AS AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERÊNCIA VIERAM PARA FICAR?

17/08/2020

A pandemia do novo coronavírus tem causado inúmeros sobressaltos em praticamente todas as relações humanas, mormente a partir da declaração, pela OMS, da emergência de saúde pública de importância internacional em 30/01/2020[1]. O enfrentamento dessa crise sanitária gera reflexos em todas as atividades humanas, a exemplo da saúde, educação, trabalho, consumo, esporte, economia, política, administração pública, relações internacionais e, destaca-se aqui, o funcionamento do Poder Judiciário.

O direito, como regulador dos fatos sociais, busca acompanhar as novas necessidades para fazer frente ao contexto pandêmico. Nesse sentido, foi aprovada e sancionada a Lei 13.979/20 com o objetivo de dispor sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, bem como foi aprovado o Decreto Legislativo nº 6 de 2020 que reconhece o estado de calamidade pública federal em razão da pandemia. A partir daí, diversas modificações legislativas foram implementadas no Brasil, mormente a partir do início do mês de março/2020, muitas via medidas provisórias.

Ao mesmo tempo, diversos tribunais nacionais editaram atos normativos que suspenderam os expedientes presenciais e os prazos processuais, tanto de processos físicos como de processos eletrônicos, tudo com o justificado fim de evitar a contaminação dos públicos interno e externo pelo novo coronavírus. E nesse pacote de suspensões estão incluídas as audiências e as sessões de julgamento presenciais e o atendimento ao público em geral.

O Conselho Nacional de Justiça buscou regulamentar de maneira uniforme a questão. Inicialmente, editou a Resolução nº 313/20[2] que instituiu o regime de plantão extraordinário do Poder Judiciário que garantia o acesso à Justiça com destaque para as matérias previstas em seu artigo 4º. O artigo 5º do referido ato normativo suspendeu os prazos processuais em geral até o dia 30/04/2020 e o artigo 6º disciplinou o trabalho remoto de magistrados e servidores.

O passo seguinte do CNJ foi editar a Resolução nº 314/20[3] que prorrogou o regime de plantão extraordinário. Essa Resolução, muito mais detalhista quanto ao aspecto da prática processual durante a pandemia, liberou em seu artigo 3º a fluência dos prazos processuais dos processos eletrônicos a partir de 04/05/2020 e estabeleceu as hipóteses em que a prática dos atos processuais e a fluência dos prazos seria suspensa por impossibilidade técnica ou prática de sua realização. Posteriormente, o CNJ editou a Resolução nº 322/20[4] que estabeleceu critérios para a retomada dos serviços presenciais no âmbito do Judiciário, observadas as ações necessárias para prevenção de contágio pelo novo coronavírus.

A grande novidade da resolução nº 314/20 foi estabelecer, no artigo 6º, a possibilidade de realização de audiências e de sessões de julgamento por juízos e tribunais via videoconferência, recomendando a utilização da plataforma “Cisco Webex” disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça. A utilização da plataforma “Cisco Webex” está regulamentada na Portaria nº 61/20 do CNJ[5]. Este ato normativo prevê a gravação audiovisual do conteúdo das audiências e das sessões de julgamento e o armazenamento do arquivo no sistema “PJe Mídias”.

Em complemento às disposições gerais estabelecidas pelo CNJ, os demais conselhos, corregedorias e tribunais nacionais editaram normas com vistas a regulamentar a realização das audiências por videoconferência. O Ato nº 11/CGJT[6] e o Ato Conjunto CSJT GP GVP CGJT Nº 6[7] regulamentaram a prática das audiências e das sessões de julgamento por videoconferência no âmbito da Justiça do Trabalho. De redação muito semelhante à que consta na Resolução 314/20 do CNJ, o Ato Conjunto nº 6/20 estabelece em seu artigo 15 que preferencialmente será utilizada a plataforma “Cisco Webex – CNJ”, não excluindo a utilização de plataformas análogas, e em seu artigo 16 estabelece as datas de retorno de cada espécie de audiência trabalhista.

