Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 6)

22/06/2018

Atahualpa FernandezÓ 

“El primer principio es que no debes engañarte a ti mismo, y tú eres la persona más fácil de engañar.” Richard P. Feynman  

  1. Manter o equilíbrio 

Em um ensaio publicado há 25 atrás (La cultura de la queja), o crítico australiano Robert Hughes escreveu que o “Eu” é agora a vaca sagrada da cultura e a autoestima é sacrossanta; assim que nos esforçamos por converter a educação em um sistema “en el que nadie puede fracasar”. Dá a sensação de que o que Hughes denunciava se estendeu enormemente até os dias que correm, que não põe barreiras às capacidades dos indivíduos, que reafirma obstinadamente um tipo de otimismo estúpido e que confia cegamente na «autoestima» e no matrimônio da eficácia com a vontade. Insolente e arrogante estupidez.

A ideologia imperante de que se não consegues o que desejas, se fracassas, se te encontras mal, desanimado ou derrotado a culpa é toda (e só) tua é uma das grandes farsas de nossa época. A vida não é assim, nunca é assim nem nunca será. Primeiro, porque os desejos não se cumprem só por desejá-los. Segundo, porque quem não é capaz de reconhecer as próprias limitações e espera percorrer todos os caminhos corre o risco de não empreender nenhum: a realidade não é binária e se resiste à distorção mental fácil. Terceiro, porque fracassar não implica necessariamente uma desonra a nossa imaginativa mente, a nossas “ilimitadas” faculdades, a nossa extravagante alma, ao nosso delicado e “sobre-excitado” ego. O fracasso e o erro são partes do (e essenciais para o) que somos.

O quid é este: nossa relutância em admitir que nossos recursos intelectuais e cognitivos são limitados bloqueia o honesto e humilde intento de entender que procurar manter o equilíbrio entre o desafio e a capacidade de atuar é a maneira correta para que se aprenda em profundidade. Só nos concentramos no que estamos fazendo quando o consideramos como algo que nos permite expressar nosso potencial, isto é, que não extrapole nossos limites pessoais. Se os desafios e capacidades estão equilibrados, experimentamos uma maior sensação de controle sobre nossas ações e a concentração requerida exclui a preocupação acerca de todas as demais questões, que passam a ser temporalmente irrelevantes.

A qualidade do que se aprende quando nos empregamos a fundo em estudar algo além de nossas reais possibilidades se vê reduzida, porque o cérebro, incapaz de eliminar as contingentes distrações e as iniludíveis restrições que nos (lhe) afetam, não é capaz de assimilar tanta informação quando a atenção resulta prejudicada pelas limitações naturais de nossa mente. Desse modo, o fluxo de informação que percebemos entra e sai de nossa mente a tanta velocidade que nunca chegamos a apreendê-la adequadamente de forma consciente; recordamos um menor número de coisas e nossa destreza para pensar de maneira crítica, reflexiva e em termos conceituais se debilita.

Dito de modo mais direto: se não podemos escapar de nossas reais condições e «limitações psicobiológicas», ser consciente de nossas capacidades nos ensina a modelar um ritmo de estudo que lhe dê cabida. A ilusão de crer que estamos por encima da média ou que somos competentes em quase tudo não implica necessariamente desconhecer os limites de nossas habilidades e/ou desaprender de repensar nossas aptidões com sensatez[1]. Recordar que empenhar-nos em conseguir algo que não está ao nosso alcance só serve para provocar frustração e desesperação.

Assim que é importante considerar que há diferenças no aprendizado que parece depender da natureza do que se aprende e do que se estuda. Há que pôr uma sentinela: há que desdobrar-se e, por uma parte, aprender; por outra, há que observar-se aprender, examinar as habilidades, preferências e conhecimentos que se adquire com mais facilidade, tomar consciência de nossa sensibilidade cognitiva, de nossas debilidades e de nossas fraquezas intelectuais.

Também pode ser fecundo considerar a conveniência de dar importância especial e diferida ao que não se entende com facilidade. Por exemplo, talvez o mais aconselhável seja preparar-se começando com uma quantidade menor de matérias e com conteúdos mais fáceis, e avançar pouco a pouco para matérias com maior conteúdo e mais complexas. Da mesma forma que o indulgente leitor (a) não saltaria à parte profunda de uma piscina se não soubesse nadar, não deve lançar-se precipitadamente às matérias que lhe provocam mais inquietude. Deveria começar pelo que lhe resulta mais cômodo, por onde toca o solo com os pés, e ir aumentando a dificuldade gradualmente, lançando-se cada vez mais longe. Não somente se sentirá mais seguro, senão que irá adquirindo conhecimentos que, à larga, certamente melhorarão seu rendimento. 

