AS DIFICULDADES NA CONCRETIZAÇÃO DA AGENDA 2030: COMO AS PLATAFORMAS DIGITAIS E A PANDEMIA DE COVID-19 ATRASAM OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL  

04/12/2020

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Em 2015, a Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável estebeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) [1]. Tais objetivos compõem a chamada Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, orientando as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional no referido período. Este texto propõe uma reflexão sobre como as formas de trabalho e consumo viabilizadas por meio das plataformas digitais dificultam a concretização da Agenda 2030.

De início, importa destacar que, embora sejam 17 objetivos que compõem a Agenda 2030, estes são traçados por 169 metas interconectadas, de modo que, a concretização de uma delas, acarreta um significativo avanço para as demais. Pode-se citar entre os objetivos delimitados a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, o crescimento econômico sustentável, cidades sustentáveis, água limpa e saneamento.

No entanto, a previsão de concretização, ainda que parcial, dos objetivos até 2030 não se encontra no ritmo esperado. O cenário causado pela pandemia de COVID-19 em 2020, trouxe retrocessos substanciais para a concretização da pauta da Agenda 2030. Por um lado, espera-se que a desigualdade econômica aumente e, por outro, o amplo crescimento do desemprego e dos sub-empregos constituem um forte óbice à concretização dos objetivos da Agenda 2030.

Para fins de ilustração sobre a relação de interdependência entre os ODS, convém uma análise pormenorizada de alguns deles. O ODS 8 (Trabalho decente e crescimento econômico) parece ser o pilar central da concretização do ODS 1 (erradicação da pobreza) e ODS 10 (redução das desigualdades). Ainda, é possível perceber a intersecção do ODS 8 aos ODS’s 9 e 12, que preveem indústria, inovação e infraestrutura e consumo e produção responsáveis, respectivamente. Dessa forma, verifica-se que um mercado de trabalho aquecido, com geração de empregos e renda, são aspectos inerentes as ODS. Por consequência, denota-se que a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades estão inerentemente ligadas a melhora na renda e na qualidade de vida da população, necessitando que a economia e a política estejam voltadas para a garantia de trabalho decente e renda.

A reflexão que cabe, portanto, é se as plataformas digitais têm viabilizado formas de consumo e de trabalho que são favoráveis ou prejudiciais à concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. As mais variadas plataformas digitais que atuam no Brasil e possibilitam um consumo rápido, como, por exemplo, aplicativos de entrega de comida e compras de supermercado, são um claro exemplo de inovação tecnológica, fruto da Revolução Informacional, sendo chamados, até mesmo, de modelos disruptivos [2]. Porém, qual a efetiva colaboração desses modelos de negócios para a concretização dos objetivos e metas da Agenda 2030? Percebe-se que o grande fluxo de motocicletas e automóveis circulando nos centros urbanos, realizando entregas e transporte de passageiros, representa um obstáculo à estruturação de uma cidade sustentável, dotada de um sistema de mobilidade urbana planejado e não poluente.

Juliet Schor, pesquisadora pioneira sobre os estudos da economia do compartilhamento, em recente artigo, analisou possíveis efeitos de uma generalização da economia do compartilhamento em um contexto de crise sanitária global:

 

The COVID-19 pandemic has exposed deep socioeconomic fault lines in many countries, including poor occupational conditions for the app-based gig workers who drive, shop, deliver, clean, run errands, and, more recently, provide care work. Many gig workers have reported difficulties accessing personal protective equipment, sick pay, and medical care. Demand for ride-hails, care work, and other services has collapsed, compounding chronic problems in the sector, such as low pay, oppressive algorithm-based supervision, and arbitrary dismissal.[3]

 

O cenário precisamente sintetizado pela autora é bastante fiel ao que a economia do compartilhamento tem apresentado desde o seu surgimento. Em pouco mais de uma década, considerando a sua vertiginosa expansão, com um início em que oferecia a possibilidade de compartilhamento de bens e redução do consumo desmedido, bem como formas alternativas de geração de renda, atualmente encontra-se perfeitamente adaptada às engrenagens do capitalismo global.

Nesse sentido, demonstra-se necessária uma mudança estrutural dos incentivos às inovações tecnológicas, redirecionando a atuação das novas tecnologias para o auxílio de dificuldades humanas urgentes. Com efeito, os ODS possuem uma preocupação com o alcance de um meio ambiente sustentável, sempre em sintonia com o desenvolvimento sustentável, que inevitavelmente passa pela proteção ao trabalho digno e por uma reestruturação das formas de consumo.

Fenômenos como a economia do compartilhamento, gig-economy e a uberização, derivados dos processos de globalização e de políticas econômicas neoliberais, apresentam-se como modelos passíveis de hegemonia no futuro próximo. Dessa forma, embora o individualismo e a concorrência sejam marcas de toda e qualquer relação social existente em uma sociedade neoliberal, a irresignação a tais termos é postura necessária para a criação de alternativas.

Sinais sobre a importância desse enfrentamento foram deixadas por Klaus Schwab, em texto bastante recente, em que tratou sobre algumas consequências possíveis da pandemia de COVID-19.

 

Free-market fundamentalism has eroded worker rights and economic security, triggered a deregulatory race to the bottom and ruinous tax competition, and enabled the emergence of massive new global monopolies. Trade, taxation, and competition rules that reflect decades of neoliberal influence will now have to be revised.[4]

 

O enunciado bastante assertivo de Klaus Schwab, chefe-executivo do Fórum Econômico Mundial, não pode ser subestimado. A irrefreável desigualdade socioeconômica, somada ao contexto da crise global desencadeada em razão da pandemia provocou mudanças radicais de posicionamento em diversas entidades nacionais e internacionais. Confrontar o neoliberalismo desenfreado não é mais uma postura exclusiva de ativistas ou militantes, pelo contrário, é tarefa que está sendo assumida por insuspeitos líderes que tentam garantir a existência de um amanhã mais digno.

 

Notas e Referências

[1] ONU. A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. NY. 2015. Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/Agenda2030-completo-site.pdf. Acesso em 29 nov 2020.

[2] CHRISTENSEN, Clayton M. O Dilema da Inovação: Quando as Novas Tecnologias levam empresas ao fracasso. 2012. São Paulo. M. Books do Brasil Editora LTDA.

[3] SCHOR, Juliet. Greening the Gig. In: Project Syndicate. S. I] 13 out. 2020. Disponível em: //www.project-syndicate.org/onpoint/gig-platform-economy-climate-friendly-cooperatives-by-juliet-schor-2020-10. Acesso em: 23 nov. 2020.

[4] SCHWAB, Klaus. Post covid capitalism. In: Project Syndicate. [S. I.] 12 out. 2020. Disponível em: https://www.project-syndicate.org/commentary/post-covid-capitalism-great-reset-by-klaus-schwab-2020-10. Acesso em: 23 nov. 2020.

 

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