Prezado (a) Leitor (a),
Um tema recorrente e que está em voga na atualidade é a aposentadoria especial, principalmente porque foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal pelo tema 709.
# Conceito
A aposentadoria especial é um benefício concedido a quem trabalha exposto a agentes nocivos à saúde, de forma habitual e ininterrupta, em níveis de exposição acima dos limites estabelecidos em legislação própria.
Os requisitos de elegibilidade para concessão da referida aposentadoria, segundo a Reforma da Previdência (EC 103/19) são: tempo de contribuição de 15, 20 ou 25 anos e idade mínima de 55, 58 ou 60 anos, aferidos conforme o agente nocivo a que o segurado estiver exposto.
Fique de olho! Para requerer esse benefício, no agendamento, é preciso selecionar a opção “aposentadoria por tempo de contribuição”.
Passado o conceito, talvez ainda fique uma dúvida para o (a) leitor (a): quem se aposenta em aposentadoria especial pode continuar exercendo atividade de risco?
Para responder tal indagação é muito importante que a gente converse sobre o tema 709, STF.
Vamos lá?
# Tema 709,STF
Durante muitos anos se discutiu a possibilidade do beneficiário de aposentadoria especial (B 46) continuar ou não laborando na área de risco. Os argumentos de peso eram o direito a proteção à saúde e o livre exercício da profissão.
Com o fim de esclarecer esse “nó górdio” o STF no tema 709, assim entendeu:
I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão”.
Nota-se que o STF entendeu ser constitucional o parágrafo 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213, que prevê cancelamento da aposentadoria no caso do segurado permanecer trabalhando em atividade especial (RE 791961).
Por tal decisão do STF a aposentadoria especial passa a ser hipótese de extinção do contrato de trabalho, para parte da doutrina, contrariando a OJ 361, SDI-I/TST. Tal premissa trouxe um questionamento relevante sobre a modalidade de extinção: o encerramento do contrato será enquadrado como dispensa sem justa causa ou pedido de demissão?
# Dispensa sem justa causa
O empregado é dispensado sem ter cometido falta grave que implicasse diretamente na impossibilidade de continuação da relação empregatícia. No Brasil o empregador não precisa motivar o que ocasionou a dispensa do trabalhador. O empregado terá direito ao aviso prévio, férias +1/3, 13º salário, levantamento dos depósitos do FGTS, multa de 40% sobre os depósitos do FGTS e seguro- desemprego.
# Demissão ou dispensa voluntária
É a modalidade de rescisão do contrato de trabalho que ocorre quando o empregado não pretende mais continuar no trabalho. São devidas as seguintes verbas rescisórias: aviso prévio (ele deve conceder), férias +1/3, 13º salário.
Vale salientar que o seguro-desemprego não é devido ao aposentado. A grande discussão está em se é devida ou não a multa de 40% do FGTS, fato que depende do tipo da modalidade adotada.
Passadas tais explicações, é necessário responder ao questionamento central desse texto: o empregado que tem direito à aposentadoria especial será dispensado em qual modalidade?
Existem duas correntes:
Para os que defendem a hipótese da dispensa sem justa causa, tal modalidade é devida porque o empregado não tem a opção de continuar trabalhando. Não é adequado ficar sem receber a verba indenizatória pelo fato de ter adquirido um direito e, pela impossibilidade da continuidade do trabalho na atividade de risco, não se configuraria uma dispensa discriminatória.
Para os que defendem que a modalidade aplicável é a demissão ou dispensa voluntária entendem que a dispensa se deu por iniciativa do empregado, já que este optou pela aposentadoria e que a dispensa do empregado enseja uma dispensa discriminatória, já que nos termos do artigo 1º da Lei nº 9.029/1995, “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção”.
