Pelos tempos, as pessoas vulgares jamais tiveram voz autorizada diante das autoridades constituídas. Imagine-se alguém protestando contra um faraó, um imperador, um rei. A invenção do direito de fala é coisa criada pela burguesia. Sim, a burguesia revolucionou costumes e instituiu mais liberdades do que se imagina.
Na Tradição Ocidental, os burgueses arrebataram o poder de governar às linhagens havidas por superiores, com sangue azul, que representavam o deus católico. A partir do imperador Constantino, início do Século IV, até o fim do Século XVIII, havia nobres, havia clero. E sobrava uma ninguenzada a que se nomeava plebe.
Na Inglaterra, “desde sempre” houve exceção: em alguns cantos de alguns parques (o mais famoso é o Hyde Park), a critério do governo central, em uma tribuna específica (speakers’ corner), podiam-se dizer algumas poucas coisas. O local abrigou falas e chegou a protestos, em geral sob repressão. Mas funcionou a favor do povo.
O Hyde Park tornou-se um lugar de assembleias e manifestações populares. Entre outras coisas, lá se conquistou a ampliação do direito de voto da classe obreira (sim, só aos homens). Em 1872 as autoridades do próprio parque receberam a incumbência da medida dos discursos, censurando-os ou não.
O governo queria limites nas falas, o povo se entendia com imunidade para reuniões e opiniões. Ali se manifestaram Marx, Lenin, Orwell, Morris, dentre outros. Se as autoridades conseguiram confinar as manifestações populares ao parque, no parque as manifestações aconteciam. E cresceram. O lugar confundiu-se com liberdades.
Não obstante séculos de tradição, em 2003 as autoridades do parque tentaram proibir um ato contra a invasão do Iraque. O intento produziu mal-estar geral, o ato acabou autorizado por força dos fatos e foi um dos maiores da história da Inglaterra (Wikipédia). Já era tempo de internet; impossível controlar a mobilização.
A internet franqueou comunicação e expressão, deu-lhes amplitude, outra forma, garante-lhes conteúdos livres. Mas a internet (ainda) não organiza e canaliza requerimentos a ponto de ser ferramenta única ou mesmo principal de governo. Seja: se não se governa a internet, não se consegue governar por meio da internet.
Os ministros Gilmar Mendes (a quem se atribui gosto pelo PSDB) e Dias Toffoli (que advogou para o PT), respectivamente vice-presidente e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, palestraram no II Fórum de Direito Eleitoral (16dez15), promovido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ambos propuseram uma reforma política que crie um novo modelo de representação no Brasil, pois consideram o atual sistema fracassado. Eu tenho minhas dúvidas se a nossa questão é exatamente o “sistema”. Talvez seja o sistema, talvez sejam os eleitos, talvez sejam os eleitores, talvez sejam os cidadãos.
O sistema estaria obsoleto para intermediar os requerimentos da sociedade em rede; os eleitos não defendem conceitos, mas interesses menores e, muitas vezes, escusos; os eleitores em grande parte votam por corporativismo, por orientação religiosa, por “simpatia”, por incentivos corruptos. Por fim, temos pouca prática de cidadania.
De fato, o sistema partidário brasileiro não expressa a Sociedade. Por outro lado, a Sociedade protesta, diz o que não quer, mas não se dispõe a participar de qualquer organização e muito menos do encaminhamento do seu querer. Xinga-se na internet; não se põe a “mão na massa” do mundo político.
Partidos políticos podem ser mesmo coisa vencida; talvez necessitemos de sistemas mais ágeis; quem sabe redes sociais de internet sejam um recurso mais à atura dos tempos vigentes. Partidos ou redes, de toda forma, são meios, não são fins. E os fins da política não acontecem sem vida cívica.
Em breve, eleições municipais. Prefeito e vereadores, os governantes da cidade, a pequena pátria em que a vida acontece. Não sejas só eleitor, sê, antes, cidadão. Ou te faz candidato, ou apoia um que te pareça bom. Ou declara nojo de “tudo o que está aí”. Então, tudo fica como aí está. Ah!, e como tudo está, está bom?
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