As Operadoras de Planos de Saúde e as (Des) vantagens Oferecidas ao Beneficiário – Por Thais Mello Doleys

02/06/2017

Coordenador: Marcos Catalan

Até há pouco, questões hoje compreendidas como de consumo eram lidas a partir da legislação civil, aquela mesma que, historicamente, regula as relações entre particulares. Esse cenário contribuiu para que se criasse uma “névoa” em torno da legislação consumerista, considera por muitos como “protetiva demais”, embora sopros de lucidez revelem a condição de direito fundamental, que permitem que aqueles considerados em situação de vulnerabilidade tenham essa condição reduzida, frente ao fornecedor de produtos e serviços, muitas vezes, essenciais à vida e à saúde do consumidor.

Nesse contexto, observamos o oferecimento de produtos e serviços ao consumidor com a roupagem de benefício. E essa não é uma situação desconhecida por nós. Quantas vezes nos deparamos com a sensação de que determinados produtos são essenciais e que, aparentemente, são oferecidos de forma vantajosa, mas que, no decorrer do tempo, descobrimos que a vantagem não é tão grande, e o que era antes essencial acaba tornando-se dispensável?

Esse é o caso dos planos de saúde, fornecidos por grandes operadoras que se beneficiam, imensuravelmente, da promessa de materialização de um direito que, em tese, deveria ser promovido pelo Estado (pensando não nas teorias críticas ao garantismo pelo Estado, mas sim na Constituição Federal). Não, os planos de saúde não são dispensáveis. Pelo contrário, são extremamente necessários, principalmente se levarmos em conta que eles estão atrelados à vida e à saúde do usuário, que vive em um país no qual a saúde pública nem sempre funciona bem. Entretanto, a venda da saúde complementar no Brasil utiliza-se de mecanismos para, de uma forma “mascarada”, retirar direitos daqueles que dela necessitam e conferir ainda mais vantagens às operadoras de planos de saúde.

Falo aqui dos contratos de planos de saúde contratados na modalidade coletiva, seja ela empresarial ou por adesão. Pode-se dizer que os beneficiários, com a expectativa de contratar um plano de saúde, são atraídos pelas operadoras a contratarem na modalidade coletiva, enquadrando-o em algum setor conveniado ao plano. O contratante, até então, apenas tem em mente a necessidade de contratar da forma mais benéfica aos seus interesses e, se possível, menos “agressiva ao bolso”.

Dessa forma, a operadora oferece valores mais baixos para os contratos coletivos do que aqueles cobrados pelos planos individuais ou familiares. Entretanto, a contratação na modalidade coletiva concede às operadoras uma maior liberdade quanto às condições do contrato, de modo que os contratos estipulados refletem muito mais os interesses das operadoras, do que os interesses dos beneficiários. Disso surge a necessidade de regular esses negócios. Contudo, a fiscalização e limitação do agir da operadora refere-se apenas aos contratos individuais ou familiares, de modo que os beneficiários de contratos coletivos ficam à mercê das tratativas firmadas entre operadora e sociedade empresária.

A saúde suplementar no Brasil é regulada e fiscalizada pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. Assim, na tentativa de firmar um contrato para adquirir um plano de saúde, visando, portanto, à garantia de proteção e apoio em momentos de sensibilidade/fragilidade. Por meio da consulta ao site da ANS, obtém-se a informação de que os planos de saúde podem ser contratados a partir de duas vertentes.

De um lado, há o contrato individual ou familiar, em que o consumidor firma-o diretamente com a operadora. De outro, há o contrato coletivo, que pode ser firmado por meio de adesão às condições gerais de contrato, redigido pela operadora de plano de saúde e pela sociedade empresária – em razão do vínculo empregatício – em benefício de seus empregados, ou, ainda, adesão às condições gerais de contratação construídas para determinado setor de classes.

