Freud considerava que governar, educar e psicanalisar são três promessas de impossível sustentação. Eu ousaria dizer: são três compromissos impossíveis de serem cumpridos nos termos propostos.
Promessas ou compromissos, nos três casos, envolvem outros. Então, dados os limites pessoais, dados as condições dos meios, e dado que os outros não estão obrigados reciprocamente, tudo se faz incerto.
Interessa-me o item governar. Houaiss: “dirigir como chefe de governo”. Aparentemente, está resolvido: para governar bastaria o simples exercício da definição do termo. O gesto provocaria o resultado.
Só que não. Governabilidade, Houaiss: “conjuntura de estabilidade política, social e financeira, em que o poder executivo pode exercer plenamente as suas atribuições”. Governar acontece, pois, se há governabilidade.
Eleição e posse não bastam. Além de legitimado pelas urnas e pelos rituais de outorga do poder governativo, o governante carece de governabilidade, ou não exerce plenamente as suas atribuições.
Já tivermos vários governantes que não governaram. FHC governou, Lula governou. Dilma não governava plenamente. No correr do governo, sua autoridade se foi deteriorando até a perda geral de controle.
Dilma era escorada por Lula (no jargão político, um “poste”), que não era o governante. O amparo do padrinho não bastou. A presidenta foi sabotada pela própria composição de forças que articulou para se eleger.
A sabotagem, todavia, aconteceu porque a “conjuntura de estabilidade política, social e financeira, em que o poder executivo pode exercer plenamente as suas atribuições” dada a incompetência da governante, inexistiam.
Incompetência denotando incapacidade para a função, inabilidade para exercê-la, inaptidão para o seu desempenho. Não importam, pois, as qualidades personalíssimas, mas as políticas. Governar é fazer política.
Dilma perdeu a aura de governante, seu status: “situação, estado, qualidade ou circunstância de uma pessoa ou coisa em determinado momento” (Houaiss). Teve seu ocaso (político) antes do seu pôr do sol (legal).
Dilma era deselegante com assessores e políticos. Creu na peça eleitoral que Lula lhe pespegou: “gerentona”. Além da hostilidade pessoal, quis impor-se a ponto de “indicar” um presidente à Câmara dos Deputados.
A primeira mulher presidenta do Brasil foi-se tornando uma solitária no poder. Restou defenestrada por deperecimento. Seu substituto eleito, Bolsonaro, como Dilma, está enfrentando problemas de governabilidade.
Bolsonaro foi eleito, também, ou principalmente, por sua hostilidade manifesta. Propôs-se, já em campanha, a um enfrentamento com o mundo real. Jurava soluções imediatas: o Brasil seria passado à limpo.
Bazófia. O poder do presidente da República não é poder suficiente para sustentar a promessa de Brasil que Bolsonaro comprometeu-se a entregar a seus eleitores. Bolsonaro já o descobriu.
Que fazer, então? Cai-lhe às vistas um texto que, pleno de razão, aponta as dificuldades, à esquerda e à direita, de governar diante dos interesses das corporações entranhadas no Estado brasileiro.
Segundo o texto que Bolsonaro endossa, como os interesses das corporações não estão sendo atendidos, “na hipótese mais provável o governo será desidratado até morrer de inanição”.
E segue: “Bolsonaro [...] até agora não fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou”. O texto explicita que, disso, a culpa não é do presidente. É verdade. Nisso o texto está bem.
O que o escrito de Paulo Portinho não examina são as causas do conflito. As corporações são parte do sistema de poder político no Brasil, sobretudo depois dos governos petistas. Isso é fato dado.
Bolsonaro, contudo, não é um herói que defronta vícios corporativos (na sua proposta de Reforma Previdenciária ele tratou de cuidar da sua corporação). Bolsonaro é um autoritário que se quer impor ao Brasil.
Autoritário e mal-aconselhado: segue guru de precária formação, ouve filhos atabalhoados, arrosta o Congresso Nacional, ofende o mundo universitário, desonra os militares que lhe dão estrutura ao governo.
Governar depende de si e de muitos outros, acontece com diálogo em torno de ideias antagônicas. Bolsonaro optou por endossar um texto que alude a “ruptura institucional”. Isso, politicamente, é uma estupidez.
O mundo político requer conciliação em torno de denominadores comuns. Na vida política descabem ameaças. Os fatos: indicadores econômicos, dados sociais, confiança empresarial, as ruas... Tudo vai mal.
A guerrilha midiática elegeu e mantém Bolsonaro. É boa tática de sustentação. Estrategicamente, todavia, sem resultados de realidade, não se basta sozinha. Se não se articular, vai aos tropeços, até que cai.
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