Para fortificar o entendimento da dispensa imotivada por iniciativa do empregador a jurisprudência assim decide:
APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA POR INICIATIVA DO EMPREGADOR. INCIDÊNCIA DA INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA DE 40% SOBRE OS DEPÓSITOS DO FGTS DA CONTRATUALIDADE. A aposentadoria espontânea do trabalhador não é causa de extinção do contrato de trabalho. Outrossim, tendo o réu optado por dispensar o autor, ciente de sua aposentadoria voluntária, há reconhecer que a rescisão ocorreu sem justa causa, fazendo jus o demandante ao pagamento do aviso prévio e da indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS da contratualidade. (TRT-12 - RO: 02102200700912006 SC 02102-2007-009-12-00-6, Relator: LILIA LEONOR ABREU, SECRETARIA DA 3A TURMA, Data de Publicação: 19/03/2009)
No mesmo sentido a jurisprudência assim se posiciona nas diversas modalidades de aposentadoria espontânea:
APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - PEDIDO DE DEMISSÃO - REPERCUSSÃO NO CONTRATO DE TRABALHO. Assentado que a aposentadoria espontânea não é causa extintiva automática do contrato de trabalho e comprovado que o rompimento deste foi de iniciativa do ex-empregado, não há falar em reversão do pedido de demissão nem em pagamento de verbas rescisórias típicas da dispensa sem justa causa. Recurso ordinário não provido, por unanimidade.( (TRT-24 - RO: 1074009520085243 MS 107400-95.2008.5.24.3, Relator: NICANOR DE ARAÚJO LIMA, Data de Julgamento: 03/02/2010, Data de Publicação: DO/MS Nº 721 de 26/02/2010)
APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PEDIDO DE DEMISSÃO. Em que pese a aposentadoria espontânea não constituir causa de extinção do contrato de trabalho, em razão de terem sido julgadas procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.721-3 e 1.770-4, no caso dos autos, foi do autor a iniciativa pela ruptura contratual. Assim, não comprovada a tese da inicial de que o motivo da rescisão foi a aposentadoria e não o pedido de demissão ou qualquer vício de vontade capaz de invalidá-lo, ônus que competia ao autor, deve ser mantida a sentença de origem na íntegra.
APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PEDIDO DE DEMISSÃO. MULTA DE 40% DO FGTS E VERBAS RESCISÓRIAS. PAGAMENTO INDEVIDO. Em consonância com o disposto na OJ 361 da SDI-I do TST, a aposentadoria espontânea não enseja a extinção do contrato de trabalho quando o empregado permanece trabalhando para o empregador após a jubilação. Na hipótese dos autos, restou provado, pelos documentos apresentados pela Ré, os quais sequer foram impugnados pelo Autor, que a rescisão contratual ocorreu após a aposentadoria e mediante pedido de demissão, não havendo qualquer prova da alegada coação. Dessa forma, mantém-se a sentença que julgou improcedentes os pleitos de reversão do pedido de demissão e de pagamento da multa de 40% do FGTS e das verbas rescisórias. Recurso do Autor improvido.(TRT-23 - RO: 00000751520135230003, Relator: MARIA BERENICE CARVALHO CASTRO SOUZA, 2ª Turma-PJe, Data de Publicação: 02/08/2013)
RECURSO DE REVISTA - ROMPIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO - APOSENTADORIA ESPECIAL - PEDIDO DE DEMISSÃO - APELO DESFUNDAMENTADO. A Corte regional concluiu que a aposentadoria especial constitui motivo ensejador da extinção do vínculo trabalhista, bem como verificou que não houve coação no pedido de demissão formulado pelo autor, motivos pelos quais considerou rompido o liame empregatício. Não tendo o recorrente impugnado um dos alicerces decisórios adotados pelo Tribunal a quo (pedido de demissão), este subsiste incólume, tendo em vista constituir fundamento suficiente à confirmação da conclusão regional, restando desfundamentado o recurso. Isso porque, em obediência ao princípio recursal da dialeticidade, o recorrente deve atacar e impugnar individualmente todos os fundamentos indicados no acórdão recorrido. É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida está assentada em determinado fundamento suficiente e o recurso não o abrange. Recurso de revista não conhecido. (TST - RR: 10530220125120013, Relator: Luiz Philippe Vieira De Mello Filho, Data de Julgamento: 18/11/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: 20/11/2015)
TRT-PR-22-01-2010 MULTA DE 40% DO FGTS E AVISO-PRÉVIO - APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - PEDIDO DE DEMISSÃO - A aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho, conforme assentado na decisão proferida na ADIn 1721-3, na qual o C. STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do art. 453 Consolidado, reconhecendo explicitamente que a aposentadoria espontânea do trabalhador não constitui motivo para a extinção do contrato de trabalho com o seu empregador, seja este ente público, seja pessoa jurídica de direito privado. Não obstante, o direito à indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS e ao pagamento do aviso-prévio indenizado é afastado quando a ruptura contratual opera-se por pedido de demissão do empregado.(TRT-9 29182007654900 PR 2918-2007-654-9-0-0, Relator: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO, 2A. TURMA, Data de Publicação: 22/01/2010)
Da análise jurisprudencial, nota-se que não existe entendimento sedimentado quanto ao tema. Porém, tomando como base o ordenamento jurídico pertinente ao tema, pelo menos duas teses podem ser levantadas para a resolução do imbróglio. Vejamos:
Primeiramente, é imperioso avaliar se na empresa em que o empregado trabalha existe setor que não esteja exposto a nenhum agente nocivo e que o empregado possa ser readaptado para desempenhar as funções deste departamento. Havendo esta possibilidade, ficará a cargo do empregado optar se aceita a nova função ou se prefere rescindir o contrato de trabalho.
Caso o empregado opte por não permanecer no trabalho, terá seu contrato de trabalho extinto de forma voluntária, ou seja, ocorrerá a sua demissão voluntária, sendo dispensado, portanto, ao empregador o pagamento da verba indenizatória de 40% sobre o saldo do FGTS ao empregado.
Entretanto, sendo possível a readaptação do empregado para outro setor livre de exposição a fatores de risco, mas havendo a recusa pela própria empresa de realocar o trabalhador neste departamento, o empregador deverá dispensar imotivadamente o empregado e, neste caso, deverá pagar todas as verbas rescisórias inclusive a multa de 40% sobre o saldo do FGTS ao empregado, além de correr risco de ser compelido a sofrer as sanções provenientes de uma dispensa discriminatória.
Por outro lado, caso a empresa não forneça nenhuma outra atividade que esteja 100% livre dos agentes nocivos à saúde do empregado, caso este requeira a Aposentadoria Especial e seja concedida, em virtude da impossibilidade de permanecer na atividade de risco e, principalmente, diante da tese firmada pelo STF, a extinção do contrato de trabalho também se dará de forma voluntária, uma vez que a Aposentadoria Especial é uma alternativa ao empregado, ou seja, ele pode escolher se deseja se aposentar por tempo de contribuição especial, portanto, o empregador não deve ser obrigado a arcar com verbas indenizatórias a que não deu causa.
Denota-se, em resumo, que o fator determinante para o tipo de rescisão do contrato de trabalho é a escolha do empregado à Aposentadoria Especial e a análise de qual modalidade de dispensa deve ser feita caso a caso a fim de se evitar, ao máximo, qualquer tipo de injustiça, quer para o empregado, quer para o empregador.
Adentrando no quesito da escolha do empregado à Aposentadoria Especial, é de suma importância destacar o que o Decreto nº 10.410/2020 regulamentou a respeito do valor do referido benefício:
“Art. 67. O valor da aposentadoria especial corresponderá a sessenta por cento do salário de benefício definido na forma prevista no art. 32, com acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de vinte anos de contribuição exceto no caso da aposentadoria a que se refere o inciso I do caput do art. 64 e das mulheres, cujo acréscimo será aplicado para cada ano de contribuição que exceder quinze anos de contribuição.”
