Aspectos da Desconsideração da Personalidade Jurídica na Justiça do Trabalho

25/06/2019

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

A fase de execução representa o grande gargalo dos processos brasileiros. Dados do CNJ de 2018[1] apontam que dentre os 80,1 milhões de processos pendentes de baixa no final do ano de 2017, mais da metade (53%) estão na fase de execução.

Na Justiça do Trabalho, o número de execuções frustradas possui correlação com o número de empresas que são encerradas no Brasil antes mesmo de completar dois anos (estimadas em 25%)[2], pois a violação de direitos dos trabalhadores aparece como primeiro sinal de abalo na saúde financeira do empregador.

Diante da impossibilidade de a pessoa jurídica em arcar com as obrigações que deveriam ter sido cumpridas à época, ou de ressarcir danos causados aos trabalhadores, os sócios devem ser chamados para cumprir com a obrigação.

Essa forma de atravessar o manto da pessoa jurídica e ingressar naquelas pessoas que a compõe, é conhecida como desconsideração da pessoa jurídica.   

Não se deve confundir a desconsideração com a despersonalização, pois a pessoa jurídica ainda continua existindo, ou seja, ela não é despersonalizada, mas sim desconsiderada para fins de atingimento dos seus componentes.

A Justiça do Trabalho já utiliza esse instituto de forma bastante corriqueira, mesmo antes da legislação trabalhista regulamentá-la, tendo em vista a busca da efetividade das decisões.

Os juízes utilizavam-se desse mecanismo de satisfação do credor até de ofício, considerando que até a Lei nº 13.467/2017 a execução sempre poderia ter o magistrado como impulsionador principal.

Isso em razão da aplicação analógica do regramento exposto no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), pois na relação consumerista a hipossuficiência do consumidor é muito próxima com a do trabalhador subordinado.

O art. 28 do CDC estabelece a desconsideração da personalidade jurídica para proteção do consumidor e ela pode ocorrer quando a sociedade jurídica atuar com abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, ou, ainda, quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

A desconsideração da personalidade jurídica também  foi prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, estando atrelada às situações de abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade e/ou pela confusão patrimonial.

Dessarte, pelo regramento civil e consumerista, para ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica, há necessidade de demonstração da utilização incorreta da personalidade jurídica.

Assim, a legislação encampou a chamada Teoria Maior, ou seja, exigindo que haja a comprovação do abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, em detrimento da Teoria Menor, onde basta a ocorrência do inadimplemento para atingir os bens dos sócios.

A Justiça do Trabalho quando adotou a desconsideração da personalidade jurídica, encampou a Teoria Menor, ou seja, aplicava o instituto presumindo a ocorrência do abuso da personalidade jurídica pelo não pagamento da obrigação reconhecida judicialmente:

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. O art. 28, do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao Processo do Trabalho, por força do art. 769, da CLT, estabelece que poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade quando "houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração". Com efeito, constatada a inadimplência dos créditos trabalhistas, ou ainda não localizada a devedora principal, tampouco bens passíveis de constrição, a execução deve ser, imediatamente, direcionada ao direcionada aos sócios e ex-sócios que detenham patrimônio suficiente para satisfazer a execução. Neste ponto, é importante enfatizar que os sócios, responsáveis subsidiariamente, devem sofrer as medidas executivas na medida em que se comprova o inadimplemento do quantum debeatur. Agravo de petição interposto pela exequente conhecido e provido. (TRT-1 - AP: 00105751820145010004 RJ, Relator: SAYONARA GRILLO COUTINHO LEONARDO DA SILVA, Sétima Turma, Data de Publicação: 27/03/2017) (gn)

A Lei nº 13.467/2017 trouxe alterações no uso desse instituto pela Justiça do Trabalho, pois incorporou para si o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13. 105/2015).

Por esta regulamentação, a abertura do incidente deve ser objeto de pedido pela parte ou pelo Ministério Público, quando este atuar no processo. No entanto, a necessidade de inércia pelo magistrado não ocorre quando, na forma do art. 878 da CLT, a parte não estiver assistida por advogado, valendo-se do jus postulandi, pois, pelo autorizativo legal, o juiz pode atuar de ofício na execução.

