Aposentadoria obrigatória em empresa privada para um empregado com base apenas na sua idade

04/06/2019

Ainda que em outros países, esse tipo de programa possa ser usual, no Brasil, a situação é muito delicada e deve ser examinada sob diferentes regras, considerando as leis brasileiras que regem o contrato de trabalho, a aposentadoria compulsória e a proteção aos idosos. E mais do que isso, a jurisprudência sobre esse assunto.

LEI BRASILEIRA E JURISPRUDÊNCIA

O sistema de direito brasileiro aceita a convenção internacional, ratificando os acordos internacionais em seu sistema legal. Considerando esse assunto, o Brasil ratificou a Convenção OIT nº 111 que protege a relação de trabalho contra qualquer discriminação:

Convenção OIT 111 - DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO

Decreto n. 62.150, de 19.1.68

Arte. 1 - 1. Para os fins desta Convenção, o termo "discriminação" inclui:

uma) ...... ..

B) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha como efeito anular ou prejudicar a igualdade de oportunidades ou tratamento em trabalho ou profissão, conforme determinado pelo Membro (...)

Vige ainda, no Brasil, a lei nacional que protege qualquer relação de trabalho contra a discriminação mesmo antes da contratação, é a Lei nº 9.029/95:

Lei nº 9029, de 13 de abril de 1995.

Art. 1º. É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e restritiva para fins de acesso à relação de trabalho ou manutenção, em razão do sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, exceto neste caso, a Estojos de proteção para menor incluídos no item XXXIII do art. 7 da Constituição Federal.

Existe também uma lei específica que protege o idoso, que é o estatuto da cidadania senil 10.741, que estabelece:

Lei nº 10.741, de 2003 1º de outubro - Estatuto de idosos

Art. 26. Os idosos têm o direito de praticar a atividade profissional, respeitando suas condições físicas, intelectuais e psicológicas.

Art. 27. Após a admissão dos idosos em qualquer trabalho ou emprego, é proibida a discriminação e a fixação do limite máximo de idade, incluindo os concursos, exceto nos casos em que a natureza do trabalho exigir.

Assim, ao analisar essas regras, à primeira vista está proibida qualquer rescisão da relação de trabalho baseada apenas na idade do empregado.

Esta é a posição do TST, conforme o julgamento abaixo:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA POR IDADE. NULIDADE. ABUSO DE DIREITO. REINTEGRAÇÃO. Se das premissas fáticas emergiu que a empresa se utiliza da prática de dispensar seus funcionários quando estes completam 60 anos, imperioso se impõe ao julgador coibir tais procedimentos irregulares, efetivados sob o manto do poder potestativo, para que as dispensas não se efetivem sob a pecha discriminatória da maior idade. (…) A despedida levada a efeito pela reclamada, embora cunhada no seu direito potestativo de resilição contratual, estava prenhe de mácula pelo seu conteúdo discriminatório, sendo nula de pleno direito, em face da expressa disposição do art. 9º da CLT, não gerando qualquer efeito, tendo como consequência jurídica a continuidade da relação de emprego, que se efetiva através da reintegração.(…) Recurso de revista não conhecido relativamente ao tema.” (TST; 5ª T.; RR 462.888/1998.0; Rel. Juiz Convocado André Luís Moraes de Oliveira; DJ 26.09.03)”

De acordo com a legislação trabalhista brasileira, o processo contra este tipo de rescisão do contrato de trabalho pode ser discutido pelo próprio empregado ou pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que tem o direito de processar as empresas em defesa dos direitos difusos e coletivos usando a ação civil pública para anular a política de aposentadoria compulsória, conforme observado na jurisprudência abaixo:

DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. IDADE FATOR DISCRÍMEN. VIOLAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL (ARTS. 1º, IV, 3º, IV, 5º, CAPUT, II E XXXVI, 7º, I, XXX E XXXI, 170, CAPUT) E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. READMISSÃO AUTORIZADA PELA LEI Nº 9.029/95. ART. 1.090 DO CC. Imperiosa a declaração de nulidade das despedidas dos empregados relacionados em ação civil pública, com consequente readmissão dos mesmos no emprego se, da prática aparentemente neutra do ato imotivado perpetrado pela ré, sobressai a malsinada discriminação indireta. Logo, constatado que no caso em concreto, dentre os dispensados, a maioria detinha o componente apontado na inicial como discriminatório (idade compreendida na faixa dos quarenta e quarenta e poucos anos), cujo resultado deletério se afastou dos propósitos das regras pactuadas para a privatização, não buscando o desenvolvimento social a que se obrigou, nem preservando o trabalho como valor social. Malferimento que se reconhece aos princípios, garantias e direitos – fundamentais e sociais –, inscritos nos preceitos epigrafados, bem assim na legislação infraconstitucional (Lei nº 9.029/95)." (TRT 9ª R.; RO 13115/2000; 32676/2001-2000; Relª Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão; DJPR 23.11.01)

Portanto, é proibido para qualquer empresa ter uma política que simplesmente imponha a rescisão de um contrato de trabalho quando o empregado completar uma determinada idade.

Todavia, há uma exceção na lei de previdência social, quando o empregado alcança 70 anos para um homem, e 65 anos se uma mulher, quando uma empresa pode requer a aposentadoria do empregado de maneira compulsória.

Encontramos esta regra na Lei nº 8.213/91 no seu artigo 51:

Lei nº 8.213/91 Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria.

Assim, podemos considerar que a lei protege a relação de trabalho quando o empregado não tem direito a uma aposentadoria integral, já que um dos requisitos – além das idades indicadas no citado artigo 51 – é que o empregado tenha completado todo o período de carência para obtenção do benefício máximo de aposentadoria, sendo, portanto, condições cumulativas.

Considerando o teor da lei e da jurisprudência acima mencionadas, precisamos considerar quais as possibilidades que as empresas têm de implementar uma política de aposentadoria compulsória, e não uma política de demissão compulsória, o que implica que o empregado pode ser aposentado pela legislação brasileira de previdência social em seus períodos máximos, com aquisição integral da aposentadoria.

Algumas empresas, aliás, têm um programa de aposentadoria para seus funcionários, geralmente para os altos executivos.

Uma pesquisa mostra que esses programas de aposentadoria compulsória envolvem não só a rescisão do contrato, mas também um programa de previdência privada e um programa para preparar o executivo para sua aposentadoria, começando quase dois anos antes da data de rescisão.

É o que se mostra na apresentação da pesquisa feita por Rogerio Graber para ABRH-RJ (colunas.cbn.globoradio.globo.com/.../Fórum-ABRHRJ_RGARBER.ppt).

Considerando outros estudos, (http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1037/noticias/no-auge-e-de-saida) encontramos a informação de que: “No Brasil, 41% dos As empresas adotam esta prática e o limite é menor - varia, geralmente 60-65 anos, de acordo com uma pesquisa exclusiva de consultoria de recursos humanos Höft com 230 empresas e o fabricante alemão de autopeças e ferramentas elétricas A Bosch possui um programa global no qual os funcionários podem se tornar consultores após a aposentadoria obrigatória aos 60 anos de idade. O projeto existiu por dez anos e tem 3000 pessoas registradas. No Brasil, este programa tornou-se operacional em 2010 e tem 40 profissionais que já fizeram 80 projetos ”.

Portanto, essas políticas permitem aos funcionários terem alguma remuneração após o encerramento, e, mais, “ele” / “ela” podem trabalhar para empresas como consultores.

Mas essas situações não são completamente seguras para as empresas, considerando o Direito do Trabalho brasileiro, como a lei e jurisprudência acima citadas, e, mais ainda, é preciso cuidado no gerenciamento da situação de consultoria para não gerar uma terceirização que será considerada fraude se as condições de um contrato de emprego se mantiverem, pois mesmo a reforma trabalhista não alterou o contido no artigo 3º da CLT que estabelece os requisitos da relação de emprego. 

Nesse prumo, para implementar qualquer nova regra, a empresa deve considerar a situação dos empregados que foram contratados antes de tais regras, porque a legislação trabalhista brasileira protege o contrato de trabalho contra alterações prejudiciais ao empregado, situação que não foi alterada pela reforma trabalhista.

Art. 468 CLT. Nos contratos individuais de trabalho, só é permitido alterar suas condições por consentimento mútuo, e ainda que não resultem prejudicando direta ou indiretamente o empregado, sob pena de nulidade da cláusula de violação desta garantia.

Assim, quando os empregados fossem contratados, se essas regras ainda não existiam, não será seguro, para as empresas, aplicar tais normatizações para os contratos vigentes, porque quando esses empregados foram à época contratados não esperavam esse tipo de programa com desligamento por idade, ainda que num programa estruturado; e essa situação pode ser considerada como uma alteração prejudicial do contrato de trabalho, na exata dicção do “caput” do art. 468 da CLT.

Os possíveis riscos nessa situação são: reintegração do empregado, pagamento do salário pelo tempo decorrente de sua dispensa até sua reintegração e, se for o caso, até indenização de danos morais.

Esses mesmos riscos estarão presentes se o programa de rescisão obrigatória não permitir que o empregado esteja preparado para esta situação com outros benefícios, como plano de previdência privada, estabelecendo apenas a rescisão do contrato de trabalho pura e simplesmente.

Devemos considerar ainda que, mesmo com a edição da reforma trabalhista, a legislação contra discriminação não foi alterada, e sim reforçada, sendo uma das missões da comissão de representação de empregados na forma artigo 510-B, V, da CLT:

Art. 510-B. A comissão de representantes dos empregados terá as seguintes atribuições:

(…)

V – assegurar tratamento justo e imparcial aos empregados, impedindo qualquer forma de discriminação por motivo de sexo, idade, religião, opinião política ou atuação sindical;

Considerando toda a lei brasileira acima, as decisões dos nossos Tribunais, além das regras mantidas e reforçadas pela reforma trabalhista, não podemos considerar totalmente seguro nenhum tipo de programa de aposentadoria compulsória, pois, na sua essência, tudo se baseia na idade do empregado, sendo esse o único motivo justificador do rompimento do vínculo empregatício. 

Portanto, a situação não é completamente segura para as empresas que, acaso optem por terem tais programas, devem criar regras com muito cuidado, evitando qualquer prejuízo para o empregado e/ou a configuração de qualquer tipo de preconceito e discriminação.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Azuis e linhas // Foto de: Fernando Palacios // Sem alterações

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