Não há que ter pressa em aprender. O importante é compreender e intentar não enganar-se a si mesmo, pois só assim será possível perceber os problemas não resolvidos e as deficiências ainda não superadas. Um aprendizado significativo não é somente questão de conteúdos, de dados assimilados e relacionados, senão também e fundamentalmente de sentido crítico e de atitude. E em relação a esta última, há que ousar vencer virtuosa e paulatinamente a resistência posta por nossos limites pessoais.

Digo isso para enfatizar que se o ato de aprender tem suas próprias limitações, cobra muita importância a necessidade de dirigir estrategicamente nossa forma de estudar. Quando logramos controlar adequadamente o equilíbrio entre nossa capacidade de atuar e o desafio a que nos propomos podemos também resistir às tentações perigosas e/ou evitar os resultados negativos.  O que motiva nossos estudos são os fatos e as sensações que bolem em nosso cérebro e o domínio desse equilíbrio permite eludir a tensão gerada por nossas dissonâncias mais cotidianas[2], remediar nossa incapacidade para conformarmo-nos com o disponível em cada momento e moderar os desejos impossíveis que modelam nosso trato com o mundo exterior (que nos limita e que não podemos cambiar ou controlar mediante um mecanismo de nossa vontade).

É uma grande arte saber valorar com cautela nossas capacidades e nossos limites, classificar e relativizar nossas ordens de preferências e desafios, e assumir a responsabilidade de que podemos querer ser o que fazemos de nós através da forma em que elegemos atuar, em lugar de escusar-nos pela forma em que atuamos e lamentar-nos por isso[3]. Do contrário, esgotaremos nossa intrinsecamente débil força de vontade e perderemos o que há de melhor e de mais eficaz de nossa capacidade para memorizar, raciocinar e aprender.

Conhecer-se a si mesmo, como desejava Sócrates, é também reconhecer que o êxito e o fracasso dependem em grande medida de um encadeamento de circunstâncias ou confluência de fatores que são, em grande medida, indiferentes à “confiança” nas habilidades/capacidades de que cremos estar dotados. Não devemos equivocar-nos: todo mundo não pode fazer qualquer coisa.

Resumindo: apesar de que nada supera a ditadura da «autoestima» e da «autoconfiança» à hora de convencer-nos de que estamos ao mando da situação, a melhor atitude é conhecer os próprios limites e ser consciente do que se pode (e se deve) sacrificar, com a serena convicção de que é impossível prever tudo o que podemos fazer e conseguir quando nos entregamos plenamente a algo.

Ó Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent Researcher; Criador Nacional (Harzer Roller) - C.N.: IJ-075 - Federación Ornitológica Cultural Deportiva Española F.O.C.D.E.; Cod. Federal FOCDE: 08104 (Asociación Club Canaris de Cant Catalunya, Badalona/ Socio nº 25).

[1] É óbvio que as pessoas sobre-estimam suas capacidades. Um estudo descobriu que um 80% dos condutores se considera por encima da média, uma impossibilidade estadística. E se encontraram tendências similares quando a gente avalia sua popularidade relativa e suas habilidades cognitivas. Esta ilusão de confiança - de avaliar equivocadamente as próprias habilidades e considerar-se muito superior ao que realmente se é - se denomina efeito Dunning-Kruger, e descreve o viés cognitivo que exagera a autoavaliação. O problema, diz Kate Fehlhaber, é que quando a gente padece desse tipo de distúrbio cognitivo não só chega a conclusões equivocadas e toma decisões desafortunadas, senão que também se vê privada da capacidade de precatar-se de seus erros e suas limitações. A solução, conclui a citada autora, está em não deixar-se enganar pelas ilusões de superioridade e aprender a reavaliar nossa competência com exatidão.

[2]https://www.researchgate.net/publication/275015382_Dissonncia_cognitiva_autoengano_e_ignorncia_autoimposta_%28Parte_1%29;https://www.researchgate.net/publication/275015481_Dissonncia_cognitiva_autoengano_e_ignorncia_autoimposta_%28Parte_2%29

[3] Recordemos que o que chamamos «stress» não é outra coisa que o conflito ou o desequilíbrio que com frequência tem lugar entre nossos discrepantes desejos e nossas possibilidades, isto é, entre nossas contraditórias emoções  e nosso débil razoamento (é querer – emoção –  mais do que é possível – razão –, esperar, imaginar ou propor-nos continuamente mais do que podemos, e experimentar com regularidade a frustração e a melancolia de não haver ocorrido ou conseguido o que anelávamos).

 

Imagem Ilustrativa do Post: Studying // Foto de: Steven S. // Sem alterações

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