Até quando poderemos denominar o Código de Processo Civil de 2015 como sendo “novo”? – Por Guilherme Christen Möller

17/10/2017

1.1.       INTRODUÇÃO 

É rotineiro observa a expressão “Novo Código de Processo Civil” para se referir ao Código de Processo Civil de 2015, a Lei Ordinária n.º 13.105/2015, lei que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016, ou seja, rotulação que se emprega mesmo ele já tendo completado seu primeiro ano de vigência.

Sabe-se que não há qualquer disposição legal que regule a questão aqui proposta, mas, por uma peculiar curiosidade, para podermos nos situar na linha do tempo da história do Direito Processual Civil brasileiro, pergunta-se, até quando o Código de Processo Civil de 2015 será denominado de “novo”?

A discussão em si aparenta ser tola, porém, desperta uma preocupação muito grande aos estudiosos do processo civil, afinal, tratar uma codificação como nova remete a pensar em algo pouco estudado ou discutido, hipoteticamente encará-lo como águas desconhecidas ou pouco navegadas, o que, porém, não vem ocorrendo para o Código de Processo Civil de 2015, haja vista sua constante discussão desde o tempo de seu anteprojeto lá no ano de 2010.

Nessa perspectiva, em uma singela digressão, o presente estudo, com a devida fundamentação e comparação com situações similares em outras codificações, v.g., Código Civil de 2002, propõe fazer algumas reflexões sobre a pergunta exposta acima, “até quando o Código de Processo Civil de 2015 será denominado de ‘novo’?”. 

1.2.       AFINAL, ATÉ QUANDO TEREMOS UM “NOVO” CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL? 

Certamente se esta discussão fosse travada a exato um ano, a mesma perderia seu sentido, afinal o Código de Processo Civil de 2015 recém havia entrado em vigor, porém, o mesmo não ocorre no dia em que este estudo está sendo realizado, afinal, passou-se do primeiro ano de vigência dessa codificação.

Aparentemente não há uma preocupação com o fato de denominar o CPC de 2015 como novo ou não, porém, como destacado no introito deste ensaio, falar que algo é “novo” leva a pensar que isso seria pouco explorado, hipoteticamente desbravar mares poucos, ou até mesmo nunca, desbravados.

Imaginemos, por exemplo, quando descobriram as américas lá no ano de 1492 pela armada de Cristóvão Colombo; ora, eram terras que, para o povo europeu – guardem este ponto, será importante posteriormente – nunca haviam sido vistas, apalpadas, sequer pensadas, de modo que não seria irracional pensar que, àquela época, um europeu achou que quando se falavam sobre as “novas” terras tal discurso não passara de uma mera falácia de Colombo, seja por querer captar recursos da corte, chamar a atenção ou qualquer que fosse o motivo.

Veja-se, as “novas” terras, ou seja, o “novo”, chamava a atenção da população europeia não apenas por ser uma chance de arrematar matéria prima, numa visão econômica da descoberta, ou de ser um refúgio aos que não mais queriam permanecer no continente europeu, mas, pelo fator de ser algo novo. A vontade de sentir e viver o novo mostrou-se demasiadamente intensa que, além do óbvio viés econômico que contribui para isso, levou pessoas da Europa a virem ao continente americano a fim de conhecer e aprender sobre essas “novas terras”.

Porém, a novidade era exclusivamente para os europeus, afinal, haviam nativos de maneira esparsa por todo o território americano. Isso significa dizer que o “novo”, na questão posta, é relativo aos olhos de cada indivíduo, afinal, os europeus conheciam o continente americano como “novas terras”, entretanto, os nativos conheciam as américas apenas por “terras”, haja vista estarem em seu local habitual de residência. No mesmo sentido, por exemplo, seria inverter o caso, ou seja, informar os nativos americanos sobre o continente europeu, certo é que o sentimento exposto acima seria similar aos dos europeus para com a América.

O exemplo acima exposto nada mais é do que uma perfeita parábola ao que aqui está sendo buscado explanar.

Supondo que daqui a dez anos um estudante do ensino médio decida por ingressar no curso superior de Direito e, ao adentrar no respectivo curso, em determinada aula de Direito Processual Civil em que o seu respectivo professor ensine algo sobre o Código de Processo Civil de 2015, surgirá um sentimento de novidade ao estudante, afinal, pouco saberá sobre o que ali está sendo transmitido, aliás, haverá momentos em que ele sequer saberá o que se está transmitindo. Nessa linha, porém, substituindo o acadêmico por um doutorando em Direito Processual Civil, nas suas primeiras aulas de doutorado sobre Direito Processual Civil em que o seu respectivo professor, na mesma linha do exemplo supra, lecionar sobre o Código de Processo Civil de 2015, pelo conhecimento que esse tem sobre a temática, ele saberá sobre o que ali está sendo tratado e, certamente, não terá o mesmo sentimento – quiçá espanto – acerca dessa novidade, igual ao acadêmico em Direito. Busca-se demonstrar, portanto e como ratifica-se, o termo “novo” é algo subjetivo, varia de pessoa a pessoa.