Diferentemente do que era previsto antes da Reforma da Previdência, onde o valor da Aposentadoria Especial correspondia a 100% do salário-de-benefício, sendo este calculado com base na média aritmética simples dos 80% maiores salários-de-contribuição, hoje o valor do benefício será de 60% do salário-de-benefício, sendo este obtido através da média aritmética simples de todo o período contributivo, acrescidos 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de vinte anos de contribuição, em regra.
Deste modo, ante a mudança no cálculo para se apurar o valor da Aposentadoria Especial e do recente tema 709, STF, a escolha por este benefício deve ser precedida de um exame minucioso, de preferência por um especialista, a fim de que o empregado que optar por esse benefício tenha pleno conhecimento sobre as vantagens e desvantagens que lhe aguarda.
Conclusão
O entendimento sedimentado pelo Tema 709 do STF, confirmando a Constitucionalidade do art. 57, §8º, da Lei 8.213/91, que prevê cancelamento da aposentadoria especial no caso do segurado permanecer trabalhando em atividade especial, gerou um burburinho na seara trabalhista com relação ao tipo de extinção do contrato de trabalho que deverá ser adotado para os segurados que preencheram os requisitos para a concessão da Aposentadoria Especial e optaram por tal benefício.
Em razão de não haver nenhuma jurisprudência sedimentada neste sentido, mas levando em consideração as normas relevantes ao tema, duas teses podem ser suscitadas a fim de resolver o impasse.
A primeira pode ser levantada a partir da análise da empresa que o empregado trabalha se ela disponibiliza algum tipo de atividade que não exponha o trabalhador a nenhum tipo de agente nocivo. Existindo, e o empregado aposentado optar por não permanecer no emprego em outra função que não ofereça riscos à sua saúde, a sua rescisão se dará de forma voluntária, sendo-lhe assegurado as verbas rescisórias, porém sem o pagamento da multa de 40% sobre o saldo do FGTS.
Todavia, se a opção for do empregador quanto à descontinuidade do contrato de trabalho, mesmo havendo setor na empresa isento de exposição a riscos à saúde do empregado e desde que ele possa ser readaptado à função, a demissão neste caso será imotivada, devendo o empregador arcar com todas as verbas rescisórias e indenizatórias a que o empregado tem direito.
A segunda tese, no entanto, pode ser arguida nos casos onde a empresa não oferece nenhuma outra atividade que esteja 100% livre dos agentes nocivos à saúde do empregado ou que o empregador não possa permitir a continuidade do contrato, a exemplo do artigo 37, §14, CF (o qual dispõe que para o servidor público empregado público a aposentadoria é hipótese de extinção do contrato de trabalho, salvo para aposentadorias concedidas antes da entrada em vigor da EC 103/2019- vale para as requeridas a partir de 14 de novembro de 2019 - nos termos do art. 153-A, dec. 10.410/2020). Sendo assim, havendo a concessão da Aposentadoria Especial ao empregado e, diante da tese firmada pelo STF, a extinção do contrato de trabalho também se dará de forma voluntária, uma vez que a Aposentadoria Especial é uma alternativa do empregado, ou seja, ele pode escolher se deseja se aposentar por tempo de contribuição especial, portanto, o empregador não deve ser obrigado a arcar com verbas indenizatórias a que não deu causa.
Conclui-se, portanto, que o fator determinante para o tipo de rescisão do contrato de trabalho é a escolha do empregado à Aposentadoria Especial. A partir daí, a análise deverá ser minuciosa, caso a caso, de forma a evitar ao máximo qualquer injustiça, tanto para o empregado, quanto para o empregador.
Imagem Ilustrativa do Post: Thomas Quine // Foto de: Lady justice // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/quinet/15959150357
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/