Já o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG editou a Portaria 6.414/CGJ/2020[8] que disciplina o procedimento experimental de realização de audiências por videoconferências nas unidades judiciárias da Justiça de Primeira Instância do Estado de Minas Gerais. Também elegendo a plataforma “Cisco Webex – CNJ” para a realização das audiências por videoconferência, é destaque do ato normativo o seu artigo 4º, pois ele estabelece que os juízes, os advogados, os membros do Ministério Público e de Defensoria Pública e os demais participantes da audiência realizarão o ato via videoconferência. No entanto, aquele que será interrogado/ouvido deverá comparecer ao fórum para que, na presença de um servidor que certifique o isolamento e a incomunicabilidade do ato da audiência, preste o seu depoimento (art. 4º, § 1º). No caso, as audiências regulamentadas pela   Portaria 6.414/CGJ/2020 são semipresenciais.

A realização de audiências telepresenciais ou semipresenciais significa o cume da virtualização do processo. Esse movimento iniciou-se com a edição da Lei nº 11.419/06 (Lei do Processo Judicial Eletrônico), evoluiu com o surgimento das primeiras plataformas digitais de processos eletrônicos, com destaque para o PJe “Processo Judicial Eletrônico” do CNJ, e ganhou força com a edição do Novo Código de Processo Civil, que em várias passagens faz menção ao processo virtual (a exemplo dos artigos 198 e 334, § 7º). A pandemia do novo coronavírus forçou o Judiciário a se virtualizar por completo, pois, além do PJe já existente, houve: a) a criação de canais de atendimento virtuais para partes e procuradores; b) a realização de atermação de ações via online; c) a realização de audiências e de sessões de julgamento telepresenciais. Ou seja, praticamente todos os atos de um processo judicial foram, de alguma forma, virtualizados.

A questão que deve ser colocada é que a virtualização forçada pela crise sanitária inegavelmente influenciará a prática processual pós-pandemia, principalmente aquelas ligadas à audiência. Antes da pandemia de COVID-19, a realização de audiências por videoconferência ocorria apenas em casos isolados nas esferas cível, penal e trabalhista. Hoje, a prática processual em períodos de pandemia tem demonstrado que muitas audiências, mormente aquelas destinadas às tentativas de conciliação, mediação, iniciais e saneamento do feito, podem ser realizadas por videoconferência para fins de melhorar a gestão da pauta de audiências e para se evitar o deslocamento desnecessário das partes e de seus procuradores para o ambiente forense.

As audiências de conciliação e de mediação previstas no artigo 165 do CPC realizadas pelos CEJUSC’s em feitos de índole cível, as audiências de saneamento previstas no artigo 357, § 3º, do CPC, as audiências iniciais para a tentativa de conciliação e para o recebimento de defesa na Justiça do Trabalho e qualquer outra audiência que possua o intuito conciliatório, nas fases de conhecimento ou de cumprimento de sentença, podem muito bem ser realizadas por videoconferência. A experiência vem demonstrando que a conciliação realizada por videoconferência ocorre da mesma forma que a realizada na via presencial. No futuro, as audiências por videoconferência de conciliação, mediação, iniciais, saneamento do processo, dentre outras, poderão compor pautas virtuais distintas das pautas presenciais destinadas àqueles processos em que seja importante e/ou recomendável a presença física dos sujeitos processuais, compondo, assim, o acervo de audiências da unidade jurisdicional.

Mesmo após o fim da pandemia, as audiências por videoconferência serão um importante instrumento de gestão da pauta de audiências. As audiências mais simples, onde não há, via de regra, a prática de atos de instrução, poderão permanecer exclusivamente em pauta telepresencial. E todos sairão ganhando: a) as partes, seus procuradores, membros do MP e da Defensoria Pública, dentre outros, que não precisariam gastar o seu tempo deslocando-se para o recinto do fórum; b) os magistrados, que teriam um importante instrumento de gestão e de otimização da pauta de audiências, liberando tempo na pauta presencial para a apreciação dos processos que realmente necessitam da presença física dos sujeitos processuais, principalmente aqueles que necessitam de produção de prova oral.

