Coordenador: Ricardo Calcini
Conforme sabemos, as novas tecnologias, principalmente aquelas ligadas à comunicação, estão amplamente presentes em nossas vidas. Sem a pretensão de ir muito adiante na história, vimos uma grande revolução se iniciar nos anos noventa, com a popularização da internet. Na sua esteira, chegou o e-mail, alterando a forma de comunicação não apenas pessoal, mas principalmente profissional.
Em seguida, surgiu o comércio eletrônico, permitindo que passássemos a realizar compras sem sair de casa, além das redes sociais, fenômeno em constante ebulição, e que passou a criar uma nova forma – positiva ou não – de relações entre as pessoas.
Pois, quando se imaginava que esta verdadeira revolução teria sua utilização restrita aos computadores pessoais, na segunda metade da década passada se popularizaram os smartphones e seus inúmeros aplicativos, gerando uma “revolução da revolução”. Com eles, a comunicação se modificou – chegando ao ponto de tornar o e-mail relativamente obsoleto – a prestação de serviços ganhou um leque imenso de formas e opções, tornando o simples fato de pedir um táxi em uma questão que ganhou os tribunais.
E, certamente, as relações de trabalho não ficaram de fora desta grande revolução. Com efeito, não se criaram novos direitos de natureza trabalhista, mas o que vemos são estas tecnologias inseridas de tal forma nestas relações, configurando jornada extraordinária de trabalho, vínculo de emprego, danos de ordem moral entre outros.
A principal referência legislativa sobre assunto está contida na Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 6º, e principalmente seu parágrafo único, que assim determina:
Art. 6º: Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Conforme se verifica, o legislador é expresso ao prever que pouco importa se o trabalho é executado no estabelecimento do empregador, ou à distância – cada dia mais se pratica o “home office” – sendo os “meios telemáticos e informatizados” de controle e supervisão do trabalho equivalentes aos pessoais. Impende ressaltar, apenas a título de curiosidade, que o parágrafo único do artigo 6º foi inserido por meio da Lei nº 12.551, de 15/12/2011, demonstrando a necessidade do legislador de regulamentar uma forma de relação que, àquela época, já era presente.
Portanto, caso o trabalho seja controlado por meio de um aplicativo de mensagens eletrônicas – tal como o whatsapp – a subordinação será equivalente àquela realizada de forma pessoal. Certamente, a principal consequência prática desta característica de controle é a eventual ocorrência de jornada extraordinária de trabalho, caso o empregado consiga provar que, por meios informatizados, encontrava-se sujeito a uma jornada superior à legalmente estabelecida.
Outro aspecto sensível da comunicação havida por meios eletrônicos é a caracterização de eventual assédio moral, ou simplesmente de danos morais. Neste caso, o trabalhador teria uma prova documental do assédio ou do dano reclamado, o que, caso praticado de forma presencial, dependeria da produção de prova testemunhal.
Nesta mesma linha, as redes sociais também criaram novos elementos nas relações de trabalho, trazendo consequências não apenas aos empregadores, mas também aos empregados. Conforme jurisprudência, a conduta do empregado consistente em denegrir a imagem do empregador nas redes sociais enseja a rescisão do contrato de trabalho por justa causa.[1] De outra banda, merece indenização por dano moral aquele trabalhador que tem sua reputação aviltada em página da empresa.[2]
Também já é consagrado na jurisprudência o direito de monitoramento do e-mail corporativo pelo empregador, sendo que o seu uso inapropriado, de igual forma, constitui falta grave, justificando a demissão por justa causa[3].
Contudo, as características e consequências destas novas tecnologias nas relações não se restringem às de emprego formal, passando a se discutir eventual existência de vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos de transporte privado, sendo o Uber, sem sombra de dúvida, o mais conhecido deles.
