As interlocutórias e o sistema impugnativo no novo CPC: alguns questionamentos – Por José Henrique Mouta Araújo

26/03/2017

Um dos temais mais importantes e complexos do novo CPC diz respeito ao sistema de recorribilidade das interlocutórias e a possibilidade de adiamento da preclusão das questões decididas no curso do processo.

Neste aspecto, o CPC/15 esvazia o cabimento de recurso imediato contra as interlocutórias de 1º grau, ao consagrar: a) maior restrição ao recurso de agravo de instrumento (arts. 1.015), b) extinção do agravo retido, c) revisão do regime de preclusão, d) a ampliação do efeito devolutivo por profundidade do recurso de apelação (art. 1009)[1] e das contrarrazões.

É mister destacar, por oportuno, que a nova legislação atinge o regime de preclusão temporal tendo em vista que, à exceção das hipóteses expressamente previstas no art. 1015, as interlocutórias não serão recorríveis de imediato, mas apenas como um capítulo preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença ou nas contrarrazões recursais.

Ora, a restrição da recorribilidade imediata irá gerar, como consequência, a ampliação do efeito devolutivo do recurso de apelação e das contrarrazões recursais. Existem duas situações distintas que merecem destaque: i. interlocutórias com preclusão imediata, caso não seja interposto Agravo de Instrumento; ii- interlocutórias com preclusão no momento da apresentação das razões ou contrarrazões de apelação.

Com efeito, a nova legislação processual elenca a possibilidade de interlocutórias apeláveis ou mesmo impugnadas nas contrarrazões de apelação, o que, a rigor, se trata de novidade no sistema processual. Portanto, poderão existir múltiplos capítulos impugnativos na apelação e nas contrarrazões, a saber:

a) interposição bipartida, com um capítulo preliminar[2] visando discutir a interlocutória e, em seguida e em caso de não acolhimento do primeiro, outro impugnando a própria sentença.

b) interposição apenas com um capítulo discutindo a interlocutória: neste caso, dependendo do resultado do apelo, a decisão do Tribunal fará coisa julgada em relação à sentença não recorrida[3]. Esta, portanto, ficará aguardando o resultado da apelação interposta contra o capítulo referente à interlocutória anterior. Nada impede, outrossim, que a parte vencedora requeira o cumprimento provisório da sentença irrecorrida, desde ocorra uma das hipóteses do art. 1012, do CPC/15. É importante observar que o cumprimento de sentença é provisório, em que pese o vencido não ter impugnado o capítulo de mérito contido na sentença, tendo em vista que o resultado da apelação pode desconstituir o título executivo judicial como, g. na hipótese de reconhecimento de cerceamento de defesa e determinação de retorno ao grau de origem para a produção da prova que foi indeferida[4].

c) interposição de apelação com apenas o capítulo impugnando a sentença: neste caso, ocorrerá a preclusão da interlocutória não recorrida. O Julgamento do Tribunal não pode reapreciar aquela decisão anterior, em decorrência de sua estabilização no curso do processo (art. 1009, do CPC/15).

d) apresentação de peça de contrarrazões bipartida (impugnação recursal e recurso contra a interlocutória não recorrida de imediato) [5]: o recorrido apresenta, de um lado, a irresignação ao recurso do adversário e, em caso de provimento daquele, pugna pela análise da interlocutória recorrida nas contrarrazões (capítulo com pedido próprio da peça de impugnação recursal). Neste caso, ocorre um recurso de apelação do vencedor no bojo da contrarrazões, ficando, em regra[6], subordinada a sua apreciação ao resultado do julgamento do recurso de vencido (apelação subordinada). Outrossim, se o apelante requerer a desistência recursal (art. 998, do CPC/15), deverá ser analisada a manutenção do interesse recursal para o julgamento do recurso subordinado apresentado nas contrarrazões do apelado[7]. Será, portanto, um recurso apresentado nas contrarrazões à apelação, sem pagamento de custas, preparo, etc, e cujo interesse recursal pode permanecer mesmo em caso de desistência do apelante. Aliás, neste aspecto, não pode ser confundido com o recurso adesivo onde, em relação ao capítulo principal, houve sucumbência recíproca[8]. Em termos comparativos, as contrarrazões impugnando interlocutória anteriormente irrecorrível, guarda semelhança, inclusive no que respeita ao não impedimento de julgamento, ao caso de desistência da ação, estando pendente de apreciação o pedido contraposto formulado pelo réu[9]. É possível concluir, portanto, que se trata de um pedido contraposto recursal nas contrarrazões à apelação do vencido.

e) contrarrazões com apenas um capítulo, impugnando a interlocutória: neste caso, sendo provida a apelação do adversário, deve ser julgada a tese recursal contida na peça do apelado, tendo em vista a possibilidade de decretação de nulidade da sentença em decorrência de vício do processo (ex. cerceamento de defesa). Aqui também é caso de pedido contraposto recursal contido nas contrarrazões ao recurso do vencido).

f) contrarrazões com apenas um capítulo, impugnando o recurso do vencido: neste caso, ocorrerá a preclusão em relação à decisão interlocutória não impugnada (art. 1009, §1º, do CPC/15).

g) Em caso de sucumbência recíproca, como já mencionado, poderão existir até três peças apresentadas pelas partes: razões de apelação; recurso adesivo (referente ao capítulo que o recorrido foi derrotado – art. 997, §§1º e 2º, do CPC/15); contrarrazões à apelação, impugnando o recurso do adversário e, se for o caso, suscitando um capítulo referente à interlocutória não agravável de imediato.

