Até que ponto o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) têm repercutido para a mudança comportamental no âmbito das Organizações

15/03/2018

Uma pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta que o desemprego, a corrupção e a saúde são os principais problemas do Brasil. No topo da lista estão o desemprego e a corrupção, citados 56% e 55%, respectivamente. A saúde apresenta-se com 47% de citações, mas pelo quinto ano seguido está no topo da lista de prioridades, entre as quais está o combate à corrupção. No detalhe[i]:

 

Para se ter uma ideia, segundo o MPF, estima-se que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões por ano com a corrupção[ii]

Evidencia-se, assim, tanto em razão da percepção, como em razão dos números, que o custo social decorrente da corrupção penaliza a sociedade brasileira, isto porque os recursos desviados não são revertidos para a atividade produtiva, impactando negativamente nas áreas da saúde, educação, segurança, geração de empregos, saneamento, habitação, infraestrutura, entre tantas outras. 

A empresa, ao produzir bens e serviços para satisfazer as necessidades humanas, participa da atividade produtiva de forma intensa e diária, importando os seus movimentos, as suas relações e o comportamento de seus agentes, especialmente após a entrada em vigor da Lei n. 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, regulamentada pelo Decreto n. 8.420/2015. 

Nesse contexto, a empresa é chamada para tratar preventivamente de uma questão comportamental de conteúdo não apenas técnico voltado à gestão, mas de cunho ético. No longo prazo, as suas ações, bem articuladas, contribuirão para a formação de um universo de pessoas, influenciadas positivamente pelo código de conduta, de conformidade, cujos efeitos se farão sentir no âmbito de todas as relações.   

Em outra oportunidade nesta coluna (07/12/2017), ao lado do Prof. Guilherme Freire de Melo Barros, sustentamos que, fundamentalmente, o compliance está ligado à ideia de agir conforme, de se adequar ou de se manter adequado aos comandos normativos – leis e normativas externas e internas da empresa. Para estar em compliance a empresa precisa estabelecer e respeitar padrões de conduta no trâmite interno e na forma como realiza seus negócios e operações com os demais agentes de mercado, inclusive com o Estado. Simplesmente não é fácil. Implementar a conduta conforme demanda, padronizar condutas desde o presidente até o funcionário do chão de fábrica, isso exige estabelecerem-se rotinas internas que antes não eram realizadas; invariavelmente isso leva à criação de novos cargos ou funções na estrutura empresarial para operacionalização e fiscalização das novas práticas[iii]. Naquele mesmo texto, afastamos o entendimento do compliance como custo, para enxergá-lo como investimento.  

O agente move-se por incentivos e é isso que a norma legal cria a partir da alusão a programas de criminal compliance. É certo que não há uma fórmula mágica que caiba em toda e qualquer estrutura, pois a implantação de um programa exitoso, sério, depende da participação de uma equipe multidisciplinar e do forte envolvimento das equipes. É uma estratégia que repercutirá na concorrência e no mercado, positiva ou negativamente, mormente por estar relacionada à gestão eficiente dos riscos da atividade e do fomento à transparência. 

O programa de integridade, que consiste no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, foi regulamentado no artigo 41 do Decreto já referido. Bem implantado, minimizará os efeitos da corrupção, alçando a empresa à condição de agente de transformação, a partir de uma nova ou modificada cultura empresarial/organizacional, ancorada no princípio da confiança. Os parâmetros para avaliar o programa e sua eficiência estão estabelecidos sequencialmente no artigo 42. 

Sobre o tema, o Advogado Marco Antonio Guimarães, Gerente Executivo Jurídico, de Riscos e Compliance do Sistema FIEP, esclarece que, antes da norma legal, “a postura era muito reativa. As empresas se preocupavam em desenvolver ou aprimorar programas de integridade quando seus nomes já estavam envolvidos em questões judiciais. O compliance é uma forma de defesa para os negócios, contribui para evitar este tipo de situação[iv]

É o mesmo Decreto (8.420/2015) que instituiu o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), artigo 43 e seguintes. Estes cadastros são mantidos pela Controladoria-Geral da União, alocados no Portal da Transparência do Ministério da Transparência. 