Recentemente, foram noticiadas diversas ações na Justiça do Trabalho, onde os motoristas, sob a fundamentação de que trabalharam mediante subordinação, habitualidade, pessoalidade e remuneração, pleiteiam o reconhecimento de vínculo laboral. Um dos casos de maior destaque foi a reclamação trabalhista distribuída à 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG[4], onde, em primeiro grau, foi reconhecido o vínculo de emprego entre as partes. Posteriormente, foi noticiado que tal decisão foi reformada pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Contudo, como tema central deste artigo, pertinente a transcrição de parte das palavras do I. Dr. MÁRCIO TOLEDO GONÇALVES, Juiz do Trabalho que proferiu a sentença de primeira instância neste processo, tratando da necessidade de adaptação do Direito do Trabalho às novas tecnologias disponíveis na atualidade:
(...) A partir da segunda década do século XXI, assistimos ao surgimento de um fenômeno novo, a "uberização", que, muito embora ainda se encontre em nichos específicos do mercado, tem potencial de se generalizar para todos os setores da atividade econômica. A ré destes autos empresta seu nome ao fenômeno por se tratar do arquétipo desse atual modelo, firmado na tentativa de autonomização dos contratos de trabalho e na utilização de inovações destrutivas nas formas de produção.
Não há trabalho humano que não tenha nascido sob a égide do conhecimento e da tecnologia. Uma das marcas do capitalismo é exatamente esta. Da máquina a vapor à inteligência artificial, não podemos ignorar a importância dos avanços tecnológicos na evolução das relações laborais. (...)
(...) Entretanto, é essencial perceber que, ao longo de todo esse processo de evolução tecnológica do capitalismo, uma ontologia tem permanecido, qual seja, a existência de um modo de extração de valor trabalho da força de trabalho. É neste contexto que devemos perceber o papel histórico do Direito do Trabalho como um conjunto de normas construtoras de uma mediação no âmbito do capitalismo e que tem como objetivo constituir uma regulação do mercado de trabalho de forma a preservar um 'patamar civilizatório mínimo' por meio da aplicação de princípios, direitos fundamentais e estruturas normativas que visam manter a dignidade do trabalhador. (...)
(...) Portanto, devemos estar atentos à atualidade do Direito do Trabalho, esta estrutura normativa que nasceu da necessidade social de regulação dos processos capitalistas de extração de valor do trabalho alienado. Qualquer processo econômico que possua, em sua essência material, extração e apropriação do labor que produz mercadorias e serviços atrairá a aplicação deste conjunto normativo, sob risco de, em não o fazendo, precipitar-se em retrocesso civilizatório. (...)
Certamente a controvérsia sobre a questão do vínculo laboral entre os motoristas e os aplicativos não está nem próxima de se pacificar, sendo objeto de amplo debate nos Tribunais Brasileiros.
Enfim, buscamos com este artigo, e sem a pretensão de esgotar a matéria, trazer alguns pontos sensíveis desta questão, tão presente no cotidiano, e que certamente não estaria ausente das relações de trabalho. Caberá ao legislador, cada vez mais, introduzir no ordenamento jurídico normas que disciplinem expressamente a questão aqui dissertada.
Por fim, esclarecemos que o presente artigo se fundamenta no ordenamento jurídico atualmente em vigor, não tratando de alterações que poderão advir de alterações legislativas que tramitam no poder legislativo, cuja conteúdo final ainda não é definido.
Notas e Referências:
[1] TRT 2ª Região. Recurso Ordinário 0001348-60.2015.5.02.0062. 3ª Turma. Rel. Des. MÉRCIA TOMAZINHO. Publicado em 25/10/2016.
[2] TRT 2ª Região. Recurso Ordinário 0000259-09.2013.5.02.0050. 3ª Turma. Rel. Des. MARGOTH GIACOMAZZI MARTINS. Publicado em 30/11/2016
[3] TST - AIRR 1461-48.2010.5.10.0003. 3ª Turma. Rel. Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte. Publicado em 27/2/2015.
No mesmo sentido: TRT 1ª Região. Recurso Ordinário 0011175-74.2015.5.01.0078. 9ª Turma. Rel. Des. IVAN DA COSTA ALEMÃO FERREIRA. Publicado em 15/7/2016
[4] Processo n.º 0011359-34.2016.5.03.0112.