ASSÉDIO MORAL: MAIS COMUM DO QUE VOCÊ IMAGINA!

14/05/2018

De forma silenciosa a adoção desse comportamento encontra-se inserida no ambiente de trabalho, estamos falando do assedio moral.

Afirmo que silenciosa por força de que, muitas vezes (para não afirmar sempre), aquele que encontra-se na condição de vitimização está em condição hierarquicamente falando, inferior ao sujeito ativo, o agressor.

Antes de adentrar ao que ora se propõe em refletir, há de se traçar alguns aspectos atinentes a moral, uma vez que desta tem-se a palavra ethos[1], expressão de origem grega, detendo o significado de “caráter moral”, voltada a descrever o conjunto de hábitos ou crenças estabelecidas por uma comunidade ou nação, designando ainda as características afetivas, sociais e morais, as quais acabam por definir o comportamento de uma determinada pessoa ou cultura.

Durkheim[2], expôs que o ethos significa “modo de ser”, ou seja, o “conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social”, relacionando-se ainda com a moral, tida como "o conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo cotidiano”.

Há de se destacar que o assédio moral não surgiu das relações humanas, sua primeira verificação foi no campo da biologia por Konrad Lorenz nos anos de 1960, suas pesquisas evidenciaram o resultado de comportamento agressivo com animais de pequeno porte em situações de invasões de território por outros animais, suas técnicas eram de intimidações e atitudes agressivas coletivas, o grupo tentava espantar o invasor solitário, esse comportamento o cientista denominou como mobbing[3].

Somente em 1972, o estudo de Konrad Lorenz, foi utilizado como base para descrever a análise realizada pelo pesquisador Peter-Paul Heinemamm, o qual estudou o comportamento agressivo entre crianças dentro do ambiente escolar, publicando o primeiro livro sobre o tema mobbing, relacionado ao verbo maltratar, atacar, perseguir, sitiar e o substantivo multidão, turba[4].

Assim, os estudos sobre o mobbing[5] na relação de trabalho iniciaram a partir das investigações difundidas pelo trabalho Heinz Leymamm, no ensaio científico pelo National Board of Occupational Safetyand Health in Stokolm[6], descrevendo, de forma pioneira o fenômeno mobbing para as pessoas expostas a humilhações e hostilidades no ambiente de trabalho[7].

Para Leymamm[8] mobbing significa:

 Se qualifica como terror psicológico ou psicoterror, no qual a vítima é submetida a um processo de invasão sistemática de seus direitos, conduzindo-a a exclusão do mercado de trabalho, pois torna a vítima incapaz de encontrar um emprego, devido aos desgastes psicológicos suportado no ambiente de trabalho anterior.

Após a difusão dos estudos de Leymamm as pesquisas sobre violência psicológica no trabalho tiveram mais enfoque na Europa, sendo que fora na França, através de Marie-Francie Hirigoyen[9] o primeiro registro, divulgação e denúncia acerca do fenômeno do assédio moral no trabalho[10].

Tem-se assédio moral sendo:

[...] toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude ...) que atente, por sua repetição ou sistematização contra dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho[11].

Em outras palavras, o assédio moral relacionam-se a adoção de um comportamento vil, atitudes "perniciosas e quase invisíveis, exercidas no dia a dia do trabalho, com o fim de diminuir o outro, de forma suave e perversa" em que tal violência insidiosa e intencional praticada conduz, seja através de "palavras, gestos, ações ou omissões e cuja perversidade e permanência aniquilam e destroem” o outro[12].

Desse modo, entende-se por assédio moral quando os trabalhadores são expostos a situações humilhantes, constrangedoras, e que essas situações sejam repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comum a ocorrência em meio às relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, onde se manifesta em condutas negativas, desumanas e aéticas de um ou mais chefes, dirigidas a um ou mais subordinados e que acabam inferiorizando a vítima no ambiente de trabalho e na organização, obrigando-a, não raras vezes, a desistir do emprego[13].

Ademais, Schwarz[14] leciona que:

A violência, física ou moral, em suas diversas expressões, tem sido frequentemente utilizada como instrumento de manutenção da dominação em todos os campos. O assédio moral, mais do que um problema tendencialmente estrutural e inerente às relações de trabalho, tem sido utilizado para a manutenção da ordem e da perpetuação de relações assimétricas de poder, gerando toda a sorte de infelicidade ás suas vítimas. atentando contra a dignidade do trabalhador e ferindo gravemente os seus sentimentos mais íntimos, esse fenômeno, impregnado de causas consequências econômicas, sociais e culturais, não tem passado despercebido na contemporaneidade e tem chamado para si um crescente interesse, que extrapola o âmbito dos saberes jurídicos, da produção cientifica e insere-se, pela sua amplitude, banalização e gravidade, vivamente no dia-a-dia de todos aqueles que, de qualquer forma, encontram-se inseridos no mundo do trabalho.