Trata-se de um banco de dados com informações sobre as sanções administrativas impostas a pessoas físicas ou jurídicas que impliquem restrição ao direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a administração pública de qualquer esfera federativa, além de carregar sanções impostas com fundamento na Lei 12.846/13 e por quebra de acordo de leniência.  

A eficiência do cadastro é questionada, pois, em 4 (quatro) anos, apenas 183 processos foram abertos pela União e 30 empresas, penalizadas, a maior parte no âmbito Federal, sendo incipientes as sanções aplicadas no âmbito dos Estados e Municípios com base na Lei Anticorrupção[v]

Estes dados não estão de acordo com a percepção sobre a corrupção no Brasil, por outro lado, a mesma pesquisa aponta que, dos 183 inquéritos administrativos, 153 foram iniciados em 2017, havendo uma tendência de crescimento, mas ainda considerado módico em comparação aos números da corrupção no Brasil. 

Deste modo, considerando-se que a corrupção prejudica o desenvolvimento socioeconômico, retira a iniciativa para novos empreendimentos, cria barreiras para a entrada de capital externo e impacta em perdas de produtividade, as ações voltadas ao combate devem fazer parte da rotina, com parcimônia, no contexto do Estado Democrático de Direito. Portanto, entre elas (as ações), a manutenção de um eficiente Cadastro é fundamental, o que aceleraria uma mudança comportamental das Organizações, ainda não sentida a partir destes mecanismos (cadastros). 

Vem, automaticamente, à percepção do observador, o choque entre a magnitude (conhecida a priori pelo princípio da verdade sabida) dos fatos divulgados sistemática e rotineiramente, do volume mundialmente estarrecedor da corrupção, escândalos de proporções impressionantes, únicas na história do mundo, e essa colheita ínfima, para não dizer pífia, de efeitos dos tais cadastros, criados para fazer parte da solução de um problema que não conseguem nem “arranhar". Quanto tempo há de ser necessário, neste País, para que se reconheça ganho real nesse sentido de moralização pela conformidade? 

É que se está a falar de uma mudança comportamental fortemente condicionada por questões culturais, entre as mais difíceis de serem realizadas, sendo imperioso o bom funcionamento das engrenagens, em equilíbrio, em sintonia, a partir de iniciativas na família, na escola, no trabalho, na empresa e no poder público, responsável pela fiscalização e a apuração dos desvios, sendo fundamental o aprimoramento dos cadastros aqui pontuados, pois a conduta lesiva desviante, além de afetar o mercado e a concorrência pelo expurgo da empresa séria, afeta segmentos que são caros para a população brasileira, conforme destaque próprio. 

 

[i] Indicadores CNI. Retratos da Sociedade Brasileira. Ano 7. Número 41. Janeiro de 2018. < https://static-cms-si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/d8/80/d8809d69-ae2c-47f2-8a4b-30cde9d92b11/retratosdasociedadebrasileira_41_problemaseprioridadespara2018_v1.pdf>. Acesso em 14/03/2018. 

[ii] <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/corrupcao-desvia-r-200-bi-por-ano-no-brasil-diz-coordenador-da-lava-jato/>. Acesso em 14/03/2018. 

[iii] BARROS, Guilherme Freire de Melo e ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Afinal, compliance é gasto ou investimento? Empório do Direito, 2018. <http://emporiododireito.com.br/leitura/afinal-compliance-e-gasto-ou-investimento-por-guilherme-freire-de-melo-barros-e-joao-carlos-adalberto-zolandeck>. Acesso em 14/03/2018. 

[iv]<https://g1.globo.com/pr/parana/especial-publicitario/fiep/sistema-fiep/noticia/como-o-compliance-vai-mudar-o-futuro-das-industrias-no-brasil.ghtml>. 

[v]<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-01/em-4-anos-da-lei-anticorrupcao-uniao-abre-183-processos-e-penaliza-30-empresas>. Acesso em 14/03/2018.

 

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