Em outras palavras, o que é novo para um indivíduo, nem sempre corresponderá à generalidade, de modo que outros podem não achar determinada coisa “nova”, e, nessa linha, há sempre aqueles que irão compreender algo, v.g., uma codificação, como algo novo, bem como, tantos outros a verão como algo comum, sem qualquer caráter novo.

Na realidade, não seria necessário o exemplo supra para destacar que a própria semântica do termo “novo” condiz com aquilo “que existe há pouco tempo; que apareceu recentemente”[1] e os dicionários ainda vão apresentar um exemplo condizente com a problemática aqui exposta, no caso, um exemplo de objeto “novo” poderia ser “um livro novo”[2].

Pensa-se que o exemplo acima possa ser utilizado ao problema aqui exposto.

O Brasil registra três codificações processuais civis em sua história (isso descartando o Decreto n.º 737/1850), os Código de Processo Civil dos anos de 1939, 1973 e 2015, respectivamente. Em uma análise temporal, vê-se que o primeiro código vigorou por aproximados trinta e quatro anos, por sua vez, o Código Buzaid vigorou por outros aproximados quarenta e dois anos, e, o último, o Código de Processo Civil de 2015 mal completou seu primeiro ano de vigência em 2017.

Assim, é normal que se denomine o Código de Processo Civil de 2015 como “novo”, afinal, o vasto lapso de tramitação do CPC de 1973 é considerável para pensar que ele estava impregnado na mentalidade dos militantes do Direito, de modo que, proposto uma “nova” codificação, o mesmo passará a ser visto como uma novidade, e, nessa linha, o Código de Processo Civil de 1973 passa a ser visto como se fosse antigo.

Isso é uma conclusão mais do que lógica, não merecendo serem criticados os que preferem denominar o CPC de 2015 como “novo”, afinal, por uma questão costumeira, guarda-se lembranças, que sejam vagas, sobre o código passado.

Essa conclusão é perceptível quando se analisa o Código Civil de 2002. Antes da sua vigência, vigorou por aproximados oitenta e três anos o Código Civil de 1916, isso sem contar as constantes reformas que foram feitas a essa codificação, na proporção em que se iniciou um movimento de sua descodificação – grande parte das regulamentações do Código Civil de 1916 foram aperfeiçoadas e foram tratadas em leis esparsas, o que inclusive foi o motivo do movimento de codificação para a criação de um novo Código Civil brasileiro.

Veja-se que, partindo-se da perspectiva do lapso temporal de tramitação da codificação civil de 1916, a situação mostra-se muito pior do que na seara dos Códigos de Processo Civil.

Curioso, porém, é que não são raros os casos em que se observa doutrinadores civilistas que utilizam a expressão “novo” para fazer menção ao Código Civil de 2002, como um exemplo disso temos a clássica coleção do curso de Direito Civil do professor Silvio de Salvo Venosa[3], em que se observa, em muitos dos capítulos, a incidência do aqui exposto.

Além do mais, deve-se destacar que o problema deste ensaio é ainda pior no Código Civil pelo fato do princípio do tempus regit actum, ou seja, a lei que vigia à época dos fatos será a lei aplicável ao processo, de modo em que, caso determinado fato, v.g., uma relação contratual, tenha ocorrido na constância do Código Civil de 1916, é a regra dessa disposição que deve ser aplicada, e não a do Código Civil de 2002, o que não acontece no mesmo caso, afinal, a lei processual que regerá o processo é a que entra em vigor, novamente, tempus regit actum, ressalvadas as disposições com relação à pontos específicos, como por exemplo os processos propostos pelo tombado procedimento sumário (art. 1.046, § 1º, do CPC), procedimento que foi unificado ao seu irmão germano, ora procedimento ordinário, e transformado em procedimento comum, o que se tem no art. 318 e ss do CPC (Parte Especial, Livro I, Título I, Capítulo I).[4]

Não só a questão de costume, mas especialmente ao estudioso que se dispõe a fazer um comparativo entre códigos, o qual acabará por denominar o CPC de 2015 como “novo” para o distinguir do CPC de 1973, similar ao que ocorre com a coleção do professor VENOSA[5].

Aliás, questiona-se, com ressalva aos civilistas, após mais de dez anos de vigência do Código Civil de 2002, ainda se utiliza a expressão “novo”, por exemplo em uma petição judicial, para fazer sua referência? Não é necessária uma pesquisa indutiva para obter a predominante resposta negativa, mesmo não sendo raros os casos em que são encontrados estudos que utilizem tal expressão.

Pensa-se que o mesmo ocorrerá com o Código de Processo Civil de 2015, ou seja, dentro de alguns anos o mesmo se tornará algo rotineiro, na proporção em que será algo comum e não mais será chamado de “Novo Código de Processo Civil”. Nessa linha, portanto, cabe ao tempo a tarefa de diminuir, quiçá extinguir, a utilização desse termo, por mais que não esteja semanticamente errado.

