As trinta moedas da Força - Tarefa na “Lava Jato”

01/07/2017

Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 01/07/2017

Então, um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, dirigiu-se aos chefes dos sacerdotes e lhes perguntou: O que me darão se eu o entregar a vocês? E fixaram-lhe o preço: trinta moedas de prata. Desse momento em diante Judas passou a procurar uma oportunidade para entregá-lo.

Mateus 26

Por “trinta moedas de prata” segundo o Livro de MATEUS - Novo Testamento - JUDAS ISCARIOTES entregou e traiu JESUS. Antes da Última Ceia JUDAS – que acabou se tornando sinônimo de traição - disse ter ido aos chefes dos sacerdotes e por “trinta moedas de prata” concordou em entregar Jesus. Posteriormente, arrependido devolveu o dinheiro e acabou suicidando.

Os procuradores da República da “Lava Jato”, capitaneados pelo procurador DELTAN DALLAGNOL e com o aval do juiz titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, oferecem bem mais que “trinta moedas de prata” para os traidores, hodiernamente chamados de delatores ou colaboradores. A “Força-Tarefa” da “República de Curitiba” oferecem aos traidores/delatores a redução sensível da pena, o cumprimento da pena em regime mais brando, a prisão domiciliar e, em alguns casos - dependendo do que o delator disser – a liberdade é ofertada.

Os poderes da “Força-Tarefa” e do juiz Federal SÉRGIO MORO são excepcionais e extraordinários. Mesmo quando limites constitucionais são ultrapassados, como no episódio em que o diálogo entre a então presidenta da República DILMA ROUSSEFF e o ex-presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA foi, indevidamente e injustificavelmente, grampeado e vazado, nada, absolutamente nada, foi feito contra aquele que assaltando a Constituição da República usurpou a competência do Supremo Tribunal Federal.

Na sentença que condenou o ex-ministro Chefe da Casa Civil ANTÔNIO PALOCCI e vários réus, entre eles RENATO DUQUE, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, o juiz Federal assim se pronunciou: “apesar dessas considerações e da recomendação ao condenado e sua Defesa para que procurem o Ministério Público Federal, é o caso de reconhecer, não só a confissão do condenado acima já valorada, mas que ele também prestou algumas informações relevantes sobre o esquema criminoso por parte de terceiros”. Após as considerações MORO determinou que RENATO DUQUE condenado a mais de 60 anos de prisão, cumpra cinco anos de prisão em regime fechado e, a partir de então, seja beneficiado com a progressão de regime.

Não é despiciendo lembrar que no âmbito da famigerada operação “Lava Jato” a farra das delações premiadas se iniciou com PAULO ROBERTO DA COSTA, ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobrás. Preso em 20 de março de 2014 sob a alegação de destruição de provas que serviriam as investigações, PAULO ROBERTO COSTA foi “premiado” com a prisão domiciliar em troca de dedura outros envolvidos no esquema.

O caso do doleiro ABERTO YOSSEF é outro exemplo dos poderes daqueles que negociam a delação premiada. Três anos depois de ser preso pela Operação Lava Jato, ALBERTO YOUSSEF obteve no dia 17/3 o direito de deixar seu apartamento, em São Paulo, onde cumpria prisão domiciliar. O benefício decorreu do acordo de colaboração premiada que fechou com a força-tarefa do Ministério Público Federal. O direito à liberdade foi o prêmio obtido pelo doleiro, em troca da confissão de culpa nos crimes contra a Petrobrás e da entrega de provas de novos delitos, ainda desconhecidos da força-tarefa da Lava Jato. Pelo acordo, fechado em setembro de 2014, sua pena máxima de prisão ficou limitada a 3 anos.[1]

Em sua sentença o juiz Federal SÉRGIO MORO afirmou: 

Alberto Youssef foi condenado por diversos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Deveria permanecer preso por vários anos considerando sua elevada culpabilidade. Entretanto, forçoso reconhecer que colaborou significativamente com a elucidação de vários casos criminais no âmbito da assim chamada Operação Lava Jato e igualmente para outras investigações criminais.

Entre os acordos de delação premiada o mais polêmico foi, sem dúvida, da JBS dos irmãos JOESLEY e WESLEY BATISTA que não foram isentados de qualquer responsabilidade penal. Após ser questionada juridicamente, a delação dos irmãos BATISTA e dos diretores das empresas acabaram sendo validadas pelo STF.

Como bem ressaltou o processualista AURY LOPES JR. neste tipo de negociação, quanto maior a contribuição para a investigação, maior será o benefício concedido ao "dedo-duro":

Juridicamente, o acordo está perfeito, uma vez que a lei permite que se reduza a pena ou se chegue até mesmo ao perdão judicial. A questão é o quanto estamos dispostos a pagar pela delação. As pessoas têm de analisar a qualidade da informação e o seu ineditismo, porque a delação é, sim, distribuição seletiva de impunidade. O grande choque foi a total impunidade neste caso. [2]

Ainda em relação à delação da JBS, em excelente artigo publicado no Conjur o juiz e processualista Alexandre Morais da Rosa, em análise sob o enfoque da “Teoria dos Jogos”, salienta que “o empresário JOESLEY BATISTA deu um xeque-mate. Fez uma jogada de mestre. A perplexidade de alguns contracena com a ação eficiente de JOESLEY, sócio da JBS, para salvar seu grupo empresarial e sua liberdade, típica de quem domina a lógica do novo modelo de compra e venda de informações”. [3]

