Aspectos legais da agricultura na Área de Preservação Permanente no novo Código Florestal – Por Wagner Carmo

03/09/2017

O novo Código Florestal, Lei n.º 12.651/2012, redimensionou o regime jurídico das Áreas de Preservação Permanente. Pelo conceito, conforme leciona José Affonso Leme Machado[1], cuida-se de área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

A definição de Área de Preservação Permanente incorporou cinco características, a saber: a) é uma área e não uma floresta; distinguindo-se da ideia do código florestal de 1965 quando fazia referência a Floresta de Preservação Permanente; b) é uma área protegida pela Constituição Federal de 1988, art. 225, §1º, inciso III, cuja regra veda expressamente a utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; c) é uma área com proteção permanente, quer dizer: (i) proteção não eventual ou temporária e (ii) proteção condicionada à criação, manutenção e/ou recuperação; d) é uma área com funções ambientais específicas, destacando-se: a função de proteção dos recursos hídricos, da estabilidade geológica, do solo e da biodiversidade e  a função facilitadora do fluxo gênico da fauna e da flora; e e) é uma área que possui natureza jurídica de direito real, transmitindo a obrigação de criação, manutenção ou recuperação aos herdeiros.

Entretanto, embora a Área de Preservação Permanente detenha, constitucionalmente, características de proteção, o novo Código Florestal acabou adotando regra jurídica interna contraditória à Constituição Federal, mitigando a proteção do ambiente de preservação permanente e atentando contra o direito de todos ao meio ambiente sadio e equilibrado.

É o caso do art. 61-A do novo Código Florestal quando fixa que nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.

Conforme se verifica, a regra jurídica criada pelo Código Florestal acabou por autorizar a continuidade da realização de atividades agrossilvipastoris nas Áreas de Preservação Permanente, o que a contrário sensu, pressupõe a possibilidade do exercício direto de atividades humanas, incluindo a presença de animais, em área de proteção integral, permanente e com função ecológica.

A partir deste contexto evidência-se, primeiro, a existência de um conflito que ultrapassa as fronteira jurídicas, revelando aspectos ideológicos e de luta de classe dentro do Congresso Nacional que   envolve a bancada ruralista, os agricultores, os produtores rurais, os empresários do agronegócio, os socioambientalistas e os preservacionistas.

Em segundo lugar, a questão envolve a discussão entorno da constitucionalidade do art. 61-A do novo Código Florestal, pois, em confronto com o art. 225, §1º, inciso III da Constituição Federal, permite a utilização da Área de Preservação Permanente para o desenvolvimento de atividades agrárias e turísticas.

Dispõe o §1º e o inciso III do art. 225 da Constituição Federal que o Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente deve definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

Pela redação do art. 61-A, o código Florestal, legislação infraconstitucional, passou a permitir a utilização das Áreas de Preservação Permanente para o desenvolvimento de atividades: a)  de turismo rural, gerando impacto pela presença humana desordenada, pela dificuldade no controle de resíduos e pela pressão sobre a área para obtenção de licença ou autorização para instalação de equipamentos de lazer e/ou de conforto aos usuários do ambiente; b) de agrossilvipastoris, interligando a agricultura, a pecuária e a silvicultura, permitindo o manejo, inclusive de animais, tendo por  consequência o pisoteamento das Áreas de Preservação Permanente.

Sobre a constitucionalidade do art. 61-A, o novo Código Florestal contraria o disposto no art. 225, §1º, inciso III da Constituição Federal na medida em que, de um lado, permitiu o acesso e a utilização de espaço protegido contra utilização e, de outro lado, pelo fato de que o legislador derivado limitou a garantia do meio ambiente para as futuras gerações por meio do retrocesso na política pública de proteção ambiental.

O princípio do não retrocesso surgiu inicialmente no âmbito dos direitos sociais e foi incorporado pelo direito ambiental. Trata-se de princípio fundado no direito de terceira geração para proteção dos direitos humanos. A premissa central é que em determinadas áreas (socioeconômica e ambiental) a legislação deve aumentar ou manter a proteção dos direitos, sendo vedado ao Estado o retrocesso, seja por meio da supressão ou pela limitação na implementação.

As Áreas de Preservação Permanente representam um espaço de funções essenciais à vida da fauna e da flora, cumprindo a missão de proteger as aguas, as montanhas e a diversidade biológica. É por tal motivo que a Constituição Federal, expressamente, vedou a utilização das Áreas de Preservação Permanente

O disposto no art. 61-A do novo Código Florestal é inconstitucional por afrontar a literalidade do texto constitucional – vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção – turismo e atividade pastoril, pela própria natureza das práticas de manejo, em regra, comprometem a integridade das áreas de preservação.

Não fosse a inconstitucionalidade, o art. 61-A revela-se, também, como um instrumento legal de anistia e de consolidação das práticas ambientais e ecológicas erradas do homem ao longo do tempo. O Código Florestal acabou criando o instituto do perdão ambiental sem exigir do degradador do meio ambiente a correspondente compensação ou restauração dos processos ecológicos afetados ou destruídos.

Conclui-se que não é pacifico o entendimento de que seja possível sob o ponto de vista legal e ecológico, o manejo de atividades ligadas a agricultura, a silvicultura e a pecuária nas Áreas de Preservação Permanente, embora haja disposição expressa no novo Código Florestal.


Notas e Referências:

[1] MACHADO, José Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21ª ed. Malheiros: São Paulo, 2012, pg. 870


 

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