AS SMART CITIES COMO MEIO DE (RE)CONSTRUÇÃO DO CONTROLE SOCIAL TECNOLÓGICO, SOB A ÓTICA DA TEORIA DE CHICAGO

08/12/2018

 

O artigo visa explorar os novos mecanismos tecnológicos como instrumentos de combate à progressão de criminalidade social. Para tanto, se fez necessário elaborar uma análise histórica de formação da Teoria de Chicago, entendendo quais são os fatores relevantes dentro do ambiente social que influenciam os desviantes à cometerem as práticas delitivas, e, como a atual estrutura da sociedade tradicional mitiga o controle social informal. Nesse sentido, as propostas que surgem com o conceito Smart Cities, em conjunto com os estudos da ecologia criminal, se mostram cada vez mais vitais para a (re)construção do controle social tecnológico nas cidades, examinando os interesses e costumes de cada ambiente, entendendo a necessária análise peculiar para aplicação de tais mecanismos. De modo que, a execução das ferramentas tecnológicas culminadas com o sistema de segurança pública, ilustra um modelo exequível e vital para o combate ao ciclo delituoso social e de desenvolvimento para a estabilização do bem-estar social.

 

 

Com o aumento do desenvolvimento tecnológico nos últimos anos, constatou-se novas possibilidades, às quais, a evolução da tecnologia pode contribuir para o ambiente social, resultando em qualidade de vida. Em locais onde tal ideia já é concreta, notou-se a migração de pessoas domiciliadas em cidades não tecnológicas para as cidades chamadas de inteligentes.

Sob objetivo de manter a qualidade de vida nas cidades, tornando os serviços mais inteligentes, de modo que o adensamento populacional não congestionasse sua eficiência, foi necessário - através da tecnologia – melhorar as condições de vida nas cidades, tendo por finalidade a construção de um espaço mais habitável, confortável e, é claro tecnológico, configurando assim o conceito Smart Cities, que se molda com o decorrer do tempo, mas, sempre atrelado à tecnologia.

No Brasil, atualmente, são aproximadamente 209.000.000 de habitantes - de forma progressiva - conforme estudos do IBGE[1] – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ante este número, é assustador imaginar que se presencia uma política de construção social nada inteligente, um modelo ultrapassado e repetitivo, de modo que não se observa pontos cruciais para o bem-estar social. Por outro lado, sob o conceito Smart Cities, a eficiência e melhora na qualidade pode ser notada em questões como: mobilidade urbana; melhoras nos serviços públicos de transporte; diminuição do passivo ambiental, especialmente a poluição gerada pelos grandes centros urbanos; e, uma possibilidade real de melhora na segurança pública.

Dada as propostas das Smart Cities, logo se clarifica a ideia de culminar os modernos meios inteligentes, no âmbito da condição de segurança pública de uma sociedade, em face de seus pontos que necessitam de tais implementações, sendo que é notório a progressão de criminalidade destas. Para tanto, resta claro a necessidade do estudo da criminologia ante tal proposta, uma vez postado em exame, uma análise de estrutura social, bem como as condições de seus habitantes e circunstâncias sociais, que, podem influenciar nas práticas delitivas de um desviante.

 

DESENVOLVIMENTO

Segundo Afrânio Peixoto[2], a criminologia “é a ciência que estuda o crime e os criminosos, isto é, a criminalidade”. Destarte, reitera-se que tal ciência não se limita apenas ao estudo do crime, mas também às circunstâncias sociais e estruturas de uma cidade, que aqui nos interessa para compreender os fatores por trás de uma prática delitiva, e, os impactos positivos que as propostas das Smart Cities podem ter como resultado de sua aplicação.

O avanço da ciência ante os impactos sociais decorrentes das manifestações relacionadas à estrutura social e índices de criminalidades, resultou na elaboração de diversos estudos acadêmicos no século passado. Nessa linha, se formaram diversas escolas criminológicas, surge então a pioneira nesse aspecto, a saber, a Escola de Chicago - nascida na Universidade de Chicago – ganhando evidência com o desenvolvimento da teoria ecológica criminal ou desorganização social, desenvolvê-lo-iam, portanto, a teoria das janelas quebradas (broken windons theory)[3]. A criação e motivação desses estudos, teve como impulso indireto o desenvolvimento industrial que norteava a cidade de Chicago, que ganhou força em meados da década de 1910.

