Por Heitor Pergher - 12/03/2016
Os recorrentes escândalos de corrupção que o Brasil vem enfrentando, nos últimos anos, têm redesenhado o cenário político nacional. A roubalheira desenfreada se reverteu no desprestígio das estratégias clássicas de marketing empregadas por aspirantes a cargos políticos no país. Esse desinteresse pelos mesmos enfadonhos e pomposos candidatos à presidência dá espaço a concorrentes que se distanciam do modelo usual de presidenciáveis e que se aproximam muito mais das mídias sociais.
Não mais interessam as elucubrações sobre como a deterioração dos termos de troca tem afundado o Brasil cada vez mais no subdesenvolvimento; ou como a crise chinesa afeta negativamente a balança de pagamentos do país. O povo deseja ouvir soluções claras, eficazes e rápidas. Em suma, soluções que caibam em uma mensagem sucinta de Whatsapp ou de Facebook. E é exatamente nesse meio digital que tem se destacado o nosso mais novo herói nacional: o Deputado Federal Jair Bolsonaro, também conhecido na internet como “Bolsomito”. O deputado declarou, abertamente, em meados de 2015, ter interesse de concorrer à Presidência do país, tendo solicitado a sua desvinculação de seu partido de origem, o Partido Progressista (PP), uma vez que, segundo Bolsonaro, o PP não daria espaço para que concorresse ao Planalto (PASSARINHO, 2015).
Bolsonaro tem ganhado a atenção (e o amor incondicional) do eleitorado mais conservador por uma série de motivos. Em especial, o deputado é lembrado pelo seu discurso duro frente à criminalidade no país e também por questionar as políticas públicas executadas em favor das minorias, tendo proferido algumas frases que se tornaram populares sobre o assunto, como: “A minoria tem de se curvar” e “Não há porque defender as minorias” (BOLSONARO, 2014). Em suma, o referido deputado tem se posicionado como verdadeiro amplificador da voz do povo, seja essa voz racista, preconceituosa, machista ou injusta.
Nota-se, assim, que a estratégia de campanha do Deputado Bolsonaro tem como característica marcante o reduzido escopo temático. Isto é, suas propostas são bem delimitadas e específicas, demonstrando que o candidato objetiva criar um caráter inequívoco e simplificado frente ao seu eleitorado. Inclusive “Bolsonaro, o candidato estereotipado” poderia facilmente ter sido o título mais adequado para este texto. Basicamente, o congressista propõe dureza frente à criminalidade, a defesa incondicional da meritocracia e o tratamento da homossexualidade como um constructo social: uma doença que se prolifera devido aos estímulos negativos da sociedade e, principalmente, do governo.
Ou seja, Bolsonaro almeja, nitidamente, se distanciar da figura do candidato padrão, complexo, que busca discorrer sobre todo e qualquer problema da sociedade brasileira. O seu marketing é muito mais delimitado quanto ao conteúdo. Extrai-se da ideologia política defendida pelo deputado que todos os problemas do Brasil podem ser solucionados de forma simplificada, especialmente, pelo maior rigor punitivo das leis e com o Estado interferindo o mínimo possível nas relações da sociedade brasileira. Quer dizer, menos impostos, mais justiça social, menos criminalidade, fim da corrupção. Não é isso o que todo brasileiro quer ouvir? Obviamente que é! Mas será que as propostas de Bolsonaro são capazes de solucionar esses problemas? É claro que não...
Os temas fundamentais que expõem a ideologia política por trás dos pronunciamentos de Bolsonaro são aqueles que dizem respeito à justiça social, mais especificadamente, sobre meritocracia, igualdade social e direito de minorias. Esses temas formam o foco desta análise, que visa abordar os principais problemas das propostas de Bolsonaro. A análise crítica da ideologia política do deputado teve como base a exposição de dois conceitos elementares: a igualdade formal e a igualdade material.
O notório caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, mote de campanha de Bolsonaro em seus pronunciamentos, assevera que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988). Para Bolsonaro, esse artigo corrobora o seu posicionamento de que não deve haver proteção especial às minorias. Todavia, o citado excerto legislativo garante somente a igualdade formal. Por isso, com base nesse artigo, todos têm, teoricamente (bem teoricamente...), os mesmos direitos perante a lei, sem qualquer distinção desta frente aos que a ela recorrerem.
No entanto, a sociedade brasileira é, de fato, extremamente desigual, seja por motivos de sexo, cor ou condições socioeconômicas (Fun fact: sempre foi assim). Dessa forma, para que esses direitos possam ser efetivamente garantidos, não basta a existência do artigo 5º da Constituição. O Estado deve agir positivamente, tratando de forma diferenciada aqueles que são oprimidos (pobres, negros, homossexuais, indígenas) por uma sociedade machista, retrógrada, preconceituosa e conservadora, adjetivos esses que, infelizmente, ainda bem descrevem a sociedade brasileira.
Uma política que efetivamente proporcione maior igualdade material impedirá que a Constituição brasileira seja apenas mais uma folha de papel, garantindo que os direitos ali defendidos tenham aplicação prática. Em especial, os direitos fundamentais sociais, elencados nos incisos do artigo 6° e em outros artigos dispersos na Constituição, têm conteúdo programático. Ou seja, possuem eficácia limitada, exigindo atuação positiva do Estado na garantia desses direitos (CLÈVE, 2006). Essa atuação do Estado se dá por meio de programas sociais, que são entendidos por Bolsonaro como a promoção de uma “Ditadura do proletariado” (BOLSONARO, 2013).
A igualdade material busca, assim, a aplicação prática da igualdade formal, garantindo que todos tenham as mesmas oportunidades. Obviamente, no Brasil, existe um grande abismo entre a igualdade formal e a igualdade material. Inclusive, na década de 1990 era impossível ver o fundo desse precipício. Esse abismo tem sido progressivamente reduzido, ainda que por meio de políticas imperfeitas, com ações positivas do Estado Brasileiro, como a promoção da política de cotas, a execução de programas de auxílio econômico, como Bolsa Escola e Bolsa Família (“Bolsa Família é um crime” Bolsonaro, 2011), com leis que garantem o tratamento diferenciado a homossexuais e mulheres, etc.
Essa diminuição da desigualdade social no Brasil pode ser observada pela evolução do Coeficiente de Gini. Nesse coeficiente, quanto mais próximo de 1 o coeficiente de um país, mais desigual ele é. No início da década de 1990, o coeficiente brasileiro era de 0.607. Em 2011, o coeficiente já é de 0.498 (CARDOSO, 2014). Esse indicador é capaz de demonstrar, assim, que as políticas de distribuição de renda das últimas décadas, contrárias à ideologia defendida por Bolsonaro, têm, de fato, sido eficientes em diminuir a desigualdade social no país. O resultado obtido ainda está muito aquém do alcançado por países desenvolvidos, principalmente, dos europeus, que mantêm índices abaixo dos 0.400 (SOARES, 2008). Contudo, a evolução desse índice evidencia que o Brasil tem trilhado o caminho certo para diminuir a grande concentração de renda existente no país, responsável por tantos dos problemas por nós enfrentados, como a criminalidade e a pobreza.
A política defendida por Bolsonaro dá um passo atrás (“um passo atrás” é eufemismo, eu sei.) ao defender a redução do Estado e a eliminação de suas políticas públicas sociais, garantindo apenas a igualdade formal. Fundamentalmente, percebe-se que esse entendimento se justifica, segundo a ideologia de Bolsonaro, com base no princípio da meritocracia, que parece ser uma palavrinha bonita, de origem grega, mas não é. Vai por mim! Em resumo, a política do mérito pressupõe que todos estão competindo em igualdade de condições materiais, o que, como restou demonstrado, não passa de uma grande utopia dos defensores da política liberalizante que permeia todo o discurso de Bolsonaro.
Em resumo, Bolsonaro defende algumas mudanças profundas na sociedade brasileira que, segundo o provável candidato à presidência, beneficiariam a todos. Suas propostas são simplistas e reduzidas, refletindo a crença popular de que os problemas da sociedade brasileira são fruto de leis muito brandas e de um Estado demasiadamente intervencionista, que não dá liberdade para que a sociedade reja a si mesma. Assim, entende-se que, além de defender políticas machistas e preconceituosas, as propostas de Bolsonaro são equivocadas e retrógradas. Caso o apocalipse realmente se materialize, com Bolsonaro se elegendo presidente do Brasil, teremos um país mais socioeconomicamente desigual e opressor de minorias. Pelo menos, não será mais necessário saudosismo dos tempos áureos da ditadura militar.
Notas e Referências:
BOLSONARO, Jair. "O bolsa família é um crime", 2011. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2jJqtZ1iIAg>. Acessado em 01.03.2016.
BOLSONARO, Jair. Deputado Federal JAIR BOLSONARO: Direitos Humanos e Direitos das Minorias, 2014. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=F4wd0RWjQrQ>. Acessado em 29.02.2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acessado em 25.02.2016.
CARDOSO, Cristiane. Desigualdade aumenta e volta ao patamar de 2011, afirma Pnad. In: G1. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/09/desigualdade-aumenta-e-fica-no-mesmo-nivel-de-2011.html>. Acessado em 02.03.2016.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos | vol. 3 | p. 239 | Ago / 2011 DTR\2006\743. Disponível em: < http://www.clemersoncleve.adv.br/wp-content/uploads/2013/04/A-efic%C3%A1cia-dos-direitos-fundamentais-sociais.pdf>. Acessado em 23.02.2016.
PASSARINHO, Nathalia. Bolsonaro pede desfiliação do PP para seguir 'sonho' da Presidência, 2015. In: G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/04/bolsonaro-pede-desfiliacao-do-pp-para-seguir-sonho-da-presidencia.html>. Acessado em 02.03.2016.
SOARES, Sergei Suarez Dillon. O ritmo de queda na desigualdade no Brasil é adequado? Evidências do contexto histórico e internacional, 2008. Disponível em: < http://www.econstor.eu/bitstream/10419/91356/1/577104063.pdf>. Acessado em 01.03.2016.
. Heitor Pergher é Mestrando em Relações Internacionais e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Sua pesquisa é voltada para o processo de integração regional na América do Sul e para o estudo da política externa brasileira, focado na atuação brasileira no subcontinente sul-americano. .
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