Por Salah Khaled Jr. - 03/02/2015
Caros amigos e amigas, mais uma vez tenho a felicidade de participar do lançamento de um portal jurídico. Meus agradecimentos ao amigo e parceiro Alexandre Morais da Rosa, a quem devo o convite.
Não exagero quando digo que este não é apenas mais um site. E não digo isso apenas em função da constelação de estrelas que participa do pontapé inicial – e que faz com que eu me sinta particularmente sortudo de fazer parte– mas fundamentalmente por causa da proposta inovadora. No portal Empório do Direito você encontrará colunas, artigos, matérias, entrevistas, agenda de eventos, informativos do STF/STJ, aulas, jurisprudência comentada e muito mais.
É o seu lugar de encontro democrático, fornecendo as coordenadas para navegar os mares bravios do mundo jurídico brasileiro. Nossa intenção é difundir o pensamento de juristas comprometidos com o Estado Democrático de Direito e engajados na resistência contra a torrente do senso comum teórico e contra os discursos de ódio, que vem sendo disseminados com força cada vez mais assustadora.
É um portal diferente, ambicioso, feito por pessoas que reconhecem a complexidade e estão dispostos a dialogar com ela. Afinal, o mundo pode ser apenas interpretado; seu conhecimento exato está para além do alcance do ser humano. A matéria não nos pergunta nada nem espera nenhuma resposta nossa. Ignora-nos.[i] A realidade é resistência ou, mais precisamente, o conjunto de resistências.[ii] A vida excede as teorias que a explicam.[iii]
A totalidade está estraçalhada. Os valores estão em frangalhos. A velocidade destrói pessoas e crenças com assustadora facilidade. O passado demonstra inúmeros fracassos, o futuro parece incerto e ameaçador e o presente, um vazio desprovido de significado. Os paradigmas estão em profunda crise e a perplexidade parece ser a regra, em um contexto que aparenta colocar em questão as próprias bases da sociedade.
Vivemos em tempos de aceleração. O fluxo é tudo.[iv] O devir é supremo e a velocidade é a alavanca do mundo. A intensificação do vetor promove um verdadeiro assalto à natureza humana.[v] Vivemos à mercê da velocidade, reféns da aceleração e de uma dinâmica que rapidamente torna tudo descartável: pessoas, objetos, conceitos e valores. Tudo perde o prazo de validade com estarrecedora instantaneidade.
Ocorreu uma ruptura na experiência vulgar do tempo, o que faz com que o instante seja verdadeiramente instantâneo, sem sequência previsível: projetos e promessas parecem rapidamente perder toda importância. A presentificação da história é um fato, o que significa que a imediaticidade do presente tem primazia sobre o passado e sobre o futuro.[vi] Tudo isso causa enorme angústia. Se vivemos em um presente que se divide em um passado e um futuro que inexistem, resta a nadificação de estar entre dois nada.[vii]
Há um verdadeiro declínio das narrativas de legitimação, não parecendo mais possível a ideia de qualquer consenso universal. Em suma, qualquer discurso, inclusive o científico ou filosófico, é apenas uma perspectiva.[viii] Diante da aceleração, dispomos apenas de um fragmento parcial do que é visível, circunscrito à posição do observador. Há um verdadeiro processo de choque entre uma concepção moderna de tempo e “a velocidade com que precisamos readequar nossas classificações, nossas emoções, em função da desmobilização do próprio passado”. [ix] A ruptura é particularmente sensível para quem sempre encontrou conforto em um conjunto de lugares explicativos que repentinamente se mostram defasados.
Abandonamos por completo os conceitos tradicionais de existência: nossa presença é projetada em diferentes níveis de realidade e se propaga em espiral, perpassando diferentes círculos sociais e tocando incontáveis vidas. A possibilidade de que cada um publique sua própria história põe em xeque os conceitos tradicionais de autoria e editoração; a fragmentação da informação e a multiplicidade de pontos de vista esfacelam as possibilidades de que um discurso totalizante triunfe; nos tornamos protagonistas dos nossos próprios reality shows e somos seguidores confessos dos reality shows alheios.
A visibilidade é cada vez mais borrada e o equilíbrio que podemos encontrar em um ritmo tão intenso é – na melhor das hipóteses – dinâmico. Em um mero instante a informação surge e desaparece, em um piscar de olhos. É a incerteza elevada a níveis quase que insuportáveis.
Mas não se desespere. Aqui você encontrará alguma segurança, ainda que não a segurança ilusória e absoluta da modernidade. Muitos consensos ainda são possíveis. Acordos sensatos entre pessoas comprometidas com a resistência democrática. Lugares de encontro para juristas de todos os níveis e de construção contínua de um grande relato de repúdio ao autoritarismo. Este é um desses lugares.
Quem me conhece sabe que desprezo a expressão doutrina. Não sou um doutrinador. Apenas compartilharei minhas inquietudes aqui semanalmente, sem qualquer pretensão além de despertar a necessária inquietação e romper com o sonambulismo dogmático que assola o cenário jurídico brasileiro. Espero encontrar você por aqui toda semana! A era do Empório do Direito começa agora!
PS: por sinal, o Empório do Direito também é uma editora, como você pode ter percebido pela foto acima. E o primeiro livro é "Neopenalismo e Constrangimentos Democráticos", mais uma obra em parceria com o irmão Alexandre Morais da Rosa, com direito a prefácio de Aury Lopes Jr.! Em breve disponível!
Salah Hassan Khaled Junior é doutor e mestre em Ciências Criminais, mestre em História e especialista em História do Brasil. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social. _____________________________________________________________ [i] LYOTARD, Jean-François. O inumano. Lisboa: Editorial Estampa, 1997. p.20. [ii] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2005. p.276. [iii] MAFFESOLI, Michel. O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk, 2003. [iv] BAUMER, Franklin L. O pensamento europeu moderno: volume I séculos XVII e XVIII. Lisboa: Edições 70, 1977. [v] VIRILIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. p.12. [vi] VIRILIO, Paul. Cibermundo: a política do pior. Lisboa: Teorema, 2000. [vii] COMTE-SPONVILLE, André. O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência. São Paulo: Martins Fontes, 2000. [viii] LYOTARD, Jean-François.A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.p.129. [ix] GAUER, Ruth M. Chittó. Falar em tempo, viver o tempo! In: Tempo/história. GAUER, Ruth M. Chittó (coord.) DA SILVA, Mozart Linhares (org). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p.21.