Aplicação da multa em Agravo Interno: entre o cumprimento da Lei e a sanha punitiva – Por Carolina Moraes Migliavacca e Maurício Gomes Pereira França

30/09/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

O Código de Processo Civil 2015 foi urdido com a responsabilidade de promover soluções aos conflitos de forma mais célere. A demanda pela ligeireza do acertamento do direito e dos pronunciamentos jurisdicionais pode conduzir as partes e, ocasionalmente, os julgadores por caminhos que nem sempre mostrar-se-ão mais adequados.

Uma questão delicada que se enfrenta acerca disso é a aplicação da multa prevista no §4º do artigo 1.021. Eis a redação: “§ 4o Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”.

Vale lembrar como o instituto da multa pela interposição do Agravo Interno era tratado no Código de Processo Civil de 1973. Em primeiro lugar, é de se frisar que o recurso não recebia capítulo específico na legislação anterior, ao contrário do que faz o artigo 1.021, inserto no Capítulo IV, Título II, Livro III da Parte Especial do Novo CPC, destinado unicamente para tutelar o recurso de Agravo Interno. Na lei anterior, o recurso era previsto em disposições esparsas.

Dentre estas disposições esparsas do Código de Processo Civil de 1973, encontramos no artigo 557, §2º, teor correspondente ao 1.021, § 4º, do Novo Código de Processo Civil.  Apesar de sutil, a opção redacional daquele legislador não deixou margem, na aplicação do dispositivo, para interpretação no sentido de que seria o desprovimento unânime do recurso que implicaria a multa.

Veja-se o texto revogado: “§ 2o. Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor”. O legislador anterior, portanto, vinculou a aplicação da multa às hipóteses de recurso (a) manifestamente inadmissível ou (b) manifestamente infundado. A inadmissibilidade reclama uma observação objetiva dos requisitos intrínsecos e extrínsecos, sem deixar muita margem para aplicação da multa em situações que fogem destes pressupostos; a expressão “infundado” conduz a uma conotação de recurso interposto sem razões recursais minimamente plausíveis, portanto aquele que ingressa em um cenário de protelação, condenável até mesmo pela má-fé processual.

Mas não é assim a redação do Código atual. Neste, o artigo 1.021, §4º, atrela a aplicação da multa ao recurso que é julgado improcedente à unanimidade. Daí a perigosa interpretação no sentido de que, independentemente do conteúdo das razões recursais, da sua plausibilidade e mesmo do direito do jurisdicionado de fazer uso do recurso legalmente disponível, a multa será aplicada por decorrência do resultado do julgamento, e não do conteúdo do recurso.

Uma interpretação açodada, não sistêmica, conduz à conclusão que a aplicação da multa será medida automática quando o julgamento do Agravo Interno for de desprovimento unânime. Essa não é a melhor interpretação. Nada obstante, é possível notar a aplicação automática da multa em Tribunais pátrios. À guisa de ilustração, julgado do Tribunal de Justiça mineiro:

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE INDEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - ART.1.021 DO NCPC - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE NOVOS FATOS E ARGUMENTOS CAPAZES DE ALTERAR A DECISÃO LIMINAR - MANUTENÇÃO DA DECISÃO - DECISÃO UNÂNIME - MULTA: 1. Nos termos do art. 1.021 do CPC/15, cabível o recurso de agravo interno contra decisão que concede ou nega efeito suspensivo ao agravo de instrumento. 2. Contudo, não tendo sido apresentado novos fatos ou argumentos capazes de demonstrar a presença dos requisitos necessários para que seja deferida a antecipação de tutela ao recurso de agravo de instrumento, não há o que se falar em revogação da decisão liminar que indeferiu tal efeito. 3. O agravante deve ser condenado ao pagamento da multa prevista no § 4º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil/2015, como forma, inclusive, de prestigiar a duração razoável do processo.  (TJMG -  Agravo Interno Cv 1.0079.13.047246-1/002, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/09/2016, publicação da súmula em 23/09/2016).

Ao fundamento do prestígio à celeridade da tramitação processual, o automatismo de medidas punitivas pode conduzir à inibição de manifestações legitimadas que, ocasionalmente, por questões de política judiciária, serão debeladas à unanimidade.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça lançou decisão que, espera-se, seja consolidada naquela Corte e passe a ser aplicada pelos demais Tribunais do país. Cita-se:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO CONHECIDO APENAS NO CAPÍTULO IMPUGNADO DA DECISÃO AGRAVADA. ART. 1.021, § 1º, DO CPC/2015. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA APRECIADOS À LUZ DO CPC/73. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. PARADIGMAS QUE EXAMINARAM O MÉRITO DA DEMANDA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REQUERIMENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. 1. Nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, merece ser conhecido o agravo interno tão somente em relação aos capítulos impugnados da decisão agravada. 2. Não fica caracterizada a divergência jurisprudencial entre acórdão que aplica regra técnica de conhecimento e outro que decide o mérito da controvérsia. 3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não ocorreu na hipótese examinada. 4. Agravo interno parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. AgInt nos Embargos de Divergência em Resp Nº 1.120.356 - RS (2014/0260298-8) Rel.: min. Marco Aurélio Bellizze. Pub. 29/8/2016.

O acerto da decisão do Superior Tribunal de Justiça reside justamente no cotejo casuístico do cabimento da multa ou não. É fato que toda decisão deve ser fundamentada. Isso decorre de mandamento constitucional. Logo, a aplicação da multa automática quando do julgamento unânime de desprovimento dos Agravos Internos, significaria um retrocesso em relação aos avanços pretendidos com o novo Código. Representaria, mais, um duro golpe contra a própria teleologia da nova Lei a se considerar que da Exposição de Motivos depreende-se, como primeira intenção do legislador ordinário, a fina sintonia com a Constituição da República.

A manutenção da jurisprudência coesa, íntegra e estável, linearidade, aliás, prevista no artigo 926 do Código, perpassa pela necessária observância da segurança jurídica. Esta não será alcançada por meio do modelo da “justiça do martelo”, mas pela discursividade democrática, via única da legitimação da atuação estatal do provimento jurisdicional.

 


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