLT.

Para ficar mais claro, elenca-se um caso hipotético: suponha-se que um trabalhador ganhe mensalmente um salário-mínimo. Esse trabalhador ajuíza uma Reclamação Trabalhista em que busca dano material no valor de R$ 10.000,00 e dano moral no valor de R$ 10.000,00. No caso, o Reclamante ganha o pedido de danos materiais, mas perde o pedido de danos morais. Seria ele, portanto, parcialmente sucumbente. E neste caso hipotético, deveria arcar parcialmente com as custas processuais.

Ocorre que se multiplicarmos o salário dele de R$ 954,00 (valor considerado no estudo) pelos 12 meses do ano e depois acrescentarmos os R$ 10.000,00 que ele ganhou na ação e dividirmos por 12 novamente, teremos o salário mensal de R$ 1.787,33, ou seja, esse Reclamante continua sendo hipossuficiente nos próprios termos da CLT, que concede Justiça Gratuita a quem aufere renda igual ou inferior a R$ 2.258,32.

Com isso, fica cristalino que o simples fato de o trabalhador obter créditos naquele ou em outro processo, não é de forma alguma suficiente para definir se ele deve ou não arcar com as custas sucumbenciais. Essa falta de critérios que ponderem a incidência, se mostra extremamente prejudicial à Justiça do Trabalho como um todo. E pequenos ajustes graduais nesse salário não quebram a lógica apresentada, mesmo porque, o restante acompanha, como o custo de vida e o preço da produção de provas se eleva, prejudicando radicalmente os trabalhadores.

 

7. CONCLUSÃO

Por tudo que foi exposto, foi possível concluir que os novos critérios da Justiça do Trabalho Brasileira prejudicaram o Reclamante, que atualmente está sujeito ao pagamento da sucumbência processual, quando ainda se encontra na faixa salarial que, teoricamente, estaria abarcada pelo benefício da Justiça Gratuita (como no caso hipotético exemplificativo citado no capítulo acima).

Diante disso, propõe-se que seja o salário do trabalhador multiplicado por 12, acrescido do valor obtido no processo, e na sequência seja dividido por 12, tendo incidência a cobrança sucumbencial apenas quando o ganho anual for superior a R$ 27.099,84. E, na pior das hipóteses, ser descontado somente do valor que ultrapasse esse teto de R$ 27.099,84.

Pois como demonstrado anteriormente, o cenário mundial é marcado por desigualdades sociais e por abusos de direitos crescentes. De modo que a Justiça do Trabalho pode ser um instrumento de correção de injustiças e melhoria de vida para os trabalhadores. Quando o magistrado repreende financeiramente uma empresa que não respeitou o direito do trabalhador, está contribuindo diretamente para a prevenção da conduta futuramente. Contudo, se o trabalhador não tiver garantias do equilíbrio das injustiças no Judiciário, menos demandas chegarão ao apreço dos magistrados e mais absurdos se perpetuarão no mundo real.

Como dito anteriormente, o fato de haver menos demandas ajuizadas após a entrada em vigor da nova legislação trabalhista, não garante de forma alguma que os trabalhadores estão sendo menos lesados, ou que estão resolvendo os problemas antes de procurarem o judiciário.

Tal fato demonstra que há receio por parte dos trabalhadores em litigar com risco de serem obrigados a pagarem as custas. Sabendo-se, ainda, que há dificuldade em encontrar um novo trabalho para quem processa seu empregador.

Ademais, os dados do TST sobre a redução da litigiosidade acabam por demonstrar que a cifra de trabalhadores que são violados em seus direitos, é muito maior do que o judiciário sequer supõe (sobre isso, de modo análogo, o campo jurídico deveria compreender melhor o conceito de Cifra Oculta considerado nas criminologias).

