As mazelas de um “novo” Direito Penal e Processo Penal desgastado

26/05/2021

O Direito e Processo Penal carregam seus antepassados nas costas, quando digo isso, faço referência sobre um passado distante. Sim, aquele narrado por Cesare Beccaria, que até então achávamos que havíamos superado, ou melhor, aquele “atualmente” preconizado por Günther Jakobs[1].

Ainda, pensando nessas antigas teorias, navegando sobre esses pensamentos, realmente, eram tempos difíceis. Seres humanos totalmente dispostos a aplicar vingança estatal sem nenhum direito de defesa, penas degradantes, humilhantes, sem nenhum pudor e amor ao próximo.

Como se não bastasse, teorias inovadoras que traziam estereótipos de criminosos, criavam algumas previsões, asseverando que alguns seres humanos estariam mais propensos a praticarem determinados crimes, de acordo com cada fisionomia pessoal, a exemplo de Cesare Lombroso [2], pensando assim, imagino que naquela época existiam “bolas de cristais de fatores criminológicos”.

Contudo, se é que posso usar essa palavra, “contudo” é uma expressão usada para contradizer o que fora dito acima, contradizer, é não concordar com o que foi mencionado.

Nesta vereda, talvez, devemos usar o “porém”, para darmos prosseguimento ao tempo da escuridão. Pois é, as coisas evoluíram, lentamente, mas, evoluíram. Para tanto, ainda, estamos longe de cumprir a nossa legislação, cumprir, ao menos, a dignidade da pessoa humana. Por isso, acredito que a palavra, “contudo”, não deve ser utilizada, assim, a história continua...

Porém, caros leitores, as coisas não mudaram como deveriam mudar, ou como achávamos que mudariam ao longo do tempo, por acreditar realmente que o direito estaria em transição por todo esse período. Sim, falácias, grandes mentiras introduzidas em nossas mentes que levam algumas pessoas pensarem que vivemos tempos de paz, alguns até ousam dizer que vivemos no Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, podemos afirmar que na teoria, certamente, vivemos no Estado Democrático de Direito. No entanto, nossa realidade é diferente, pois, estamos repetindo os mesmos erros do passado.

Neste cenário outra percepção não há, em meados de 1758, Cesare Beccaria[3], em seu famoso livro dos delitos e das penas, já nos avisava sobre o desgaste do Direito Penal e Processo Penal em face dos acusados, na época, os meios de investigações firmavam sua base na tortura do investigado, na grande maioria das vezes, conseguindo uma confissão “espontânea”, ou quiçá, “informal” mediante espancamento e humilhação.

Além do mais, não podemos esquecer da forma extremamente inquisitorial do Processo Penal da época, sem nenhum direito de defesa. Consequentemente, a dignidade da pessoa humana era algo extremamente irrelevante quando o famoso “inimigo” estava sendo alvo de investigação do ente Soberano.

Como se não bastasse, temos a cereja do bolo, na grande maioria das vezes, o Magistrado era totalmente parcial, pois deveria proteger o Estado, visando necessariamente atender o clamor do público, sim, aquela sociedade que julga, condena, aplica a pena, sem conhecer nada de Direito.

Em poucas palavras, o Magistrado atuava como “Herói da Sociedade”, gosto desse termo, me parece tão atual.

Por derradeiro, as penas aplicadas eram extremamente desproporcionais, corpóreas, sem a mínima intenção de ressocialização, mas sim, a punição extrapolada desejando a morte do condenado.

Caro leitores, confesso e repito, as coisas não mudaram, somente se camuflaram, seria como aquele velho sofá na sala de casa, todo remendado prestes a se estraçalhar no chão a qualquer momento.

Mas, por obvio, comprar um sofá exigem novos gastos, demanda tempo para escolha de um bom sofá, está é a realidade. Assim, seria mais fácil comprar uma linda capa de sofá e dar o famoso “jeitinho brasileiro”, é isso que fazemos.

Feito isso, num toque de mágica o sofá ficará “novo” para receber as visitas em casa. Mas, só nós, saberíamos que o sofá poderia se espatifar no chão a qualquer tempo, porque a base continuará a mesma.

Pois bem, é isso que temos feito com o Direito Penal e Processo Penal, colocado uma bonita capa em um sofá todo quebrado em seu interior.

Isso visto que, não precisamos ir longe para observar algumas fragilidades do nosso sistema Processual Penal, temos investigações abusivas passando pelos direitos fundamentais de cada ser humano, policia com pouco investimento, um investigador para desvendar mil casos, juízes parciais, fazendo prevalecer os clamores da sociedade que pouco se importa para o direito, mas sim, querem encontrar um culpado não importa quem.