Além dessa alteração na utilização do aludido instituto, a Lei nº 13.467 de 2017 encampou a Teoria Maior, pois, ao remeter a sua regulamentação para o processo comum, expõe como necessária a demonstração do preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica (§4º do art. 133 do CPC), não cabendo, em regra, a simples presunção decorrente do não pagamento.

Dessa forma, no pedido de desconsideração da personalidade jurídica, que pode ocorrer tanto na fase de conhecimento como na fase de execução, o requerente deverá demonstrar os fatos que evidenciam o abuso da personalidade jurídica, decorrente do desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Quando o pedido for realizado na fase de execução, ocorrerá a suspensão do processo, devendo o sócio ou a pessoa jurídica (em caso de desconsideração inversa) responder em 15 (quinze) dias.

Quando o pedido for realizado juntamente com a petição inicial, não é instaurado o incidente, sendo então o sócio ou a pessoa jurídica citado para a resposta ao pedido.

A resolução do pedido de desconsideração da personalidade ocorrerá por decisão interlocutória, cabendo recurso imediato quando em fase de conhecimento. Caberá agravo de petição quando a decisão ocorrer na fase de execução ou ainda agravo interno quando ela for preferida em incidente instaurado originariamente no tribunal (incisos I, II e III do §1º do art. 855-A da CLT).          

Algumas críticas são feitas à atual regulamentação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, pois, ao iniciar o incidente, o devedor poderá se movimentar para praticar atos de frustração da execução.

Ademais, remanesce a ideia de alguns magistrados da efetiva ocorrência de abuso da personalidade jurídica quando do inadimplemento de verbas, que deveriam ter sido quitadas ao longo da relação de emprego. 

Diante disso, alguns posicionamentos estão no sentido de validar o redirecionamento da execução na figura dos sócios ou da pessoa jurídica (em caso de desconsideração inversa), sem a ocorrência do incidente, bastando a impossibilidade de satisfação da dívida pelo devedor.

O incidente teria uso somente em caso de sócio oculto, sócio interposto (de fachada ou o chamado sócio “laranja”), associação ilícita de pessoas jurídicas ou físicas, constituição de sociedade empresária por fraude, abuso de direito ou seu exercício irregular, tudo com o fim de afastar o direito de credores.

Nessas situações abriria a possibilidade para que tais fatos fossem objeto de provas pela parte requerente e os sócios seriam chamados para o cumprimento das suas obrigações.

A tese acima foi objeto de enunciado pela II Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:

ENUNCIADO 109 - PROCESSO DO TRABALHO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: APLICAÇÃO LIMITADA I. No processo do trabalho, o redirecionamento da execução para o sócio não exige o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137 do CPC). II. A dissolução irregular da pessoa jurídica inclui as hipóteses de impossibilidade de satisfação da dívida pelo devedor, o que autoriza o redirecionamento da execução para os sócios, independentemente de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CTN). III. Admite-se o incidente de desconsideração da personalidade nas hipóteses de sócio oculto, sócio interposto (de fachada ou “laranja”), associação ilícita de pessoas jurídicas ou físicas ou injuridicidades semelhantes, como Constituição de sociedade empresária por fraude, abuso de direito ou seu exercício irregular, com o fim de afastar o direito de credores. IV. Adotado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o juiz, no exercício do poder geral de cautela, determinará às instituições bancárias a indisponibilidade de ativos financeiros e decretará a indisponibilidade de outros bens pertencentes aos sócios, pessoas jurídicas ou terceiros responsáveis, sendo desnecessária a ciência prévia do ato.

A regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica pelo processo do trabalho é necessária, pois há tempos o instituto era utilizado sem base processual legal.

No entanto, o seu objetivo é dar maior eficiência ao crédito reconhecido judicialmente, mas, sendo um procedimento burocrático, o risco de frustração passa a ser grande.

Bem por isso, a desconsideração mais efetiva ocorre quando ela é pleiteada na fase conhecimento e deverá, o reclamante, estar atento às situações que possam fundamentar o seu pleito e então garantir o cumprimento da decisão judicial.  

 

Notas e Referências

[1] Justiça em Números de 2018

[2] https://exame.abril.com.br/negocios/dino/1-a-cada-4-empresas-fecha-antes-de-completar-2-anos-no-mercado-segundo-sebrae/

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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