Colocando em xeque a condenação com base exclusiva em delações o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em Porto Alegre, absolveu (27/6) o ex-tesoureiro do PT JOÃO VACCARI NETO que havia sido condenado pelo juiz de piso SÉRGIO MORO a pena de 15 anos e quatro meses de prisão por lavagem de dinheiro, associação criminosa e corrupção. A decisão foi tomada por dois dos três desembargadores Federais que compõem a corte. Embora o relator desembargador JOÃO PEDRO GEBRAN NETO tenha votado pela condenação de VACCARI, os desembargadores LEANDRO PAULSEN e VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS votaram pela absolvição do ex-tesoureiro. Ambos os desembargadores Federais entenderam que a condenação de VACCARI se baseava apenas em delações premiadas, não havendo qualquer outra prova que pudesse corroborar as delações.

Não é demais martelar que delações por si só não provam absolutamente nada, não podem ser consideradas como outrora foi à confissão do acusado como “rainha das provas”. Com toda sua experiência de magistrado, ALBERTO SILVA FRANCO assevera que: “a exclusiva palavra do co-acusado constitui-se numa palavra deficiente, precária, inidônea. Equivale a prova nenhuma. E se uma sentença se fundamenta numa prova dessa ordem, revela-se, inequivocadamente, contrária à evidência dos autos”  (Ver. 67.926, Capital, TACrimSP, 1º Grupo de Câmaras Criminais – RT, 498/335)

Por tudo, a delação premiada deve ser seriamente questionada em vários aspectos. Como bem destacou o eminente advogado ROBERTO PODVAL,

A adoção da delação premiada merece questionamentos éticos sérios, já que corresponde, efetivamente, a um incentivo institucional para a prática da caguetagem mediante a concessão de benefícios que, se forem um direito do acusado, condicionar seu deferimento a um ato do réu configura verdadeira chantagem, e, se não forem de direito, é ilegal concedê-los independentemente de qualquer colaboração. Seria importante refletir sobre o que simboliza estar sob o jugo de uma autoridade que negocia direitos individuais em função de uma prática moralmente questionável.

A recorrência com que se utilizam procedimentos de delação premiada toma tal monta que já há advogados especializados no tema, o que gera ainda um necessário debate: o que significa especializar-se em “caguetagem”? Quais são os conhecimentos que um profissional do Direito deve dominar para que possa defender os interesses de seu cliente em um trâmite de escambo de sua liberdade concedida à custa de trocas espúrias de informações? Ou, ainda mais grave: é possível, ético e moral o advogado acompanhar a delação de um cliente e em seguida advogar para quem foi citado na própria delação? A pensar nesta linha de raciocínio, especializar-se em delação premiada pode se tornar a mais vil das formas de captação de clientela.[4]

No que se refere à banalizada e aclamada delação premiada de hoje, o Marquês de BECCARIA em 1764 já observava que:

Alguns tribunais oferecem a impunidade àquele cúmplice de delito grave que denuncie seus companheiros. Tal expediente tem seus inconvenientes e suas vantagens. Os inconvenientes são que a nação autoriza a traição, detestável mesmo entre os celerados, porque não menos fatais a uma nação os delitos de coragem que os de vileza: porque a coragem não é frequente, já que só espera uma força benéfica e diretriz que faça concorrer ao bem público, enquanto a vileza é mais comum e contagiosa, e sempre mais se concentra em si mesma. Ademais o tribunal revela a sua própria incerteza, a fraqueza da lei, que implora ajuda de quem a ofende (...)[5]

As “trinta moedas de prata” da traição tem aniquilado o direito e destruindo os valores mais caros da sociedade. Em nome do combate a criminalidade, notadamente da corrupção, busca-se sob o vil e antiético mote de que “os fins justificam os meios” penalizar o individuo a qualquer preço, para satisfação da fúria punitiva, do gozo dos acusadores e da opinião publica (da) pela influência nefasta da mídia.

Resta saber se os injustamente e falsamente delatados serão capazes de seguir os ensinamentos do HOMEM de NAZARÉ:

“abençoai aos que vos amaldiçoam, orai pelos que vos acusam falsamente. Ao que te bate numa face, oferece-lhe igualmente a outra; e, ao que tirar a tua capa, não o impeças de tirar-te também a túnica. Dá sempre a todo aquele que te pede; e, se alguém levar o que te pertence, não lhe exijas que o devolva. …” (Lucas 6:29)


Notas e Referências:

[1] Disponível em:< http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/3-anos-depois-de-preso-pela-lava-jato-alberto-youssef-passa-para-o-regime-aberto/

[2] Disponível em:< http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/05/por-que-a-jbs-teve-mais-beneficios-no-acordo-de-delacao-premiada-9798554.html

[3] Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2017-mai-19/limite-penal-entenda-golpe-mestre-joesley-jbs-via-teoria-jogos

[4] Disponível em:<http://www.podval.adv.br/a-delacao-premiada-e-os-riscos-do-dedo-duro-institucionalizado/

[5] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Giudicini, Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.


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. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. .. .


Imagem Ilustrativa do Post: Judas Iscariot // Foto de: paukrus // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/paukrus/8697575860

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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