Bio testamento e a autonomia da vontade

05/03/2018

Um aspecto importante do Direito à Saúde é o estudo da definição do fim da vida e, principalmente, saber se a pessoa pode fixar regras sobre o seu estado de Saúde em caso de acontecimentos não previstos ou de doenças não curáveis.

Ou seja, definir se pretende ficar acamado por muito tempo sem previsão de melhora, se prefere autorizar alguma medida menos invasiva ou se proíbe a utilização de tratamentos que causem sofrimento demasiados desproporcionais aos resultados.

Neste sentido, é interessante o estudo do Bio testamento (testamento vital ou das diretivas antecipadas de vontade).

No Brasil ainda não existe lei para regulamentar o tema, mas isso não significa que haja ilicitude no Bio testamento. É que a autonomia da vontade (uma das dimensões da dignidade da pessoa humana) confere às pessoas o direito de fixar diretivas antecipadas.

Tanto é que o Conselho Federal de Medicina possui a Resolução 1995/2012 para cuidar do assunto, fixando regras gerais, tais como:

1) conceito de diretivas antecipadas de vontade (artigo 1º): “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”[1];

2) dever ético do médico de observar as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou de seu representante (artigo 2º);

3) as diretivas antecipadas de vontade não podem prevalecer sobre os preceitos do Código de Ética Médica (artigo 2º, parágrafo 2º);

4) prevalência das diretivas antecipadas de vontade em relação a outros pareceres não médicos, inclusive familiares (artigo 2º, parágrafo 3º).

O Bio testamento também é regulado em vários países. Na Itália, por exemplo, em 2018 entrou em vigor a Lei 2801[2] que trata do tema e estabelece, resumidamente, as seguintes questões: (1) relação entre médico e paciente; (2) primazia da vontade do paciente; (3) direito à informação e transparência sobre os tratamentos; (4) direito de negar tratamentos; (5) adoção de cuidados paliativos para evitar sofrimento e uso abusivo de terapias sem resultado útil; (6) direito das pessoas menores e incapazes e em caso de colidência do seu representante legal com a decisão do médico ou hospital caberá ao juiz fixar uma decisão; (7) regula a Disposição Antecipada de Tratamento – DAT, que permite às pessoas definir suas escolhas nos tratamentos de saúde, com a recusa de terapias; (8) a DAT pode ser feita por escritura pública, particular ou documento escrito levado a cartório e até mesmo vídeos com a declaração da pessoa na hipótese de impossibilidade de uso dos outros meios.

Como se observa, o Bio testamento é um poderoso instrumento que materializa a vontade das pessoas, principalmente no fim da vida, e fixa normas que precisam ser respeitadas pelo Estado, inclusive no âmbito da judicialização.

 

[1] BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1.995. 31 Ago. 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Disponível em http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2012/1995_2012.pdf. Acesso em 27 Fev. 2018.

[2] ITÁLIA. Lei 2801. 14 Dez. 2017. Disponível em http://www.senato.it/service/PDF/PDFServer/BGT/01062643.pdf. Acesso em 27 Fev. 2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Bio-testamento: il registro elettronico nazionale del Notariato è già pronto. // Foto de: Camillo Verde // Sem alterações

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