Para Hirigoyen[15], o perfil perverso do assediador é definido como: “indivíduos que, sob influência de seu grandioso eu, tentam criar um laço com o segundo individuo, dirigindo seu ataque particularmente à integridade narcísica do outro, a fim de desarmá-lo”.

Glockner[16] conceitua assédio moral como sendo,

Toda a conduta abusiva, através de gestos, palavras, comportamentos, atitudes, que atente, seja pela sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade física de um trabalhador, ameaçando seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho. Trata-se, portanto, da exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, feitas de forma repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

Insta salientar que o assediador sendo superior hierárquico, muitas vezes revela-se pelos atos contínuos de intimidação, através de gritos, gestos e ofensas morais, contudo é pouco comum a agressão, vindo aquele que detém uma posição acima da vítima,

[...] esmaga seus subordinados com seu poder. A pretexto de manter o bom andamento da empresa, tudo se justifica: horários prolongados, que não se podem sequer negociar, sobrecarga de trabalho dito urgente, exigências descabidas[17].

Assim, o assédio moral, em regra geral, manifesta-se por força de abuso de poder (geralmente de fácil percepção) ou através de "manipulação perversa", sendo este ilícito silente, em que num primeiro momento transparece ser inofensivo, contudo, com a reiteração da conduta, torna-se destrutivo[18].

Para Vieira[19] uma definição mais complexa, caracterizando o assédio moral como uma síndrome psicossocial transdisciplinar a qual consiste em uma "relação de autoridade e poder que produz, necessariamente, uma aresta aguda no relacionamento interpessoal, impossível de ser compactuada e /ou consentida por uma das partes, por implicar um prejuízo direto para a percepção que a pessoa tem de si mesma".

Assevera ainda o mencionado autor que esse poder exercido arbitrariamente no campo moral, "e que, às vezes, encontra ressonância nos  termos do Direito - injúria, calúnia ou difamação - diz respeito a uma violência que se materializa por meio de diversas condutas, tais como isolamentos, ridicularizações, humilhações, dentre outras, de forma reiterada, refletindo no psiquismo do indivíduo submetido a tal comportamento, atentando contra sua identidade e saúde, passando a adotar uma conduta de inferioridade e "incapaz de reagir e /ou deter a ocorrência".

Os sintomas e as reações mais comuns no assediado, são, dentre outras:

[...] estresse crônico (palpitações, falta de ar, fadiga, perturbações do sono e da fome, irritabilidade, dores de cabeça, perturbações digestivas e dores abdominais); ansiedade generalizada; estados de apreensão e antecipação constantes; estados de tensão e hipervigilância permanentes; isolamento social e medo. Alguns assediados podem ter hospitalização psiquiátrica, outros podem até mesmo ter idéias ou tentativas de suicídio[20].

Para Heloani[21], os agressores possuem traços narcisistas e destrutivos, são frequentemente inseguros quanto à sua competência profissional e, por muitas vezes apresentam dificuldades para admitir críticas, aparentam hipersensibilidade e procuram aproveitar-se do trabalho alheio, atitudes essas que ajudam a supervalorizar o seu trabalho e a fortalecer a sua autoestima em detrimento do outro.

A referência ao assédio moral como uma síndrome psicossocial multidimensional foi colocada primeiramente por Guimarães e Rimoli[22], enfatizando o seu aspecto subjetivo, relacional e organizacional.

 Em seguida, Soboll[23] trouxe novas contribuições, analisando o assédio interpessoal como “armadilhas intencionais” para diminuir o espaço de ação, prejudicar ou destruir determinados sujeitos escolhidos como alvo.

Deste modo, ganha destaque a lição de Pamplona Filho[24], segundo a qual a prevenção é de suma importância no combate do assédio moral, passando pelos aspectos da educação e fiscalização. Educação por meio de campanhas esclarecedoras, seja pelos órgãos públicos, seja por organizações não-governamentais. Dentre os benefícios que a educação pela informação proporciona, está o afastamento das eventuais alegações por parte dos assediadores, de desconhecimento às restrições da conduta adotada.

Pamplona ainda relaciona como dever do empregador a atividade de fiscalização diretamente, pois implica:

 [...] a atuação mais efetiva na própria relação de direito material.  Sendo o assédio moral fator que compromete a atividade empresarial, afetando a produção, os custos, vendas, despesas, etc., o interesse primordial no seu combate é do empregador.