Com relação à realização das audiências de instrução, entende-se que, para a colheita da prova oral e a formação do convencimento do julgador, é importante que a audiência seja realizada em pauta presencial. A imediação do magistrado com relação à prova oral produzida (princípio da imediatidade), com a percepção, por exemplo, dos gestos, feições, segurança ou insegurança da testemunha ao responder as perguntas, parece restar, por vezes, comprometida pela videoconferência. O poder de polícia do magistrado também resta prejudicado quando quem vai ser ouvido não está na presença de um agente público que ateste a sua incomunicabilidade, não havendo como se verificar se há alguma contaminação do depoimento. Por fim, são inegáveis os problemas de conexão que ocorrem durante as audiências por videoconferência, a exemplo de ausência de áudio e/ou vídeo dos interlocutores ou quedas de acesso por ausência de qualidade da conexão da internet, o que pode comprometer a colheita dos depoimentos.

A solução semipresencial adotada pelo TJMG na Portaria 6.414CGJ/2020 é a mais ideal para o momento ao prever que quem vai ser ouvido o seja diante de um servidor que certifique a incomunicabilidade do depoimento, oitiva que deve se dar, logicamente, num ambiente que apresente a devida segurança sanitária para se evitar a contaminação. No entanto, após a pandemia, sugere-se que essa espécie de audiência semipresencial de instrução seja adotada em casos tópicos, como na situação de ser necessária a oitiva de uma testemunha que se encontre em jurisdição diversa.

Destarte, conclui-se que a pandemia do novo coronavírus modificará para sempre a praxe processual brasileira. E uma dessas modificações que vieram para ficar é a realização de audiências telepresenciais de nenhuma ou de baixa complexidade, mormente as iniciais, as de saneamento do feito, as de conciliação e as de mediação. Não será incomum, num futuro próximo, a elaboração de pautas telepresenciais e semipresenciais distintas das pautas presenciais. Tudo com o fim de otimizar a pauta de audiência e o serviço em geral da unidade judiciária, contribuindo, assim, para a razoável duração do processo.

 

Notas e Referências

[1] OMS declara emergência de saúde pública de importância internacional por surto de novo coronavírus. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6100:oms-declara-emergencia-de-saude-publica-de-importancia-internacional-em-relacao-a-novo-coronavirus&Itemid=812>. Acesso em: 14 ago. 2020.   

[2]     BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 313 de 19 de março de 2020. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original221425202003195e73eec10a3a2.pdf> Acesso e: 14 ago. 2020.

[3]     BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 314 de 20 de abril de 2020. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original071045202004285ea7d6f57c82e.pdf > Acesso e: 14 ago. 2020.

[4]     BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 322 de 01 de junho de 2020. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original155647202006025ed676bf4c0d5.pdf > Acesso e: 14 ago. 2020.

[5]     BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Portaria nº 61 de 31 de março de 2020. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original221645202004015e8512cda293a.pdf> Acesso e: 14 ago. 2020.

[6]     BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Ato nº 11/CGJT de 23 de abril de 2020. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/171013/2020_ato0011_cgjt.pdf?sequence=1&isAllowed=y > Acesso e: 14 ago. 2020.

[7]     BRASIL. Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Ato Conjunto CSJT GP GVP CGJT Nº 6 de 05 de maio de 2020. Disponível em: <http://www.csjt.jus.br/documents/955023/7642229/Ato+006.20+05.05.20.pdf/2c8d04ff-32dd-925e-6402-74befc60069a?t=1588710352086 > Acesso e: 14 ago. 2020.

[8]     MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Portaria nº 6.414/CGJ/2020. Disponível em: <https://www.tjmg.jus.br/data/files/3B/C3/40/DC/DC5E1710635D2A175ECB08A8/Portaria%206414-2020.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2020. 

 

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