Não obstante, inventaram um novo princípio chamado “indubio pro societate” que não está previsto em local nenhum, além de ser contra o “princípio da presunção de inocência”, este último, sim, previsto na Constituição Federal.

Do mesmo modo, surgem as prisões preventivas preconizadas como regra, ao contrário do que prevê o Código de Processo Penal, através de algum dispositivo alienígena, cujo o teor é, “temos que prender para trazer uma resposta para sociedade, se não for ele no final do processo, tudo bem, talvez, ele seja inocentado”. Afinal, possuímos a carta na manga, na dúvida, utilizamos o “indubio pro societate”

Ademais, não posso esquecer de comentar sobre as nulidades arguidas, as quais, não podem ser reconhecidas, pois, não há prejuízo para o réu. Caros leitores, quando vamos apreciar a sentença. Pasme, o réu fora condenado.  O procedimento deve ser respeitado no Processo Penal, como diz nosso Ilustre Professor Aury Lopes Junior[4], Forma Processual, Formalismo, é Garantia, está em jogo a liberdade do ser humano, algo maior, previsto em Nossa Constituição Federal.

Neste Sentido, assevera o Grande Mestre Lenio Luiz Streck[5],

“Despiciendo dizer que os fins não justificam os meios. Por isso existe uma "coisa" chamada processo; e outra chamada "devido processo legal"; e mais uma, a mais importante, o Rule of Law, que é mais do que Estado de Direito. Rule of law é substância sem abrir mão da forma (forma dat esse rei)”.

No que tange a aplicação da pena, o sistema carcerário brasileiro, eu particularmente não encontro palavras para definir, parece que excluíram a ressocialização como finalidade da pena, bem como a Dignidade da Pessoa Humana.

Pois bem, me parece que estamos repetindo os mesmos erros do passado, aquele que prometemos nunca mais repetir.

No entanto, com a lei 13.964/19 , em seu artigo 3º- A, asseverou-se que “o processo terá estrutura acusatória”, até isso precisou ser dito, como se a Constituição Federal de 1988  não mencionasse sobre o tema, para o Ilustre Professor Alexandre Morais da Rosa [6]O juiz não é mais dono do processo, nem pode produzir prova de ofício; a gestão da prova é das partes”, pois é, professor, concordamos.

A inovação trazida pelo legislador, teoricamente, não seria necessária se interpretássemos a legislação infraconstitucional de acordo com a Constituição Federal e o Tratado de Direitos Humanos, o qual, tem força supralegal.

Cuidado, leitores, não há como fazer interpretações vazias, interpretar trechos da lei de forma exclusiva, fazendo a exclusão da própria Constituição Federal, interpretar o fim, excluindo, o começo e o meio.

Em que pese, existem grandes Juízes, Promotores, Advogados, Defensores Públicos, Delegados e Policiais, Aplicadores do Direito. Como ressalta o grande Professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[7],  “é preciso mudar a cultura inquisitorial que faz parte da formação das pessoas em geral”

Sendo assim, não adianta só introduzir na lei a Estrutura Acusatória, temos que mudar o nosso pensamento, esquecer o antepassado inquisitorial, se livrar deste carma que nos perturba até os dias atuais.  Desta feita, caso isso não aconteça, caros leitores, retornaremos à história do sofá.

 

 

Notas e Referências

[1] Jakobs, Günther and iManuel CancioMeliá, Derecho penal del Enemigo Civitas Ediciones, S. L., Madrid (España), 2003

[2] Lombroso, Cesare, 1885-1909. O homem delinqüente / Cesare Lombroso ; tradução Sebastião José Roque. - São Paulo: Ícone, 2007. - (Coleção fundamentos de direito

[3] Beccaria, Cesare, Dos Delitos e das Penas/ tradução Vicente Sabino Junior-São Paulo, Editora Pillares, 2013.

[4] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2020

[5] Streck, Lenio Luiz https://www.conjur.com.br/2021-jan-14/senso-incomum-questao-reconhecimento-induzido-prova-ilicita

[6] Rosa, Alexandre Morais, Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, 6º edição, Florianópolis, Emaiseditora, pag. 322.

[7] Coutinho, Jacinto Nelson de Miranda, vide https://www.conjur.com.br/2010-jan-10/entrevista-jacinto-coutinho-especialista-processo-penal

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lady Justice // Foto de: jessica45 // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/photos/lady-justice-legal-law-justice-2388500/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura