Aposentadoria Espontânea e Efeitos no Contrato de Trabalho: Uma Breve Síntese Crítica

14/01/2016

Por Rodrigo Wasem Galia, Guilherme Wünsch e Rosane Reis Kerber - 14/01/2016

Aposentar-se vem do verbo latino intransitivo pausare, que significa parar, cessar, descansar. Corresponde em francês, ao verbo retirer ou retraiter, com o sentido de retirar-se, recolher-se em casa; em inglês, ao verbo to retire: recolher-se, ir embora.

Em matéria previdenciária, a aposentadoria é um benefício de pagamento continuado da previdência social, em seus regimes geral e próprio, desde que preenchidos os requisitos para a sua concessão, podendo ser considerado o benefício mais importante.

As espécies de aposentadoria constituem prestações previdenciárias que visam garantir a subsistência de seus beneficiários em razão de eventos que lhes diminuem ou eliminam a sua capacidade de autossustento. Portanto, as prestações previdenciárias possuem o objetivo de indenizar o beneficiário mediante prestações pecuniárias ou a realização de determinados serviços, estes com o intuito de reabilitação.

As aposentadorias consideradas espontâneas são aquelas requeridas pelo empregado como a aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e especial, tendo em vista que a aposentadoria por invalidez e a aposentadoria compulsória requerida pelo empregador (mulher aos 65 anos de idade e homem aos 70 anos), independem da vontade do empregado.

A primeira lei em nosso país a tratar da previdência social mantida pelo Poder Público e estendida a todos os cidadãos foi a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), número 3.807/60 que, em seu artigo 32, instituiu o benefício da aposentadoria sem vincular sua concessão à rescisão contratual. Somente a contar de 21.11.1966, quando da inserção do § 7º ao referido artigo, foi que a legislação previdenciária vinculou a concessão do benefício da aposentadoria à extinção do vínculo empregatício eventualmente mantido pelo segurado.

Posteriormente, a Lei nº 3.807/60 sofreu diversas alterações em que o legislador previdenciário oscilou em exigir ou não a extinção do contrato de trabalho para a concessão da aposentadoria. Entretanto, a partir da publicação da Lei nº 8.213/91, tal exigência não mais subsiste, permitindo, expressamente, que o segurado aposentado permaneça ou retorne ao exercício de suas atividades profissionais (salvo a aposentadoria especial, a qual será suspensa caso o aposentado retorne ao exercício de atividades especiais), sendo desnecessária a extinção do vínculo empregatício para a concessão do benefício de aposentadoria.

Salienta-se que quando da publicação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, não existia a previdência mantida pelo poder público nos moldes atuais, regulamentada somente para algumas categorias. Em 1966 - quando a legislação previdenciária passou a vincular a concessão da aposentadoria à extinção do contrato individual de trabalho - as empresas passaram a não readmitir os empregados jubilados, sob pena de contagem de tempo de serviço para fins de estabilidade, o que criou um grave problema social, razão pela qual, no ano de 1975, o legislador acrescentou a parte final da atual redação do artigo 453 do estatuto consolidado, excluindo a aposentadoria espontânea para fins de contagem de tempo de serviço, quando da readmissão do trabalhador.

Da interpretação histórica e contextual do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, depreende-se que o legislador celetista limitou-se a regular a apuração do tempo de serviço do empregado, quando readmitido, protegendo-o contra dispensas arbitrárias promovidas pela empresa com o intuito único de fraudar o direito à estabilidade definitiva, então existente.

Até o final de 1996 a redação do artigo 453 era composta somente do caput, sendo que em janeiro de 1997 a Medida Provisória nº 1.523-3 acrescentou ao dispositivo um parágrafo único, dispondo que a aposentadoria espontânea dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista acarretava a rescisão contratual automática.

Em novembro do mesmo ano foi editada a Medida Provisória nº 1.596-14, renumerando para o § 1º o antigo parágrafo único, e acrescentando o § 2º ao referido dispositivo, com previsão de que a aposentadoria proporcional importava em extinção do contrato de trabalho.

Tais medidas provisórias foram posteriormente convertidas na Lei nº 9.528/97, mas os referidos parágrafos tiveram sua eficácia suspensa em decorrência de liminares deferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.770-4 e 1.721-3.

No julgamento final da ADI nº 1770-4, o Ministro Joaquim Barbosa destacou ser inconstitucional o § 1º do artigo 453 celetista, quer porque permite a acumulação de proventos e vencimentos na esfera pública - vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -, quer porque se funda na ideia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício.

Quanto à inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 do estatuto consolidado, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que sua redação afrontava a Constituição Federal, corroborando a tese defendida pelo Ministro Ilmar Galvão quando do deferimento da liminar, ao ponderar que a relação mantida pelo segurado com a instituição previdenciária não se confunde com o vínculo empregatício, razão pela qual a concessão do benefício previdenciário da aposentadoria não deve produzir efeito sobre o contrato de trabalho.

Ressalta-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade dos referidos parágrafos, culminou no cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 177 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho e a Súmula 17 do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. A edição da Orientação Jurisprudencial nº 361 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho sedimentou o entendimento de que a aposentadoria espontânea não acarreta a extinção do contrato de trabalho.

Cumpre realçar ainda, que ao exercer o controle abstrato de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal esclareceu qual é o sentido constitucional a ser aplicado à regra, estando claro que a interpretação do caput do artigo 453 celetista deverá adaptar-se à declaração de inconstitucionalidade de seus parágrafos, sob pena de afronta ao determinado pela Corte Suprema.

A doutrina majoritária, seguindo o entendimento jurisprudencial, vem se posicionando no sentido de que a aposentadoria espontânea só irá acarretar a extinção do contrato de trabalho, se qualquer das partes da relação trabalhista se manifestar nesse sentido, atentando, pois, aos efeitos jurídicos decorrentes da modalidade de extinção perpetrada. Ressalta-se, porém, que a manifestação de vontade do empregado deve ser realizada de forma inequívoca, sob pena de presumir-se a dispensa imotivada, em razão do princípio da continuidade da relação de emprego.

Assim, considerando que atualmente inexiste qualquer dispositivo legal que determine a extinção automática do vínculo empregatício, quando da concessão da aposentadoria espontânea, se o trabalhador não é o responsável pela extinção de seu contrato de trabalho, a dispensa imotivada ensejar-lhe-á o direito ao aviso prévio e à indenização de 40% sobre a totalidade dos depósitos do FGTS efetuados no curso do pacto laboral.

No que respeita a existência de plano de complementação de aposentadoria, deve-se analisar, no caso concreto, o interesse do empregado na ruptura contratual, tendo em vista que perceberá o mesmo quantum pecuniário de quando estava na ativa, sendo indevido o aviso prévio e a indenização de 40% sobre os depósitos fundiários, por não ser hipótese de despedida imotivada.

Considerando que o regulamento de empresa constitui manifestação de vontade unilateral do empregador, imprescindível se faz o exame de sua intenção dentro do contexto em que foi pensado e concebido, haja vista que as vantagens alcançadas ao empregado por ato unilateral de vontade do empregador, através de tal instrumento, não podem ser distorcidas ou ampliadas, em nome da segurança jurídica.

Ao empregado público adotam-se as regras da iniciativa privada no que concerne à aposentadoria espontânea e seus efeitos no contrato de trabalho. Destarte, por não haver óbice à continuidade da relação de emprego após a aposentadoria espontânea, caso venha a ser extinto o vínculo empregatício, deverá ser apurado de quem partiu a iniciativa do rompimento do contrato de trabalho, para fins de parcelas rescisórias.

Ponderando que o servidor público celetista estável só poderá ser despedido motivadamente e, ainda, porquanto subordinado ao Regime Geral da Previdência Social, inexiste óbice para a continuidade do vínculo empregatício quando de sua aposentadoria - haja vista que somente exerceu seu direito previdenciário de requerê-la -, sendo que seu desligamento imotivado acarretará a nulidade da despedida.

Ainda, se o servidor público celetista estável manifestar-se pela extinção do vínculo empregatício, dada a renúncia à estabilidade, constitui pressuposto de validade do pedido de demissão a assistência do respectivo Sindicato ou, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho, formalidade descrita no artigo 500 do estatuto consolidado, sob pena de presumir-se vício de consentimento – presunção relativa -, com o reconhecimento da nulidade da demissão e consequente reintegração do servidor público estável.

Por derradeiro, no que concerne à aposentadoria compulsória do servidor público celetista, esta deverá ser perfectibilizada quando do implemento da idade de 70 anos do servidor, sendo indevidas as parcelas típicas da dispensa imotivada, como o aviso prévio e a indenização de 40% sobre os depósitos fundiários, em razão do termo constitucional.


Notas e Referências:

COIMBRA, José dos Reis Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 2001.

CORDEIRO, Antonio Manuel Menezes. Manual de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1991.

DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. 1.ed. Campinas: Romana Jurídica, 2004.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009.

DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da república e estado democrático de direito: imperativos constitucionais convergentes sobre o direito civil e o direito do trabalho. In: TEPEDINO, Gustavo et. al. (coord,). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

DIAS, Eduardo Rocha; MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. São Paulo: Método, 2008.


Rogrigo Galia

. Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado. .


Guilherme Wunsch

Guilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) fui assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, sou advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS; professor da UNIRITTER e professor convidado dos cursos de especialização da FADERGS, FACOS, FACENSA E IDC.


Rosane Reis Kerber. Rosane Reis Kerber é Advogada. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pelo IDC (2009/2010). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC (2011/2012). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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