Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 10)

20/07/2018

“Ten cuidado de una cosa, oh hombre: vigila cuál es el precio al que vendes tu voluntad. Si no haces nada más, no vendas barata la voluntad”. Epicteto 

  1. Teu é o método

 

Como cada indivíduo é um mundo de habilidades, circunstâncias e limitações, e cada cérebro é único e particular, não há uma técnica “correta” e generalizada sobre como estudar com eficácia (logrando os objetivos) e eficiência (ao menor custo possível). Todos os discursos, conselhos, fórmulas e métodos impessoais que professam a irresponsável e capciosa promessa de um “salto qualitativo” ignoram deliberadamente a evidência de que não há um modo equivocado de estudar: o método apropriado é o que melhor se adapta e atende aos interesses, à situação particular, às capacidades, possibilidades, oportunidades, necessidades e recursos cognitivo-afetivos próprios de cada pessoa[1]. Cabe a cada um estabelecer para si o que entende por como deve estudar, conhecer seus limites e ser consciente do que é capaz de sacrificar. Seguir cegamente um modelo forasteiro é o caminho mais rápido e fácil para enganar-se e destruir-se a si mesmo.[2]

Por que isto é assim? Em primeiro lugar porque, dado que cada pessoa é distinta, nem a todos satisfaz as estratégias de outros como tampouco são adequadas (a todos) as mesmas coisas. Em segundo, porque independentemente de qual seja a estratégia que se utilize, seu êxito dependerá fundamentalmente de duas coisas: as circunstâncias em que se apresentam os desafios e a personalidade de quem os enfrenta. (J. K. Norem)[3]

Nem sequer a realidade deixa de indicar algumas banalidades que abalam este tipo de fantasia sobre o “método correto”: a primeira, que todo caminho (método[4]) se faz ao caminhar (em nosso caso, ao estudar); a segunda, que as eleições e decisões acertadas sobre um determinado método dependem da experiência, e adquirir experiência depende, na maior parte das vezes, de eleições e decisões equivocadas.

Sejamos sérios. O potencial para aprender habilidades novas e/ou para melhorar as que já temos é amplo, e seguramente dispomos das condições necessárias para aproveitá-lo e desenvolvê-lo. Isto requer, apenas, que pensemos claramente sobre nossa própria experiência (única e intransferível), que questionemos nossas suposições, que saibamos distinguir o que sabemos bem do que só cremos saber e/ou do que não sabemos que não sabemos e que desafiemos a todo aquele que se dedique a predicar discursos supérfluos sobre estudo/aprendizado.

Para dizê-lo de outra maneira, o que realmente importa (i) é decifrar-se, cultivar-se, palpar os próprios limites, questionar tudo e fazer da experiência vivida de estudar/aprender o que ninguém tenha feito antes e, (ii) como sucede com todos os esforços por aprender, admitir que a norma é «praticar, praticar e praticar» até que o aprendizado se torne automático e intrinsecamente satisfatório (W. Mischel). Do contrário, seguimos estudando, mas não vamos a nenhuma parte.

Mas não é isso tudo. Se nos detemos atentamente sobre as condições do ato de estudar e as deixamos passar cuidadosamente por nossos neurônios e sinapses saltará à vista que não só há um, senão que são vários os tipos de métodos que estão à disposição e que podem ser úteis (ou não) dependendo da situação individual, das habilidades e das possibilidades de cada um. O segredo está na destreza para discriminar ou distinguir diferenças nas qualidades dos diversos métodos, eleger e atuar em consequência (algo que, dito seja incidentalmente e de passagem, pode aplicar-se tanto à eleição de um vinho, um livro ou um companheiro/a).[5]

Ademais, posto que não se aprende a nadar ou a tocar piano lendo um livro sobre o assunto ou simplesmente atendendo às opiniões de outras pessoas, do que se trata é abraçar de uma vez por todas o fato de que se aprende a estudar estudando e que nunca é possível prever com absoluta certeza se um determinado método produzirá um determinado resultado – ou melhor, que seguindo tal método se obtém tal êxito. É na experiência concreta de estudar que se descobre o melhor método pessoal para estudar/aprender, para armazenar e para recordar a informação: “o que temos de aprender a fazer, aprendemos fazendo”. (Aristóteles)

Estudemos, pois, sem ilusões ou distrações e não nos deixemos influenciar pela (ou não “vendamos nossa vontade” à) esquizofrênica avalanche de regras, fórmulas, estilos ou métodos de estudo que reina na indústria e no mercado dos concursos[6]. É de pouca serventia pela simples razão de que, às vezes, dada a complexidade de todo esse emaranhado de sugestões sobre “como estudar”, resulta mais difícil compreender e pôr em prática um método em especial do que o próprio ato de estudar em si mesmo (sobretudo no que se refere as suas eventuais possibilidades ou vantagens reais e factíveis para um aprendizado significativo).