Diante de todo o exposto, é absolutamente imprescindível a adoção de parâmetros para a cobrança de custas processuais dos beneficiários da Justiça Gratuita, no âmbito da Justiça do Trabalho. De modo a evitar a contenção dos direitos, que precisam ser materialmente efetivados.

 

Notas e referências:

BRASIL, OXFAM. Recompensem o trabalho, não a riqueza. Janeiro, 2018. Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/2018_Recompensem_o_Trabalho_Nao_a_riqueza_Resumo_Word.pdf>. Acesso em: 15/11/2018.

BRASIL, OXFAM. Recompensem o trabalho, não a riqueza. Nota metodológica. Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/2018_recompensem_o_trabalho_nao_a_riqueza_nota_metodologica.pdf>. Acesso em: 15/11/2018.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17/11/2018.

GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Editora L&PM POCKET. Porto Alegre. 2017.

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo, Editora Atlas, 2009.

PIRES, Guilherme Moreira. Abolicionismos e Sociedades de Controle: entre aprisionamentos e monitoramentos. Florianópolis: Editora Habitus, 2018.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª edição, São Paulo, 2010.

SÓRIA, Thiago Melosi. Assistência jurídica integral e justiça gratuita nos conflitos individuais do trabalho. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011.

SOUZA, Ricardim Timm de. Crítica da razão idolátrica: tentação de Thanatos, Necroética e sobrevivência. Editora Zouk, 2020.

TRABALHO, Conselho Superior da Justiça. Resolução nº 66, de 10 de junho de 2010. Disponível em: <http://www.csjt.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=717d1c84-0b41-4fc0-b138-09cad3720800&groupId=955023>. Acesso em: 17/11/2018.

TST, Superior Tribunal. Súmulas da Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/sumulas>. Acesso em 17/11/2018.

TST, Tribunal Superior do Trabalho. Primeiro ano da reforma trabalhista: efeitos. Disponível em: <http://tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24724445>. Acesso em 07/12/2018.

[i] Aborda nuances envolvendo a LGPD (aplicada muitas vezes de modo invertido, contra o titular de dados) e os impactos do meio digital na formação social, interpretados em sentido contrário à efetivação de direitos. Desde 2018, antes mesmo da vigência da lei, ela era considerada, todavia, frequentemente de modo invertido, contra o cidadão titular.

[ii] Sobre a historicidade de uma Sociedade de Controle abordada em Pires (2018) regida por dados (Era dos Dados de fluxos contínuos, ininterruptos, ultrarrápidos, conforme Gilles Deleuze anuncia ao desenvolver a designação foucaultiana), tem-se que o Direito do Trabalho deveria se amoldar para corrigir e evitar desequilíbrios laborais e abusos sobretudo considerando esse novo contexto, entretanto, o Direito do Trabalho retrocede, mesmo em cenário histórico em que a atualidade do século XXI aponta para a necessidade do oposto: mais respeito aos direitos e prevenção de violações. Em suma, enquanto a Sociedade de Controle demanda maiores cautelas e respeito às garantias existentes, o Direito do Trabalho retrocede, corroendo e deteriorando as condições de eficácia dos direitos. Muitos advogados atuantes na área, inclusive abandonaram o campo, diante da notória corrosão de direitos.

[iii] E ainda impactada pela vulnerabilidade técnica e digital diante das novas tecnologias e suas dinâmicas de assinaturas para habilitar funcionalidades, com a LGPD sendo interpretada frequentemente contra o titular de dados, em tratamentos de dados que violam a própria Constituição Federal, tendo esses Severinos, ainda pouco controle sobre os seus dados, enquanto ampliam-se os monitoramentos e fluxos ininterruptos.

[iv] A Confederação Internacional OXFAM atua em 94 países, através de 20 organizações. No Brasil, através da OXFAM Brasil, desenvolve trabalhos, como pesquisas que visam diminuir a pobreza, injustiça social e desigualdades.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Spinning // Foto de: Charles Roper // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/charlesroper/17392617601

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