Mulheres que votam no Bolsonaro? Com este título, Vera Iaconelli publica artigo na Folha de São Paulo (11set18), indagando sobre a razão que motivaria uma mulher a sufragar Jair Messias Bolsonaro presidente da República.
“Por que votariam em um homem que não perde a oportunidade de desrespeitá-las?”, é a questão a que se propõe responder. Então, no “debate das ideias”, põe-se a refletir “sobre o lugar das eleitoras na votação que se aproxima”.
Exemplifica sua tese lembrando a naturalização da violência contra as mulheres em culturas que a praticam generalizadamente, levando-as a considerar agressões não como insulto a direitos, mas como mero fato desagradável.
Aponta a normalização do mau hábito de culpar a vítima pelo abuso de que padeça. Anota que “o sofrimento, para ser legitimado, requer o reconhecimento social”. Eu acrescentaria: e a desvalorização pública do ato abusivo.
Iaconelli lembra que padecimento pessoal em situações de vulnerabilidade explorada “não é um dado puro”. Então, “existem coisas sobre as quais nos parece legítimo reclamar e outras que supomos serem ‘mimimi’”.
Aduz que nem agressores, nem agredidos percebem a gravidade da situação. Assim as mulheres, sem indagar sua condição, embora sofram as consequências, acabam compactuando com a desvalorização a que são submetidas.
A saída é “se reconhecer primeiro como cidadã de plenos direitos e como ser humano, acima do gênero, raça ou condição social, para ser capaz de reivindicar o tratamento dado aos que são considerados cidadãos de primeira classe”.
Entretanto, a assunção à condição de cidadã não se operou plenamente no Brasil: “41% das brasileiras têm medo de lutar por seus direitos; 45% não sentem que têm plena igualdade com os homens” (https://bit.ly/2nf0J0e).
Um enredamento lhes contingencia o dispor de si: “Seja pela falta de segurança, pela proteção dos filhos, pela precariedade das condições de existência, por vergonha, poucas conseguem denunciar publicamente a violência”.
Assim é: “72% das mulheres têm medo do agressor; 33% preocupam-se com a criação dos filhos; 32% dependem financeiramente do agressor; 23% têm vergonha da agressão; 16% não conhecem seus direitos” (DataSenado2017).
Ainda um ponto impede que a mulher se desvencilhe das peias culturais: “acreditarem que merecem esse tratamento, por se identificarem com o discurso do agressor”. Por serem mulheres, merecem que se lhes retire sua humanidade”.
Até aqui, pelo exposto, adoto o texto de Vera Iaconelli. Depois, a meu ver, é articulada uma generalização que não tem cabimento. A autora acachapa as mulheres que votam em Bolsonaro numa única condição. Palavras dela:
“Assim como as mulheres descritas acima [...] as eleitoras de Bolsonaro também não reconhecem a desvalorização a que estão submetidas. Para elas, o candidato as valoriza como elas estão habituadas a serem valorizadas”.
“Não há diferença entre o que ele fala e o que elas realmente pensam de si: que são culpadas [pelas violências que sofrem]. Sendo assim, encontram no candidato a opção ideal que representa o que pensam sobre si mesmas”.
Ao final, o artigo intenta desqualificar as eleitoras de Bolsonaro, reunindo-as todas como submissas, retiradas da condição de pensadoras autônomas, equivocadas necessárias, portanto, quanto ao fundamento da sua escolha.
Isso não é verdade. Por exemplo, “Mulheres com Bolsonaro tem mais de 300 mil membros no Facebook”, e, segundo uma das moderadoras do grupo, Raquel Codá, ‘A gente é a favor da direita conservadora e da política militar’.
Em resposta ao grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, que atingiu 1 milhão de participantes [...] neste 12set18, foi criado há dois dias o grupo Mulheres com Bolsonaro#17 (oficial) em apoio ao candidato do PSL.
‘Com o Bolsonaro vai melhorar muito a segurança e as leis vão ficar mais firmes’, disse Raquel. A movimentação pró-Bolsonaro começou com a página do Facebook Damas de ferro” (Naiara Albuquerque, Exame, 14set18).
Não faltam mulheres nas organizações antipetismo. Há grupos no Facebook em que se encontram matérias bem escritas por mulheres, protestando contra o que nomeiam risco de venezualização ou cubanização do Brasil.
Há organizações de mulheres cristãs que têm pautas contra o aborto, contra política nas escolas, contra casamento gay, contra comunismo. Há outras contra a corrupção, contra a violência social, contra a desordem nas ruas.
Dei-me à pachorra de procurar e contar no Facebook grupos de mulheres contra e com Bolsonaro. Há 98 que se declaram contra, mas há 96 que se dizem a favor. Nuns e noutros estão muito bem explicitadas suas “causas”.
Minha conclusão é de que não há muita vulnerabilidade nos grupos. Muitas das contra Bolsonaro de fato são lulistas, apenas. Já as a favor do Capitão são, expressivamente, mais bolsonaras do que alienadas, submetidas, manipuladas.
Conservadorismo não tem sexo. As bolsonaras não são mulheres submissas a um líder mandão. Nada. Infelizmente, são ativas defensoras dos autoritarismos, dos privilégios, dos preconceitos que maleficiam o Brasil.
Imagem Ilustrativa do Post: Calendar Girl // Foto de: AK Rockefeller // Sem alterações
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