Desde já é esclarecido àquele que pretende realizar essa contratação que deve tomar certas precauções. Ao contratar um plano individual ou familiar, a ANS fiscaliza e “limita o percentual de reajuste”, ao passo que, tratando-se de um contrato coletivo, a ANS apenas “acompanha os reajustes de preços”, ficando à cargo da operadora e da empresa a decisão acerca do reajuste que refletirá, por óbvio, no bolso do empregado ou integrante de classe sindical. Chama a atenção, inclusive, trecho da informação prestada àquele que pretende contratar:

Tenha em mente que, ao aderir a um contrato de plano de saúde coletivo, é como se você dissesse: “Estou de acordo com as regras desse contrato e essa empresa/sindicato/associação tem legitimidade para representar meus interesses, definir o que é melhor para mim e está autorizada a falar em meu nome sobre esse assunto.” Assim, o que for negociado entre a empresa contratante do plano e a operadora do plano valerá como regra a ser seguida por você[1].

De fato, de acordo com a informação prestada pela ANS, os contratos coletivos, sejam eles empresariais ou por adesão, apresentam maior “flexibilidade”. Mas para quem? Não podemos afirmar, categoricamente, que a flexibilidade beneficia a operadora do plano de saúde ou a sociedade empresária. Entretanto, é possível afirmar que não beneficia o usuário do serviço.

Mas qual seria o problema? Dentre eles, há o fato de que o beneficiário não poderá intervir nas tratativas do negócio. Podemos afirmar, também que as (des)vantagens são muitas, mas apenas para o usuário do serviço. As operadoras de planos de saúde, por sua vez, aproveitam para sequer oferecer aos contratantes a modalidade de contrato individual, tentando sempre enquadrar o beneficiário em algum grupo que o conceda os “incríveis” descontos da contratação coletiva.

Ao aderir às condições gerais de contratação coletiva, o empregado ou integrante de determinada classe sindical “abre mão” não só da limitação e fiscalização da ANS, mas, também, da proteção do Código de Defesa do Consumidor, conforme julgados do Superior Tribunal de Justiça, em nosso sentir, equivocados. Acontece que, ao aceitar essa modalidade de contratação, o beneficiário submete-se às tratativas firmadas entre a operadora e a sociedade empresária ou setor classista, podendo, inclusive, sofrer com reajustes baseados na sinistralidade, prática vedada quando se trata de contrato individual ou familiar.

Importante mencionar, ainda que superficialmente, uma vez que o assunto ensejaria a escrita de um novo texto, tendo em vista a sua vastidão, a estratégia utilizada pela operadora de planos de saúde com o intuito de atrair esse beneficiário, sob a promessa de preços mais amenos, é uma utilização perversa do Direito, ou seja, seduzir o usuário com vantagens oferecidas no momento da compra (“adquira um plano coletivo e você pagará menos que o contratante individual”), quando, na verdade, ao necessitar da proteção do vulnerável, ela é “retirada” do usuário, consoante os padrões decisórios atuais. Mas a questão é: qual o verdadeiro valor dessa aparente vantagem, quando se sabe que, no próximo ano, poderá o beneficiário sofrer com reajustes firmados pela operadora e a empresa, sem limitação pela ANS ou, ainda, pela legislação consumerista? Ou pior, verá o fim do seu contrato pela denúncia da operadora, sem sequer comunicar aos usuários, uma vez que o contratante, na verdade, era o seu empregador ou grupo de classes?!

Ainda que se trate de uma ideia em desenvolvimento, é possível imaginar que a razão da aparente vantagem de firmar um contrato coletivo, empresarial ou por adesão, sob a promessa de preços inferiores aos contratos individuais ou familiares, os beneficiários são privados de direitos que poderiam ser “devolvidos” aos beneficiários, sob o entendimento de que, em que pese se trate de uma contratação coletiva, a relação estabelecida venha a ser reconhecida como de consumo.

O futuro não sabemos. Dizem as operadoras que, não fossem os contratos coletivos, estaríamos próximos do “fim” da saúde suplementar no Brasil... Será?


Notas e Referências:

[1] Informações obtidas no endereço eletrônico http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/dicas-para-escolher-um-plano/formas-de-contratacao-de-planos-de-saude acesso em: 30 de maio de 2017.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Stethoscope // Foto de: Blue Coat Photos // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/111692634@N04/15945410801

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura