AS PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA E O CUMPRIMENTO DAS DECISÕES PARCIAIS DE MÉRITO: A IMPORTÂNCIA DO RE-RG Nº 573.872 (TEMA 045/RG/STF)

24/11/2019

Coluna Advocacia Pública em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta Araújo e Weber Luiz de Oliveira

Com o advento do CPC/15, ocorreram mudanças substanciais relacionadas à unicidade do julgamento de mérito, em decorrência da possibilidade do fracionamento decisional (arts. 354 e 356).

Neste ensaio, pretendo enfrentar, mesmo que em curto espaço, aspectos ligados à resolução parcial de mérito nas causas promovidas em desfavor da Fazenda Pública, especialmente em relação ao desmembramento do objeto e do sistema de cumprimento de decisões judiciais.

Os questionamentos ligados à possibilidade de desmembramento do objeto litigioso nas causas em desfavor da fazenda pública ganham maior relevância quando se discute a possibilidade de cumprimento provisório de pronunciamento judicial, especialmente nos casos envolvendo pagamento de quantia.

Duas premissas devem ser apresentadas: a) a remessa necessária impede, em regra, o cumprimento da decisão judicial (art. 496, do CPC), exceto nos casos em que é possível a geração de efeitos imediatos e/ou quando é concedida tutela provisória no próprio ato decisional; b) nas causas envolvendo pagamento de quantia, a satisfação da obrigação contida no título é feita por meio de Precatório Requisitório ou de Requisição de Pequeno Valor, nos termos do art. 100, da CF/88.

Ademais, é necessário indagar: a) a resolução parcial do objeto litigioso é cabível contra a fazenda pública em relação às condenações pecuniárias? b) será possível o cumprimento (provisório ou definitivo) de tal capítulo de mérito (art. 356 do CPC/15) em desfavor do ente público, considerando o tratamento constitucional da matéria?

Uma coisa é certa: a resolução de parte do mérito com imputação de natureza pecuniária (julgamento antecipado parcial de mérito) é passível de recurso de agravo de instrumento (arts. 356, §5º c.c 1015, II, do CPC/15). Outrossim, estando a decisão sujeita à remessa necessária (nos casos em que esta é cabível- art. 496, do CPC), não pode ser determinado o cumprimento da ordem antes da confirmação da decisão pelo respectivo Tribunal, sob pena de não ser atendido o ditame constitucional que indica a necessidade de trânsito em julgado.

Independentemente da discussão da natureza jurídica da decisão parcial que resolve parte do objeto litigioso (interlocutória ou sentença parcial), é mister defender que está sujeita à remessa necessária, nos casos em que esta prerrogativa da fazenda for cabível (art. 496, do CPC). No tema, o Enunciado 17 do Fórum Nacional do Poder Público consagra: “ a decisão parcial de mérito proferida contra a Fazenda Pública está sujeita ao regime da remessa necessária”.

Logo, visando uma interpretação conforme a Constituição, necessário é ampliar a previsão do art. 100 da CF/88, para consagrar o cumprimento definitivo de decisão parcial de mérito contra a fazenda pública, desde que não tenha sido interposto Agravo ou após a apreciação da remessa necessária pelo órgão de 2º grau, quando esta for cabível.

Nada impede que a demanda prossiga contra a Fazenda Pública em relação ao pedido controvertido, ao mesmo tempo em que se reconhece a possibilidade de cumprimento definitivo do capítulo antecipado, com posterior pagamento por meio de Precatório Requisitório ou Requisição de Pequeno Valor.

Por outro lado, nos casos de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa distinta de dinheiro, em sendo admitida a tutela provisória na própria decisão parcial de mérito, ou mesmo em outra etapa do procedimento, será possível o cumprimento provisório deste capítulo decisório, nos termos dos arts. 536 a 538, do CPC/15 inclusive com imposição de multa cominatória (STJ AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001).  Exemplos muito comuns na prática forense em que se discute a possibilidade de cumprimento provisório de obrigação de fazer: reintegração de servidor (STJ: REsp 688780-RS, AgRg no AREsp 418258-SC, AgRg na MC 19896-MS, AgRg no Ag 1154027-RJ), fornecimento de medicamentos e/ou tratamento médico (AgRg no REsp 1291883 / PI; AgRg no Ag 1299000-RS, REsp 840912-RS, REsp
904204
-RS). Aliás, em relação à prerrogativa processual ligada à vedação de tutela provisória contra a fazenda pública, prevista nas Leis 9.494/97 e 8437/92, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido execução provisória “quando a sentença não tiver por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município” (AgRg no REsp 742474 / DF – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – 6ª T – J. em 29/06/2009 – Dje 17/08/2009). Ademais, as limitações legais “à concessão de antecipação dos efeitos da tutela, ou  mesmo  da  execução  de  sentença  antes do trânsito em julgado, contra o Poder Público, previstas na Lei nº 9.494, de 1997, não  alcançam  os  pagamentos  devidos  aos  servidores  inativos  e pensionistas, na linha da jurisprudência (AgRg na SLS 1.545/RN, Rel.  Ministro  Ari  Pargendler,  Corte Especial, julgado em 2/5/2012, DJe 15/5/2012)” (AgInt nos EDcl no REsp 1718412 / SP – Rel. Min. Sérgio Kukina – 1ª T – J. em 23/10/2018 – DJe 31/10/2018).

Ora, se o sistema processual garante, e até incentiva, a cumulação de pedidos, o amadurecimento precoce de um deles enseja o desmembramento da tutela definitiva. Nada impede que, no caso concreto, a resolução parcial de mérito atinja capítulo ligado à obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa ou mesmo obrigação ligada a uma parcela previdenciária em desfavor do ente público e sejam desmembradas as fases do procedimento, para admitir o cumprimento provisório, ou mesmo definitivo de uma parte, e prosseguimento do feito para a instrução e julgamento futuro, da outra.

 

Nesse fulgor, é admitido o cumprimento provisório ou definitivo do capítulo referente à decisão parcial de mérito – mesmo com a continuidade do andamento do feito quanto aos demais capítulos meritórios (arts. 356, §§3º e 5º, e 496, do CPC/15).

Visando colocar uma última pá de cal nessa discussão, o STF, no julgamento do RE-RG nº 573.872, de Relatoria do Min. Edson Fachin (Tema 045/RG – j. em 24.05.17), fixou a seguinte tese: “A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios".

Portanto, pela tese fixada no RE-RG nº 573.872 (Tema 045/RG), as prerrogativas fazendárias do art. 100, da CF/88, estão relacionadas à obrigação de pagar quantia, não alcançando as obrigações de fazer, não fazer e coisa.

Por isso que, nos casos concretos, é extremamente importante analisar a natureza da obrigação a ser satisfeita pela Fazenda Pública, para o devido enquadramento na hipótese prevista no supracitado dispositivo constitucional.

O Tema 045/RG STF e os precedentes do STJ são bons indicativos da interpretação a ser dada em relação às ordens judiciais em desfavor da fazenda pública, que podem advir de desmembramento do objeto litigioso, como consagrado no art. 356, do CPC.

Estas são as observações sobre este importante tema.

 

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