Por Bruno Torrano – 05/07/2017
“Em qualquer caso, mesmo que, de modo tolerável, as coisas tenham corrido bem com você, quanto mais você vive mais claramente sente que, no geral, a vida é um desapontamento, uma recusa, uma enganação.”
Arthur Schopenhauer
O pessimismo é mais do que uma mera disposição de ver o mundo com lentes negativas, fatalistas ou amargas; é mais do que se propor a ver o copo meio vazio. Trata-se de uma filosofia[1]: uma filosofia de vida — um guia pessoal de como devemos orientar nossa conduta —, mas também uma filosofia moral e política sustentada por diversos autores importantes.
Pessimistas entendem que não há boas razões para acreditar que as coisas serão as melhores que elas podem ser, nem para acreditar que os efeitos de ações serão os melhores que eles podem ser. Nem que, de forma mais radical, há fundamento para concluir que algo será meramente favorável. Pessimistas acreditam na ironia da história: em um nível superficial, algo pode parecer estar melhorando; enquanto, na verdade, em um nível mais profundo, ainda desconhecido, está tornando-se pior ou muito pior.
Na avaliação das possibilidades e das estratégias, pessimistas invertem o ônus da prova: admitem que o mundo é um ambiente propenso ao sofrimento, ao desastre, à surpresa, à escassez; que as pessoas são propensas à vaidade, à dissimulação, ao egoísmo, à traição, à mentira; que os governos são propensos ao erro, ao arbítrio, à fraude, ao abuso, à injustiça. E sustentam ser excelente pensar assim: a dor e o desapontamento previnem falsas esperanças e ansiedades desnecessárias. Sem hipocrisia, o mal faz sua existência ser sentida. E, no caso de o mal não se concretizar como o esperado, tanto melhor.
O que une a filosofia do pessimismo é a ideia de que a guarda deve estar sempre levantada. Relações humanas e governamentais são muito instáveis para serem mapeadas e domadas pela razão. Esperar o pior é uma maneira racional de lidar com adversidades, construir planos abrangentes e despistar a decepção. A decepção é a derrota do otimista. O mundo não nos dá o luxo de subestimar a complexidade e a vastidão de seus caprichos. Um colega de trabalho que parece confiável pode agir de forma dissimulada; um governo pode tornar-se tirânico em pouco tempo. O pessimista prepara-se de antemão porque prevê algo doloroso. Começa a se desviar antes mesmo do soco começar a ser dado pelo mundo.
As razões para a presunção de que o melhor cenário futuro possível ainda é um cenário racionalmente suspeito variam de acordo com a classe de pessimismo de que estamos tratando. É possível que o pessimismo não seja a melhor forma de encarar a política ou a moral como um todo; é possível, ainda, que o pessimismo não seja a melhor forma de encarar muitas formas de interação social – amizades firmes, amores correspondidos e sólidas relações familiares podem justificar sentimentos otimistas. Mas parece inegável que uma postura pessimista traz vantagens em vários ambientes da prática do direito – seja nos Tribunais, seja na advocacia, seja na universidade.
Uma atitude pessimista pode colaborar com o respeito ao direito. O ativismo judicial é o brinquedo arbitrário do juiz otimista. Espantado com a amplitude de suas próprias capacidades intelectuais, ele move o destino de seus jurisdicionados com base naquilo que sua consciência diz ser mais justo ou adequado. O juiz minimalista, ao contrário, é um juiz pessimista. Por saber que dificilmente está em condições de prever com algum grau de precisão quais serão as consequências reais, diretas e indiretas, de suas decisões, prefere o estreito ao largo e o superficial ao profundo.
Uma atitude pessimista pode colaborar com o sucesso em uma causa. O advogado que estuda teoria dos jogos com o Alexandre Morais da Rosa torna-se inevitavelmente um pessimista. Sabe que o processo real, e não o processo aprendido em um livro de dogmática, é uma rede complexa de interação de desejos, vontades, intenções e vaidades; sabe que o juiz possui um perfil sociológico digno de estudo, que as pessoas, na audiência, reagem mais às aparências do que à essência; que a mais clara das leis pode não ser aplicada por mero arbítrio; e produz, portanto, todo um plano de ação baseado na ironia da história, sem nunca presumir que, antes do trânsito em julgado, a superficialidade da vitória aparente é uma vitória genuína.
Por fim, uma atitude pessimista pode colaborar com o desenvolvimento acadêmico. O estudante astuto é um pessimista. Não presume que sabe muito, não presume que o professor que aparenta ser “gente boa” fará uma prova fácil, e não presume que as pessoas aceitarão bem suas ideias em debates ou artigos. Está sempre preparado para o pior dos cenários – um cenário que considera, sinceramente, possível. Quer aumentar a sua nota? Seja um pessimista e estude para a pior versão imaginável da prova que está por vir. Vá por mim. Funciona.
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Post scriptum: Participei, no último fim de semana, do II Colóquio de Hermenêutica, organizado por Lenio Streck. Minha fala sobre Positivismo Normativo e Ativismo Judicial está disponível neste link: https://www.youtube.com/watch?v=HZTMAmDrYDw&t=100s. Enjoy!
Notas e Referências:
[1] DIENSTAG, Joshua. Pessimism: philosophy, ethic, spirit. New Jersey: Princenton University Press, 2006.
. Bruno Torrano é Mestre em Filosofia e Teoria do Estado, Pós-graduado em Direito Penal, Criminologia e Política Criminal, Pós-graduando em Direito Empresarial, Assessor de Ministro no Superior Tribunal de Justiça. Autor do livro “Democracia e Respeito à Lei: Entre Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo”. .
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