Ensinar o direito e a advocacia é uma tarefa política de altíssima relevância.
Essa tarefa é ainda mais importante num país como nosso, marcado por absurdas desigualdades, ou seja, ensinar o direito implica tomar posição quanto à função social da escola jurídica (faculdade, cursos de pós-graduação, etc.), não sendo possível abrir mão de fazer escolhas no campo metodológico, privilegiando o conhecimento especulativo ou dando ênfase ao conhecimento aplicado, sempre percebendo que não é admissível pensar uma ciência jurídica neutra, na qual os conceitos são utilizados como números para a matemática, como se questões sociais e econômicas profundamente complexas pudessem ser resolvidas com fórmulas matemáticas. Pensar a metodologia de ensino do direito é promover o encontro do método com a sua razão de ser, ou seja, a falsa ideia da neutralidade não pode mais servir de retórica de fundamentação dos programas dos cursos jurídicos. Há que se escancarar o caráter profundamente comprometido de cada papel dentro do mundo do direito. Não há papéis neutros, isso sempre nos lembra o pai da Socionomia, Jacob Levy Moreno.
Por isso, a escola e, por consequência, o professor, deve assumir sua condição de local de discussão, de reflexão, de debate, de diálogo, o que implica assumir explicitamente que o direito é linguagem (exercício de poder) e que isso não acontece num tubo de ensaio ascético, no espaço de laboratório, mas no multiforme e cambiante espaço da hermenêutica. Por assim ser, cumpre chamar a atenção para a questão da importância da metodologia, não como detalhe formal, como simples questão burocrática ou formulária, mas como definição da estrutura da escola como palco do encontro das mais diversas opiniões e, assim, sua formatação com espaço de liberdade do ser, enquanto locus propício para o florescimento da espontaneidade (J. L. Moreno).
O professor de uma escola jurídica deve estar atento ao seu papel de mediador de um debate sobre como aprender, como ser e como fazer o direito na vida vivida, tendo em mente o treinamento da espontaneidade do aluno. Nesse processo, o professor deve ter o cuidado para permitir que aconteça o Encontro, momento essencial e fugaz da ligação do EU-TU, para citar Bubber e Moreno.
Cada professor passa por um conjunto de escolhas no bojo das quais deixa evidente as hierarquizações que estruturam o recorde teórico e metodológico que define sua perspectiva docente. É nesse momento o aluno deve entrar como ponto de partida e de chegada. Não é possível admitir a massificação do ensino jurídico (aliás, em nenhum nível). Nas suas escolhas, cada escola e cada professor devem ter em mente a criação de situações de Campo Relaxado em sala de aula, momentos de cuidado (segurança e proteção) capazes de gerar a capacidade de liberação da espontaneidade.
A sala de aula, notadamente nos modelos de ensino clássico, com professor no centro do tablado e alunos postados milimetricamente organizados em suas cadeiras e mesas, ouvindo o monólogo das teorias insípidas e inodoras, forma uma série de ótimos advogados, juízes e promotores, mas é Cama de Procusto para muitas outros corpos mais agitados, outras almas mais selvagens, certamente mais extrovertidas, menos domináveis, mais necessitadas de liberdade e de espaço para seu desenvolvimento.
Nesse particular, merece reflexão o fato de que instituições realmente diferentes em seus formatos e propósitos possuem o mesmo programa, as mesmas disciplinas e a mesma metodologia em sala de aula. Mesmo completamente diferentes, ensinam as mesmas coisas e da mesma forma. Essa homogeneidade contraria a multiplicidade e a complexidade das disciplinas jurídicas, do tipo de alunos, da questão cultural de cada região, demonstrando que há uma uniformização no modo de se falar sobre o direito e o método é o fator determinante para a estabilidade desse contexto, como se houvesse a possibilidade ideologicamente neutra de apresentação dos fenômenos jurídicos. Realmente, não é possível negar a relação existente entre o modo de pensar o direito e os modo de ensiná-lo.
Mas professores não começam do zero a montagem do seu programa de aula e, invariavelmente, estão limitados pelo quadro programático da escola ao qual devem aderir. Portanto, um professor, ao fazer a suas escolhas, passa pelas decisões sobre o que ensinar dentro do quadro apresentado pela Instituição, ficando restrito a decidir quando ensinar e com que profundidade ensinar. Tais escolhas, limitadas pela estrutura dos cursos, repita-se, vai determinar a lógica de desenvolvimento do ensino, estabelecendo uma matriz a partir da qual os estudantes pensarão o direito e articularão este pensamento com a prática profissional. É a arte de reduzir a complexidade das coisas para facilitar a assimilação.
Há, pois, sempre (mesmo que isso não seja de propósito), uma estratégia de ensino que determina como o aluno vai operar no direito e isso é bem evidente, por exemplo, nessa questão teoria e prática, pois o aluno, ou aprende que deve fazer uma boa relação da teoria com a prática ou será treinado para entender que não há duas coisas distintas, senão, apenas, partes do mesmo todo indissociável.
A escola tradicional do direito ainda divide o saber teórico do saber prático do direito, como se pudessem ser trabalhados como duas coisas distintas, como se o aluno fosse treinado para conhecer, sem mundo, para depois fazer acoplamentos ou acoplagens do mundo à teoria ou vice-versa. Profissionais bem-sucedidos no direito, geralmente, são aqueles capazes de converter o conhecimento teórico em instrumentos úteis para a atividade profissional.
Como isso acontece? Errando.
Sem treinamento do papel profissional, os alunos terminam a faculdade sem o mínimo conhecimento a respeito de nenhuma das profissões ligadas ao direito, salvo aqueles que, por sua visão de futuro, foram atrás de estágios. Mesmo esses, porque geralmente não existem muitos estágios em escritórios de advocacia, apenas aprendem o funcionamento das agências estatais. No caso do direito criminal, a situação é ainda mais difícil, exatamente pela falta de oportunidades de estágio em escritórios.
O que eu estou dizendo é que a escola tradicional modela o ensino para um tipo de aluno com foco na formação de um tipo de profissional do direito, desde a perspectiva da neutralidade da ciência, no bojo da qual, incumbe à escola do direito ensinar a teoria com a qual o futuro bacharel poderá desincumbir-se das questões práticas do mundo da vida. Estou dizendo que a sala de aula nas escolas jurídicas não é um espaço aberto ao treinamento da espontaneidade, porque reivindica um modo de ser no mundo pré-concebido ao qual o acadêmico deve ajustar-se sob pena de não encontrar espaço, nem mesmo contar com a possibilidade de aprovação, considerando também o modelo de avaliação institucional.
Ora, os alunos deveriam aprender a ser criminalistas e a fazer a advocacia criminal ainda na faculdade (nas outras áreas também). Os alunos querem que a faculdade seja uma escola de formação para o desempenho profissional no âmbito do Direito, ou seja, buscam na escola jurídica os recursos necessários para atuação em algum dos diversos campos de atuação profissional possível para os bacharéis. A escola deve ensinar a ser, ensinando como se faz.
Por isso, no centro desse processo estão a escola, o professor e suas decisões pedagógicas, que podem estar ou não sintonizadas com as expectativas dos alunos.
É inevitável e urgente discutir o modo como se ensina direito nas escolas jurídicas, reconhecendo a importância da metodologia como elemento político de definição do papel do advogado em solo brasileiro nesta quadra do tempo.
Mais não digo.
Imagem Ilustrativa do Post: Making of - Faculdade - 2008 Preto (29) // Foto de: Alexandro Silva // Sem alterações
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