O que se mostra preocupante não é a questão do costume, mas da instabilidade da codificação, acabando por resultar em um embargo no avanço da técnica processual e do próprio Código de Processo Civil.

Tudo aquilo que é “novo”, como destacou-se alhures, causa peculiar insegurança do seu futuro. Por exemplo, um filho novo, na proporção em que há obscuridade sobre o seu futuro, ou seja, não há uma certeza das suas preferências ou do que buscará seguir em sua vida, seja em qualquer dos campos sociais.

Associa-se, a brevíssima parábola acima, ao Código de Processo Civil de 2015, afinal, de mesmo modo como o “novo filho”, enquanto tratado dessa forma o mesmo não poderá ser estabilizado a fim de que seja debatido e a técnica processual seja cada vez mais aperfeiçoada[6]. Novamente, o novo remete à mares, quiçá territórios, desconhecidos, nunca antes vistos ou sentidos, o que não é o caso do Código de Processo Civil de 2015, afinal, a principal atividade dos processualistas desde o surgimento do seu anteprojeto[7] é o debate sobre sua forma.

Portanto, pelo que aqui foi exposto de forma breve, a resposta para a pergunta protagonista deste ensaio, “até quando o Código de Processo Civil de 2015 será ‘novo’” é: Não se sabe e sequer é possível ser definido.

Mesmo que muito preocupe a questão da estabilização dessa codificação no ordenamento jurídico brasileiro para fins de aperfeiçoamento de sua técnica[8], o tempo será o fator responsável por minimizar ou até mesmo extinguir esse costume.

Não é possível destacar qual será a sua denominação daqui a um ou dez anos, porém, pelo que aqui foi exposto, tratar o Código de Processo Civil como “novo” ou “atual” não é uma atividade errada[9], afinal, parte-se uma ideia de um caráter abstrato ao termo “novo”, de forma que será empregado de diversas formas pelos mais diversos estudiosos. 

1.3.       CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Espera-se ter evidenciado, com esta breve digressão, de que a resposta para a questão aqui proposta é mais complexa do que se imagina, afinal, não depende de uma norma jurídica, mas de um costume, o qual deverá ser recepcionado pelos militantes na área jurídica, além do fato de que esse costume é relativo, haja vista que, o “novo”, se trata de um termo abstrato, comportando entendimentos diversos pelos mais diversos atuantes na área.

Assim como ocorreu no Código Civil de 2002, atribuir o termo “novo” ao Código de Processo Civil de 2015 é algo mais do que natural, afinal, pelo tempo de tramitação das outras codificações processuais civis é algo mais do que esperado.

O que é preocupante na questão é a estabilização dessa “nova” codificação processual no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que enquanto o Código de Processo Civil de 2015 for tratado como “novo”, criar-se-á embargos – desnecessários, vale destacar – ao aperfeiçoamento da técnica processual e, consequentemente, à evolução dessa ciência.

Chamar o Código de Processo Civil como “novo” não está semanticamente errado, bem como, o contrário também não está errado.

Precisa-se dar tempo ao CPC de 2015 (Lei n.º 13.105/2015) para que os juristas o vejam como algo comum e rotineiro, ocasião em que, aí sim, ele deixará de ser “novo”.

Para o momento, acredita-se que existam preocupações mais relevantes do que a aqui disposta. 

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS 

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 6 jul. 2017. 

BRASIL. Projeto de Lei nº 8.046/2010. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 6 jul. 2017. 

DW. Dicionário Web. Novo. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br/novo>. Acesso em: 25 set. 2017. 

LÉXICO. Dicionário de Português Online. Novo. Disponível em: <http://www.lexico.pt/novo/>. Acesso em: 25 set. 2017. 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 16ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, v. I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII. 

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 4ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 

MÖLLER, Guilherme Christen. Falarmos "Novo" Código de Processo Civil, está correto? Disponível em: <https://moller.jusbrasil.com.br/artigos/381887899/falarmos-novo-codigo-de-processo-civil-esta-correto>. Acesso em: 25 set. 2017.

 



[1] DW. Dicionário Web. Novo. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br/novo>. Acesso em: 25 set. 2017.

[2] LÉXICO. Dicionário de Português Online. Novo. Disponível em: <http://www.lexico.pt/novo/>. Acesso em: 25 set. 2017.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 16ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, v. I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII.

[4] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 6 jul. 2017.

[5] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 16ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, v. I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 4ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

[7] BRASIL. Projeto de Lei nº 8.046/2010. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 6 jul. 2017.

[8] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 4ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

[9] MÖLLER, Guilherme Christen. Falarmos "Novo" Código de Processo Civil, está correto? Disponível em: <https://moller.jusbrasil.com.br/artigos/381887899/falarmos-novo-codigo-de-processo-civil-esta-correto>. Acesso em: 25 set. 2017.

 

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