O que intento deixar claro é que quiçá o mais sensato, coerente, funcional e eficaz com as boas práticas de estudo seja procurar reduzir o “problema” do método (com a mesma sensação de intimidade, com a mesma parcimônia) a dois critérios básicos:

  1. i) adotar um método de estudo que melhor atenda às tuas sensibilidades, necessidades, capacidades e/ou interesses pessoais, e – parafraseando ao imperador-filósofo Marco Aurelio – sentir-te contente de que em semelhante tempestade de métodos “tengas una cierta inteligencia para gobernarte”;
  2. ii) assumir que o método de estudo elegido (que está para estirar, retorcer, adaptar) pode não ser o melhor entre todos os concebíveis e sugeridos, mas seguramente será (ainda que potencialmente) o melhor entre todos os possíveis e disponíveis para tua peculiar, específica, intransferível e única situação.

 

Notas e Referências

[1]https://www.researchgate.net/publication/301325385_Concurso_Publico_e_os_traficantes_de_esperancas

[2] Evoquemos, a título de exemplo, o flagelo da «autoajuda», esse invento de Satã. Por quê? Pois basicamente porque a «autoajuda» apresenta um grande inconveniente: é mentira. Embora dar conselhos a outros seja a «mais fácil de todas as coisas» (Tales de Mileto), desde um ponto de vista puramente racional é impossível que um indivíduo escreva um libro ou dê conselhos para um completo desconhecido com o propósito de ajudar-lhe. Quer dizer, para que uma obra fora de «autoajuda» deveria escrevê-la a própria pessoa. Se não é assim, deveriam chamá-la «de ajuda», onde autores de todo tipo, com seus idiossincrásicos sincretismos e revelações místicas, oferecem, «ad absurdum et ad nauseam», suas milagrosas fórmulas mágicas para conseguir a felicidade e o desenvolvimento pessoal, ainda que sem saber exatamente para quem e o que significam. Com o «auto», explica T. García Ramón, “están insinuando que es usted un imbécil incapaz de ayudarse a sí mismo y que van a pedirle a alguien a quien le importan un pito sus dolencias escriba algo para que encuentre consuelo después de pasar por caja.”

[3] Pretender e/ou insistir que todos deveríamos seguir determinados métodos, técnicas, fórmulas ou regras de estudo “corretos” e “universais” é simplesmente uma farsa. Porque se isto fora possível, não existiria por exemplo a obesidade, nem o consumo de drogas, o alcoolismo ou as reprovações. Explicaríamos às pessoas obesas que têm que levar uma dieta equilibrada e fazer exercício e pronto, solucionado, não haveria obesidade. Aos consumidores lhes explicaríamos que não têm que consumir, que isso está prejudicando sua vida e suas relações; aos reprovados que não têm que estudar de determinada forma, que isso está atrapalhando o aprendizado e prejudicando suas aprovações... e eles diriam: “É verdade, não me havia dado conta!”… e problema resolvido, mundo feliz. Mas não crê o leitor (a) que um obeso, um consumidor ou um reprovado sabe melhor que ninguém o que deveria fazer? Muitas vezes parece que albergamos a estranha ideia de que se alguém é capaz de fazer uma coisa todo mundo pode fazê-la. Que se alguém é capaz de fazer uma dieta, todos podem fazê-lo. Não nos damos conta de que as pessoas são diferentes em tudo: na velocidade com que digerimos uma salada, na velocidade com a que corremos, na velocidade com que aprendemos ou memorizamos determinada assunto, em nosso interesse pela comida ou o sexo, em nossa capacidade de autocontrole, etc... etc. Parece que é impossível que entendamos que quando um endocrinologista dá umas instruções a 100 pessoas com relação à dieta, as 50 pessoas que as seguem são diferentes das 50 que não as seguem, que a efetividade da dieta variará de pessoa para pessoa, etc.. Totalmente. (P. Malo)

[4] Palavra que provém do termo grego methodos (-μετά [meta]= através de, por meio; -οδός [hodos]= via, caminho) e se refere ao meio utilizado para chegar a um fim ou os passos a seguir para realizar algo. Seu significado original designa o “caminho a seguir”, caminho para intentar lograr um fim. Servir-se de um método é, antes de tudo, tentar ordenar o trajeto através do qual se possa alcançar os objetivos projetados.

[5]  Recordemos que o propósito de qualquer método de estudo, que não exige a perfeição nem proporciona milagres, é o de auxiliar a aclarar determinados tipos de associações entre o que se sabe e o que não, facilitar a eficácia do aprendizado e a recuperação do material já conhecido, expor as deficiências e mostrar as matérias assimiladas e/ou olvidadas com a conveniente claridade e brevidade para permitir chegar a uma compreensão satisfatória e poder dedicar-se quanto antes a outros aspectos do programa; enfim, ajudar a navegar por conteúdos demasiado intrincados. 

[6]https://www.researchgate.net/publication/233911115_CONCURSO_PUBLICO_MOTIVADORES_TURBINADORES_E_TRIUNFADORES

 

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