Para Silva[25], a vítima tão logo perceba o desenvolvimento de um processo de assédio moral, deverá angariar todas as provas possíveis para ajuizar, futuramente, na ação, tais como: bilhetes, memorandos, anotações referentes a datas e eventos relacionados, testemunhas, gravações, laudos médicos, entre outros documentos que poderão ser usados para comprovar o assedio moral.

Sendo assim, fica aqui uma breve reflexão acerca dos aspectos decorrentes e desdobramentos decorrentes do assedio moral, no sentido de buscar com que possamos pensar em nossas ações, seja como superiores hierárquicos e consciente de nossas condutas em não promover tal comportamento e, da mesma forma, como subordinados, em, uma vez vitimado ou intimidado no contexto doa ssédio moral, não fechar os olhos, cruzar os braços e baixar a cabeça, mas sim dar voz a essa vitimização com fito de promover a efetiva responsabilização do assediador.

Referências

  1. Disponível em: <http://www.fcav.unesp.br/Home/departamentos/patologia/ANTONIOC ARLOSALESSI/etica_e_moral.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2018.
  2. DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 3. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1952
  3. In this type of conflict, the victim is subjected to a systematic, stigmatizing process and encroachment of his or her civil rights. If it lasts a number of years, it may ultimately lead to ejection from the labor market when the individual in question is unable to find employment due to mental injury sustained at the former work place” (Trad. livre). LEYMANN, Heinz. A presentation of Professor Leymann, PhD, MD sci. The Mobbing Encyclopaedia: Bullying; Whistleblowing, 2000. Disponível emhttp://www.leymann.se/English/frame.html acesso em 21/08/2017.
  4. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: A violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand. Brasil, 2003, p.76
  5. O termo mobbing vem do verbo inglês to mob, que significa maltratar, atacar, perseguir, tumultuar, importunar, assediar. O substantivo mob significa multidão, populacho, plebe, ralé. Mob, com letra maiúscula, significa, em inglês, máfia. Pode ser definido mobbing como assediar por interesse, admiração, ataque ou para importunar. Lorenz (1991 apud HIRIGOYEN, 2002), etólogo, nos anos 60 do século XX, utilizou pela primeira vez o termo para descrever o comportamento agressivo de animais que expulsavam intrusos no território grupal.
  6. Conselho Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho em Estocolmo
  7. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTR, 2003, p.34
  8. LEYMANN, Heinz. A presentation of Professor Leymann
  9. Refere que a vitimologia foi inserida como disciplina nos cursos de nível universitário na Alemanha e na França, como parte da disciplina Psicologia do Trabalho. O objetivo dessa ciência é analisar as razões que levam o indivíduo a tornar-se vítima, os processos de vitimação, as consequências a que induzem e dos direitos que podem pretender. Nos Estados Unidos da América, é uma disciplina independente. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003
  10. AVILA, Rosemari Pedrotti, Dissertação apresentada para obtenção de titulo de Mestre, Universidade Caxias do Sul- RS, As Consequências do Assedio Moral no ambiente de trabalho, 2008, disponível em <https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/290>. Acesso em: 17 jun. 2017.
  11. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano, p.14
  12. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano, p.14
  13. BARRETO, Margarida Maria Silveira . Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC, 2006, p.30.
  14. SCHWARZ, Rodrigo Garcia. O assédio moral nas relações de emprego. São Paulo: Ltr, 2008, p. 16
  15. HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano, p.101
  16. GLOCKNER, César Luís Pacheco. Assédio moral no trabalho. São Paulo: IOB. Thomson, 2004, p.19
  17. FREITAS, Maria Ester de. Assédio Moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. RAI- revista de Administração de Empresas. São Paulo, v.37, n.2, abr.-jun., 2001, p.82 e 83
  18. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho, p. 35
  19. VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca. Assédio: do moral ao psicossocial - desvelando os
  20. enigmas da organização do trabalho. Curitiba: Juruá, 2008.p.98
  21. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano, p. 201
  22. HELOANI, José Roberto Montes. Assédio Moral: um ensaio sobre a expropriação da dignidade no trabalho. RAE - Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 1-8, jan./jun. 2004, p. 28
  23. GUIMARÃES, Liliana; RIMOLI, Adriana. “Mobbing” (assédio psicológico) no trabalho: uma síndrome psicossocial multidimensional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 22, n. 2, p. 183-192, maio/ago. 2006.
  24. SOBOLL, Lis Andréa. Assédio Moral e violência psicológica no trabalho bancário. Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina (Tese de Doutorado).2006
  25. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio sexual na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2002 filho, p1088
  26. SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Look // Foto de: Hernán Piñera // Sem alterações

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