Como se percebe, a solução dada pelo CPC/15 em relação às interlocutórias irrecorríveis de imediato, gera uma multiplicidade de alternativas e pela revisão dos conceitos ligados à preclusão e ao efeito devolutivo da apelação e das contrarrazões. Além disso, pode ensejar um número maior de sentenças anuladas em decorrência de vícios processuais constantes do andamento do processo e a ampliação do cabimento de mandado de segurança contra ato judicial.[10]


Notas e Referências:

[1] “Entendemos que tal inovação possui o condão de simplificar a recorribilidade das decisões interlocutórias. Afinal, se, sob a égide do CPC de 1973, cabe à parte ratificar o agravo retido na preliminar de apelação/contrarrazões, mais simples se afigura dispensá-la de interpor previamente o recurso de agravo retido, concentrando a impugnação das decisões interlocutórias no próprio recurso de apelação”. HILL, Flávia Pereira. Breves comentários às principais inovações quanto aos meios de impugnação das decisões judiciais no novo CPC. In Novo CPC doutrina selecionada, v. 6: processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. DIDIER JR, Fredie (coordenador geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (organizadores). Salvador: Podivm, 2015, p. 367.

[2] Preliminar em relação à irresignação contida na apelação. Contudo, este capítulo preliminar, também tem o seu mérito recursal, ligado à questão resolvida no curso do processo e que poderá, dependendo do resultado do julgado, prejudicar a análise do mérito recursal ligado ao capítulo que o recorrente impugna os vícios da sentença.

[3] Vale citar as lições de Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: “É possível, ainda, que o vencido interponha apelação apenas para atacar alguma interlocutória não agravável, deixando de recorrer da sentença. Não é incomum haver decisão interlocutória que tenha decidido uma questão preliminar ou prejudicial a outra questão resolvida ou decidida na sentença – a decisão sobre algum pressuposto de admissibilidade do processo, por exemplo. Impugnada a decisão interlocutória, a sentença, mesmo irrecorrida, ficará sob condição suspensiva: o desprovimento ou não conhecimento da apelação contra a decisão interlocutória; se provida a apelação contra a decisão interlocutória, a sentença resolve-se; para que a sentença possa transitar em julgado, será preciso aguardar a solução a ser dada ao recurso contra a decisão interlocutória não agravável, enfim”. Apelação contra decisão interlocutória não agravável: a apelação do vencido e a apelação subordinada do vencedor. Revista de Processo, vol 241, São Paulo: RT, março/2015, p. 235.

[4] Questão interessante é indagar se esta apelação tem ou não efeito suspensivo legal, eis que, apesar de ser manejada contra a sentença, tem o seu móvel uma interlocutória que não era agravável no momento de sua prolatação.

[5] No tema, escreve Vinicius Silva Lemos: “existe, de forma excepcional, a hipótese do vencido interpor apelação somente para falar sobre a decisão interlocutória, sem mencionar a sentença. É uma possibilidade um tanto arriscada processualmente, se a apelação for provida, consequentemente, há impacto na sentença, com possível anulação e retorno do processo àquele momento da decisão. De todo modo, com o improvimento, sem impugnação sobre a sentença, o tribunal não obteve a devolutividade sobre esta, não podendo julgar nada sobre ato sentencial”. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. São Paulo: Lexia, 2015, p. 153.

[6] Considerando que as contrarrazões possuem um capítulo recursal subordinado, me parece que a desistência recursal (art. 998, do CPC/15) pode ser apresentada e trará, como consequência, na maioria das vezes, o julgamento prejudicado do apelo do recorrido, em decorrência de sua dependência. A propósito, não há nenhum prejuízo imediato a este, tendo em vista que o recurso impugnado decisão interlocutória em demanda que, ao final, a sentença foi a seu favor. Contudo, em algumas situações o interesse no julgamento do recurso contido nas contrarrazões pode permanecer. Sobre esta subsistência de interesse recursal, vale citar a seguinte passagem: “as interlocutórias impugnáveis nas contrarrazões serão devolvidas ao Tribunal. Pode, é claro, acontecer que o “recurso” (=contrarrazões de apelação) não seja conhecido por falta de interesse. Mas pode haver casos em que o interesse sobreviva. Imagine-se que o juiz tenha fixado um valor para a causa no início do processo, por meio de decisão de que não cabe recurso. Afinal, na sentença, fixam-se os honorários com base nesse valor. Mesmo que o apelante desista da apelação, as contrarrazões terão devolvido a impugnação a esta interlocutória e o vencedor no mérito tem direito a ver esta questão apreciada pelo Tribunal”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1440.

[7] “Qual a condição para julgar a apelação do vencedor, constante nas contrarrazões? O provimento da apelação do vencido. É uma condição, somente nesta hipótese há o julgamento daquele recurso interposto”. LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. São Paulo: Lexia, 2015, p. 155.

[8] Nada impede que, em determinada situação concreta, o apelado parcialmente derrotado apresente, no prazo das contrarrazões, a antítese ao recurso do apelante, a sua impugnação em face da interlocutória anterior (art. 1009, §1º) e a apelação adesiva (art. 997, §1º). Apenas este último não será conhecimento automaticamente e, caso de desistência ou inadmissibilidade da apelação principal (art. 997, §2º, III).

[9] Rogério Licastro Torres de Mello, ao comentar o §1º, do art. 1009, do CPC/15, faz a mesma comparação. In Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2237.

[10] Sobre o cabimento de mandado de segurança contra ato judicial no novo CPC, ver ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de Segurança – 5ª edição. Salvador: Juspodivm, 2015, pp. 363-379.


 

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