Os impactos sociais produzidos na cidade devido ao grande número de migração por conta das possibilidades ante o desenvolvimento industrial, e, o crescimento do centro da cidade para a periferia, passou a ser objeto de estudo dos sociólogos daquela escola. Suas conclusões científicas acerca de como uma estrutura social e circunstâncias influenciavam nas práticas delitivas, portanto na progressão de criminalidade, ficou conhecida como a Teoria de Chicago.

O controle social que, conforme ensina Ana Lúcia Sabadell[4], “é tudo aquilo que influencia o comportamento dos membros de uma sociedade”, se dividindo, portanto, em: formal e informal. O primeiro tem o caráter institucionalizado, que na palavra de Zaffaroni e Pierangeli[5], “destacam-se em três grupos humanos que convergem na atividade institucionalizada do sistema penal: o policial, o judicial e o executivo penal.” Já o segundo modelo se configura, stricto sensu, com aspecto de relação social empática entre os indivíduos em um determinado espaço, se regulando por exemplo em conjuntos de sistemas dentro de uma sociedade, como a religião, costumes, família e etc.

Restou claro que, os efeitos emergentes daquela cidade se dava pelo “mix cultural”[6] trazido pela migração, de modo que o controle social informal perdia força com a desordem social, em razão do grande número de habitantes anônimos e provisórios no mesmo espaço, extinguindo as relações empáticas e confiáveis entre os indivíduos, o que não ocorre em cidades pequenas, onde o controle social informal é estabilizado pela concentração de costumes e culturas em um mesmo espaço, fortalecendo uma relação mais interativa com os demais, de modo que o ambiente para prática delitiva se torna desfavorável, o que justifica os baixos índices de criminalidade nessas cidades em face das metrópoles. Nessa perspectiva, Louis Wirth[7] ensina:

 A interação social entre uma tamanha variedade de tipos de personalidades num ambiente urbano tende a quebrar a rigidez das castas e a complicar a estrutura das classes, e, portanto, induz a um arcabouço mais ramificado e diferenciado de estratificação social do quem sociedades mais integradas.

 Isso posto, nota-se o êxito das cidades pequenas quanto sua segurança, decorrente de organização estrutural e equilíbrio nas relações sociais, não se limitando tão somente ao fator do quantitativo baixo de habitantes, o que justifica tal argumento apenas no âmbito do senso comum. Percebe-se, portanto, a importância de um efeito positivo no aspecto moral e estrutural de um espaço social. Assim sendo, Robert Park[8] elucida:

A verdade, entretanto, é que a cidade está enraizada nos hábitos e costumes das pessoas que a habitam. A consequência é que a cidade possui uma organização moral bem como uma organização física, e estas duas interagem mutuamente de modos característicos para se moldarem e modificarem uma a outra. É a estrutura da cidade que primeiro nos impressiona por sua vastidão e complexidade visíveis.         

(grifamos)

Nesse diapasão, prevalece os efeitos dos aspectos geográficos da cidade, com o fator “mix cultural” e a quebra das relações interativas entre os indivíduos, que ferem de morte o sentimento de pertencimento social à uma comunidade. Nota-se, portanto, diversos desdobramentos que fundamentam a Teoria de Chicago. Para Georg Simmel[9], “o contato físico estreito de numerosos indivíduos produz necessariamente a mudança nos meios através dos quais nos orientamos em relação ao meio urbano”. Nessa perspectiva, prevalece a importância das relações sociais próximas, ou seja, os vínculos de laços sentimentais e/ou emocionais que fortalecem a estabilidade de um controle social informal. Não obstante o ciclo de adensamento populacional, sob a ótica geográfica social, examinado por Louis Wirth[10], abstrai que:

A relação entre a teoria do urbanismo e a pesquisa sociológica está baseada nas variáveis: número, densidade do agrupamento e grau de heterogeneidade do complexo urbano como abordagem sociológica das características da vida urbana; que por sua vez propiciará uma explicação densa sobre as diferenças das cidades e seus variados tamanhos.

            Destarte, nota-se que indiretamente, o indivíduo entendendo o grau de periculosidade presente na sociedade tradicional que por ora participa, acaba colaborando com a quebra de relação empática social, concomitantemente com o controle informal, - fomentando assim, em novas práticas delitivas - ao passo que evita contatos sociais, ou, liberdade de fortalecer os vínculos sociais com os demais – relação de pertencimento social -. Se fortalece, portanto, um ciclo complexo em meio à sociedade tradicional. Ante tal problemática, é preciso (re)pensar na ideia de aplicação das propostas das Smart Cities, como meio de combate à progressão de criminalidade das cidades, moldando o conceito de estruturas e relações sociais empáticas nestas, com o objetivo de (re)construir o controle informal nas grandes metrópoles. Observa-se também que, é quase impossível a vítima de um roubo se encontrar fortuitamente com o desviante. Logo, esses fatores não se aplicam na realidade das cidades pequenas, às quais o controle informal prevalece. Nada obstante, é comum numa cidade grande o indivíduo não conhecer seu vizinho durante meses ou anos, como lembra Simmel[11]:

Somos forçados a manter esta reserva, em parte, por este fator psicológico e, em parte, pelo direito à desconfiança que sentimos perante esses elementos fugazes da vida urbana; em consequência, é frequente não conhecermos sequer de vista aqueles que durante todo o ano são nossos vizinhos, e, é isso que faz com que tantas vezes pareçamos frios e sem coração aos olhos dos habitantes das pequenas cidades.

Desta feita clarifica-se que, ao contrário do estigma criado, as práticas delitivas em um determinado local não se confinam exclusivamente nas condições de classe do agente, mas soma-se ao conjunto da obra: as influências por intermédio do desenvolvimento das relações sociais e natureza humana. De forma que, um ambiente desleixado, culminado com desordem e carência de harmonia social, geram mais desordem, com o resultado de uma esfera propícia para práticas delitivas – cada vez mais graves -, configurando um ambiente favorável para as práticas dos delitos, retratando um espaço sem regras. Não obstante a falta de ação estatal, que, só age após o resultado desse ciclo, incumbindo ao Direito Penal o encargo de tutelar tal malogro social, ilustrando um sistema falho e conformista, que, não segue os ensinamentos deixado pelo ilustríssimo Cesare Beccaria, quando prelecionava com as palavras: “é preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo.”[12]

Uma vez que tem exposto o conceito e finalidade da ecologia criminal, e, exemplos históricos trazidos pelo Escola de Chicago que elucidam os pontos que corroboram para o aumento da criminalidade no espaço social, porque atualmente, na vigência de um desenvolvimento tecnológico, não pensar em uma ecologia criminal tecnológica? De modo que se entenda o importante efetivo da tecnologia como combate à criminalidade, ou, pela utilização de ferramentas tecnológicas direcionadas à segurança pública.

Isso posto, pode-se abstrair que, ao passo que se aborda as características da ecologia criminal “tecnológica” em conjunto com os estudos da broken windons theory, e, os exames elaborados pela Escola de Chicago assinalados acima, resta inequívoco afirmar que uma sociedade menos abarcada estruturalmente, com todos os fatores supra pontuados que ferem de morte o controle social informal, - ao contrário do estigma criado - não afeta tão somente o viés econômico e/ou turístico daquele determinado espaço, mas acaba se tornando muito caro para a (re)construção do controle social, tendo em vista a criação de um ciclo delituoso social aos olhos dos jovens delinquentes daquele espaço. Para isso, deve-se entender a sociedade aqui, como um todo, sendo, portanto, um órgão funcional que se configura tipicamente entre relações interpessoais, a qual muito interessa diante a teoria funcionalista que examina justamente o comportamento do desviante sob a estrutura social.  Tal ciclo delituoso se forma, ao passo que se estabelecem naquela sociedade tradicional – conformista – novos ideais comuns, ou seja, uma perspectiva positiva daqueles indivíduos ante uma cultura de produção de delitos, circunstâncias que são estudadas na teoria das subculturas criminais. Para melhor raciocínio, Alessandro Baratta[13] distingue ambas teorias:

A relação entre a teoria funcionalista e a teoria das subculturas criminais não é uma relação de exclusão recíproca, mas pode ser considerada, melhor, como uma relação de compatibilidade. De fato, as duas teorias se desenvolvem, em parte, sobre dois planos diferentes: a primeira, pretende estudar o vínculo funcional do comportamento desviante com a estrutura social; a segunda, assim como se apresenta em suas primeiras formulações na obra de Clifford R. Schaw e de Frederic M. Trascher, até Sutherland, se preocupa principalmente em estudar como a subcultura delinquencial se comunica aos jovens delinquentes e, portanto, deixa em aberto o problema estrutural da origem dos modelos subculturais de comportamento que são comunicados. A compatibilidade das duas teorias resulta, pois, da própria diversidade de nível de discurso e dos conjuntos de fenômenos de que se ocupam, respectivamente.

 Nessa perspectiva, observa-se a preponderância da teoria das subculturas criminais, neste caso, com caráter constante de manifestações delitivas isoladas – naquele ambiente -, atribuindo, portanto, novos valores morais e normas, de modo que o indivíduo se encontra em conflito permanente entre: os ideais comuns e a prática social, como destaca Baratta[14], reiterando a divergência desses dois aspectos à luz dos indivíduos que compreendem determinado espaço social. No primeiro, portanto, reitera-se os valores estabelecidos por um controle social esperado e/ou valores morais de um indivíduo, já no segundo, estabelece-se pelos valores alternativos aderidos naquele espaço, justamente pelo dominante ciclo delituoso social, bem como pela falta do controle social. Neste contexto, Alessandro Baratta[15] clarifica que:

Um sistema de exceções e de justificações não é, apenas, um sistema de neutralização do sistema de normas e de valores pressupostos como aceito pelos delinquentes, mas, de um ponto de vista lógico, se poderia dizer que a presença do primeiro altera o segundo, assim que, de fato, o comportamento delinquencial se apresenta, segundo a análise de Sykes e Matza, como baseado sobre um sistema conjunto de valores e regras, que deriva da síntese dos valores e das regras aprendidas nos contatos com a sociedade conformista, e das exceções e justificações aprendidas nos contatos com indivíduos e subculturas desviantes. O sistema resultante é, pois, um quid novum em relação ao sistema ‘oficial’.

            Se tratando do potencial ciclo delituoso social, vários são os fatores que lhe fortalecem. Ante a estrutura da sociedade tradicional, observa-se a crescente dos índices de criminalidade, de modo que somente o sistema penal e/ou sistema de segurança pública não são suficientes como meios efetivos desse combate, ou, restaria ainda um grande desgaste em meio as persecuções penais, diante de todos os potenciais pontos inobservados que assolam o controle social informal. Contudo, é inequívoco afirmar que mesmo numa ideia utópica de sociedade em que o sistema penal, bem como o sistema de ressocialização fossem eficientes, de nada adiantaria se se as produções dos delitos não são observadas, ou seja, superadas. Não obstante, com a ecologia criminal “tecnológica”, em meio a proposta de (re)construção desse controle, é possível ir além, examinando fatores de restituição das relações sociais, e, ferramentas tecnológicas com caráter de prevenção ante as práticas delitivas.

 

IDEAÇÃO

Ante as propostas, ao passo que se abstrai o grau efetivo das ferramentas tecnológicas atribuídas ao sistema de segurança pública, logo clarifica-se outros objetivos que não se limitam somente àquele como meio direto de combate às práticas delitivas – já no seu ciclo final -. Nesse raciocínio, na medida em que um espaço social se expõe nos moldes das propostas das Smart Cities, - com ferramentas inteligentes aplicadas na esfera da segurança pública – além da prevenção e combate à produção dos delitos, observa-se também, a criação de um ambiente favorável para as práticas de relações sociais, ao passo que, aquele indivíduo que evitava contatos sociais em razão do grau evidente de periculosidade interposto naquele ambiente, com as propostas vigentes, expor-se-á – ante uma estrutura social tecnológica -, ao gozo de atividades sociais que fortalecerão o grau de pertencimento daquele espaço para este. Logo, fortifica o objetivo de (re)construção – indireta – do controle informal. Percebe-se então, como uma estrutura social tecnológica, mediante os estudos oriundos da ecologia criminal “tecnológica”, pode criar um ciclo social positivo, de modo que os indivíduos – em meio as novas ferramentas -, reestabelecem as relações necessárias para a extinção gradativa daquele ambiente favorável às práticas dos delitos, corroborando também, com a interrupção do ciclo delituoso social.

Poder-se-á pensar, portanto, na ecologia criminal “tecnológica” - culminada com o modelo Smart Cities -, não somente como aspecto de estudo, mas sim como meio de clareza das possibilidades exequíveis e necessárias abordadas neste trabalho. Cumpre-se entender, portanto, quais as ferramentas possíveis, e, quais serão seus efeitos.

O grande desafio é, estabelecer que as novas ferramentas alcancem todos os indivíduos da sociedade, não deixando o efeito da desigualdade social impedir as exitosas propostas. Entende-se, portanto, a ideia de tutela do Estado - à priori -, de gestão para suas implementações por meio programas federais, estaduais, e, municipais, com ferramentas acessíveis e estrategicamente aplicadas no espaço social.

Logo, surgem algumas ferramentas que podem ser úteis nas cidades do futuro: câmeras de monitoramento, identificação facial, autofalantes captando sons (tiro, gritos de socorro), inteligência artificial aplicada nos mapas de criminalidade e organização de patrulhas policiais. Nota-se que, as propostas não se mostram distantes, alguns mecanismos/aplicativos de uso diário do indivíduo por meio de seu Smartphone – GPS com navegação inteligente, por exemplo -, podem, subsidiariamente, usufruir da tecnologia já aplicada, para desdobrar em novas finalidades. Não é necessário, portanto, elaborar um plano complexo para a criação de mecanismos inéditos, a ideia sustentável parte na medida de inovação e inteligência, aplicando – na maioria dos casos -, instrumentos que já são de ciência de toda a sociedade. Nessa ideia, uma manifestação positiva, e, ainda gradativa do Estado – e por isso supra criticado – fortalece com as novas propostas. Um projeto de lei aprovado pelo Senado[16] – PLS 167/2017 -, que regulamenta o uso de veículos aéreos não tripulados – VANTS -, ou, popularmente conhecido como Drone, para uso das forças policiais, agregando tecnologia e praticidade ao sistema de segurança pública, não limitando, portanto, seu uso apenas na esfera de lazer do indivíduo.

Outrossim, seria implausível não mencionar o grande efetivo das câmeras, que, por seu turno, também já são aplicadas como modelo de segurança. Todavia, a diferença para moldar essa ferramenta nas propostas da Smart Cities, se configura, ao passo que, sua aplicação e planejamento são trabalhadas de forma inteligente, por intermédio de empresas Startups, pesquisas – segmentos acadêmicos –, e, investimento público com parcerias privadas. Nesse sentido, a cidade São José dos Campos – interior do Estado de São Paulo -, por meio de sua prefeitura e parceria com a empresa privada de tecnologia Ericsson - NASDAQ: ERIC -, em conjunto com o Parque Tecnológico São José dos Campos, integraram um sistema de gerenciamento em resposta de emergência, sendo o município brasileiro pioneiro na aplicação de sensores de detecção de tiros. A estrutura foi planejada com a implantação de 500 câmeras distribuídas de forma inteligente. Diante tal sucesso, Marco Antônio Raupp[17], diretor geral do Parque Tecnológico, diz:

 A Prefeitura de São José dos Campos investiu, por meio do Parque Tecnológico, no desenvolvimento de uma solução de segurança de alta tecnologia desde 2012 na implementação de um projeto de cidade inteligente. De lá para cá, percebe-se que o projeto vem contribuindo de forma importante na proteção de pessoas e prédios públicos em tempo real. Com as novas soluções, esperamos ter números ainda mais efetivos no que se refere à proteção e qualidade de vida da população.

Os benefícios decorrentes da proposta aplicada pela cidade de São José dos Campos, restou em números exitosos. Dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo destacam que, após a aplicação das novas ferramentas, as taxas de homicídios caíram de 10,21 para 8,29 para cada 100.000 habitantes[18]. Nada obstante, é insólito perceber que, um município integrado à um estado considerado, atualmente, um dos mais violentos do país, sem nenhuma estabilidade de controle social informal, após esses estudos e propostas aplicadas, chegam a esses números positivos. Contudo, é imperioso destacar que, a publicidade desses dados, e, a real evidência da redução dos índices de criminalidade naquele ambiente, criam aos habitantes um sentimento de segurança, ao passo que, poder-se-ão gozar novamente de atividades que antes eram restritas, contribuindo assim para as relações sociais que são indispensáveis para a (re)construção do controle social.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À face do exposto, abstrai-se que, se por um lado, a mais de um século atrás um desenvolvimento/evolução industrial corroborou para fenômenos sociais, que foram objeto de pesquisa de grandes sociólogos da época, analisando todas as teorias e conclusões abordadas neste trabalho, um século depois, com a vigência de outro desenvolvimento/evolução, agora tecnológica, sob outra perspectiva, surge a possibilidade não somente de estudo desses efeitos, mas sim de resolução por intermédio de mecanismos inteligentes trazidos pelo conceito Smart Cities.

A ideia resolutiva se constrói, ao passo que se observa as lacunas e mecanismos ultrapassados na estrutura social, e, o modo em que as propostas das Smart Cities pode preenche-las, se incumbindo de, (re)construir as formas de controle social nas cidades de modo inteligente e efetivamente exequível. É necessário, portanto, observar quais as necessidades dos indivíduos integrados nesse sistema, e como a atual estrutura – condição da segurança pública, bem como as relações sociais – se mostram ultrapassadas, ou, produzindo efeitos diversos daqueles pretendidos, não sendo possível no futuro, em decorrência do adensamento populacional, atender os anseios sociais que clamam por mínimas condições de conforto e segurança.

Nota-se que, as barreiras sociais estudadas acima, muito frequentemente não foram defrontadas em sua totalidade de forma inteligente, e seus reflexos nocivos para o sistema de segurança pública da sociedade resultam na busca incansável de um culpado. Tais propostas, portanto, aos olhos de terceiros céticos, se configura em uma resolução distante e utópica, o que resta em um inequívoco engano, dada as possibilidades das propostas das Smart Cities e sua iminente realidade. Contudo, vale ressaltar, nesse sentido, o saudoso Mauro Cappelletti,[21]: “o potencial, no entanto, precisa ser traduzido em realidade, mas não é fácil vencer a oposição tradicional à inovação”.

Dado o exposto, e, por fim, percebe-se que na medida em que se elabora os questionamentos corretos, ou seja, compreender a cultura e desejos de determinados indivíduos, se mostra mais claro o meio resolutivo necessário e aplicável, que nem sempre será a panaceia para todas as sociedades. Nota-se então, que a abordagem de uma nova alternativa, ou, solução, carece de um estudo peculiar para cada realidade, necessitando de uma participação social dos integrantes, a fim de entender qual o conceito de bem-estar social acordado naquele espaço.

 

 

Notas e Referências

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal; A teoria das Subculturas Criminais. Negação do princípio da culpabilidade. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2011. 4ª reimpressão, setembro de 2017.

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[1] PROJEÇÃO da População 2018: número de habitantes do país deve parar de crescer em 2047. 2018. Editora: Estatísticas Sociais. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047>. Acesso em: 29 set. 2018.

[2] PEIXOTO, Afrânio. Criminologia. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 11.

[3] No final da década de 60, psicólogos americanos resolveram dar início a uma curiosa experiência. Deixaram dois automóveis idênticos abandonados em bairros diferentes do Estado de Nova York, um em bairro nobre e outro na periferia. O resultado não poderia ser diferente. O carro que estava na periferia foi rapidamente depredado, roubado e as peças que não serviam para venda foram destruídas. O carro que estava na área nobre da cidade permaneceu intacto. Mas isso os pesquisadores já poderiam prever. O que eles queriam mesmo comprovar era um outro fenômeno. Com isso, prosseguiram quebrando as janelas do carro que estava abandonado em um bairro rico e o resultado foi o mesmo que aconteceu na periferia: o carro passou a ser objeto de furto e destruição. Com isso, chegaram os pesquisadores, precipitadamente (talvez intencionalmente), a conclusão de que o problema da criminalidade não estava na pobreza e sim no desenvolvimento das relações sociais e na natureza humana. MONTINEGRO, Monaliza. A desordem gera desordem. Conheça a Teoria das Janelas Quebradas. 2015. Disponível em: <http://www.justificando.com/2015/05/26/a-desordem-gera-desordem-conheca-a-teoria-das-janelas-quebradas/>. Acesso em: 08 set. 2018.

[4] Conceito operacional proposto por SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.113.

[5] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, vol. 1: parte geral. 6 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 70.

[6] Conceito operacional proposto pelos autores: entende-se como diferentes etnias, culturas, costumes, tradições e/ou idiomas no mesmo espaço.

[7] WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In Velho, Octávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Guanabara: Rio de Janeiro, 4ª ed., p. 113, 1987.

[8] PARK, Robert. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. In Velho, Octávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Guanabara: Rio de Janeiro, 4ª ed., p. 32.

[9] Simmel, Georg. As metrópoles e a Vida Mental. In Fidelidade e Gratidão e Outros Textos. Relógio D’Água: Lisboa, 2004. p.111

[10] SANTOS, Thaís Dias Luz Borges dos. A abordagem do fenômeno urbano na Escola de Chicago: Uma análise do fenômeno urbano na Escola de Chicago. 2013. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd185/fenomeno-urbano-na-escola-de-chicago.htm>. Acesso em: 08 set. 2018

[11] SIMMEL, Georg. As metrópoles e a Vida Mental. In Fidelidade e Gratidão e Outros Textos. Relógio D’Água: Lisboa, 2004. p.83.

[12] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas; Dos meios de prevenir crimes. 6ª Edição São Paulo-SP. Editora Martin Claret, 2014. p.94.

[13] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal; A teoria das Subculturas Criminais. Negação do princípio da culpabilidade. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2011. 4ª reimpressão, setembro de 2017, p. 69.

[14] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: Teoria das “técnicas de neutralização” como integração e correção da teoria das subculturas. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2011. 4ª reimpressão, setembro de 2017 p.80.

[15] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: Teoria das “técnicas de neutralização” como integração e correção da teoria das subculturas.Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia,  6ª edição, outubro de 2011. 4ª reimpressão, setembro de 2017, p. 80.

[16] MELO, Karine. CCJ aprova projeto que regulamenta uso de drones. 2017. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-12/ccj-aprova-projeto-que-regulamenta-uso-de-drones-e-proibe-armamento-neles>. Acesso em: 01 out. 2018.

[17] STAELL, Priscilla. São José dos Campos adota aplicações inéditas da Ericsson para cidades inteligentes. 2016. Disponível em: <https://www.ericsson.com/br/pt/press-releases/latin-america/2016/10/sao-jose-dos-campos-adota-aplicacoes-ineditas-da-ericsson-para-cidades-inteligentes>. Acesso em: 02 out. 2018.

[18] STAELL, Priscilla. São José dos Campos adota aplicações inéditas da Ericsson para cidades inteligentes. 2016. Disponível em: <https://www.ericsson.com/br/pt/press-releases/latin-america/2016/10/sao-jose-dos-campos-adota-aplicacoes-ineditas-da-ericsson-para-cidades-inteligentes>. Acesso em: 02 out. 2018.

[19] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.161.

 

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