Aspectos gerais envolvendo o meio ambiente e o agrotóxico

27/05/2018

Introdução.

Com a edição da Constituição de 1988, a matéria alusiva a política ambiental envolvendo a produção, comercialização, uso, transporte e armazenamento de agrotóxicos, bem como os reflexos e as consequências para o meio ambiente, foram organizadas e disciplinas em importantes normas do arcabouçou jurídico brasileiro.

Pelo texto constitucional, cabe aos entes federados o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente[1].

O inciso V do art. 225 foi objeto de regulamentação pela lei federal n.º 11.105, datada de 2005, estabelecendo normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – QGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estimulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

Antes, em 1998, a União já havia estabelecido regras penais pela lei n.º 9.605/98, fixando restrição de direito e de liberdade para quem produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.

O ordenamento jurídico, ao longo dos 29 anos da edição da norma fundamental, foi paulatinamente organizado para garantir o uso sustentável dos agrotóxicos (ainda que na prática as condições de fiscalização e de educação ambiental para o uso adequado do agrotóxico não estejam plena e adequadamente em funcionamento).

Entretanto, os incipientes avanços legislativos envolvendo o uso de agrotóxico em favor do Ser Humano e da política ambiental podem estar correndo risco de retrocesso pela discussão, no Congresso Nacional, do projeto de lei n.º 6299/2002.

Aspecto crítico do projeto de Lei n.º 6299/2002.

O projeto lei n.º 6299/02 (e respectivas emendas e substitutivos), que trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos, nasceu com um objetivo e foi transformado em um instrumento de desmonte da regulação de agrotóxicos no Brasil, flexibilizando regras, reduzindo custos e afastando a competência de importantes órgãos de fiscalização e controle, com é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. 

Na prática, o projeto retira da ANVISA a competência de realizar reavaliação toxicológica e ambiental dos produtos, tornando desnecessário realizar a avaliação e a classificação pelas áreas de saúde e meio ambiente, instruindo obrigação superficial constituída em mera homologação dos estudos técnicos realizados pelas empresas privadas que atuam no ramo de registro de agrotóxicos.

A instituição do sistema de homologação, com o afastamento dos estudos toxicológicos realizados pela ANVISA, além de expor a população ao consumo inseguro de alimentos, avilta o principio da precaução pela impossibilidade de aplicação do conhecimento científico na avaliação dos impactos dos produtos agrotóxicos utilizados no meio ambiente para a vida do Ser Humano.

O projeto lei n.º 6299/2002, afasta a aplicação do Decreto Federal n.º 4.074/2002 e centraliza as competências de registro, normatização e reavaliação de agrotóxicos apenas no Ministério da Agricultura, suprimindo a participação dos órgãos federais de saúde e do meio ambiente na análise de risco.

A supressão da avaliação técnica pelos órgãos de fiscalização e controle vilipendia o disposto no art. 225, inciso V da Constituição Federal, tornando o projeto de lei inconstitucional, pois, sob o ponto de vista material acaba afastando a competência do Poder Público em realizar a fiscalização e o controle da produção e da comercialização de substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

O risco do controle da produção e comercialização de agrotóxico apenas pelo Ministério da Agricultura.  

O agrotóxico, muito utilizado na agricultura intensiva, não afeta somente a produção de alimentos, mas traz claros riscos para a saúde humana e para o meio ambiente, exigindo que a avaliação técnica acerca dos riscos seja multidisciplinar. Entretanto, o projeto de lei n.º 6299/2002, indica um sentido contrário, fixando toda a competência técnica de análise e homologação para uso dos agrotóxicos apenas por meio do Ministério da Agricultura.

A concentração da política pública de agrotóxico apenas no Ministério da Agricultura provoca uma ruptura no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária – SNVS, responsável por realizar fiscalização, por meio de análises, em alimentos dispostos em diversos estabelecimentos comerciais, cuja especificidade ultrapassa os limites do poder de polícia do Ministério da Agricultura.

A aprovação do projeto de lei, sem regras de observação multidisciplinar e com o afastamento da ANVISA pode acabar resultando nas seguintes consequências:

  1. aumento das doenças
  2. agravamento da saúde do trabalhador e do consumidor;
  3. baixo monitoramento dos resíduos de agrotóxicos;
  4. uso inadequado de agrotóxicos;
  5. redução do acompanhamento sistemático das populações expostas e das intoxicações;
  6. mitigação dos planos de emergência nos casos de acidentes de trabalho, transporte e ambientais que possam advir da cadeia produtiva e logística do agrotóxico.

Sob o ponto de vista econômico, a situação pode agravar a posição do Brasil no comercio internacional de alimentos, já que diversas nações, espalhadas pelo globo terrestre, estão condicionando a importação de alimentos ao aumento do controle e da fiscalização do uso de produtos agrotóxicos por meio de certificações.  

Conclusão.

O projeto de lei n.º 6299/2002 desconsidera os impactos para a saúde, o meio ambiente e a economia da nação. É na verdade um projeto venenoso que atinge o meio ambiente, a saúde e a sustentabilidade. Trata-se de projeto que desconsidera dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) que apontam para a existência de 25 milhões de casos anuais de intoxicação por agrotóxicos no mundo, com mais de 20 mil mortes/ano. No Brasil, com números extremamente subnotificados, chega-se a 100 mil intoxicados todos os anos em decorrência do uso de veneno na agricultura, com 3,5 mil óbitos[2].

É necessário que o Congresso Nacional tenha por horizonte os princípios da precaução e da prevenção e que as tentativas de tornar o Brasil mais competitivos não seja concretizado através da violação ao direito à vida e a qualidade de vida sustentável.

Notas e Referências

[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 23 de maio de 2018.

Art. 225

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. 

[2] Disponível em https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?65683/Fiocruz-Pacote-do-Veneno-trara-impactos-graves-a-saude-publica. Acesso em 24 de maio de 2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Rural Oklahoma // Foto de: Jordan MacDonald // Sem alterações

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