Por Elisandro Lotin de Souza - 10/08/2016
As imagens e vídeos de policiais da Força Nacional e agentes de segurança retirando pessoas que expressam suas opiniões e pensamentos de dentro das instalações olímpicas viralizam nas redes sociais, nos levando a crer que estamos de fato vivendo um estado que não se coaduna, em hipótese alguma, com o Estado Democrático de Direito previsto na CF de 88.
..
Na copa de 2014, a FIFA "assumiu" o poder no País, tanto que leis foram suspensas, modificadas e até revogadas a pedido da entidade, como, por exemplo, a lei constante no Estatuto do Torcedor que proibia a venda de bebidas alcoólicas nos estádios.
.
Agora é a vez do COI assumir o poder no Brasil, visto que as regras desta ONG passam a ter, em pindorama, força de lei, contrariando claramente a legislação pátria, configurando-se assim, no País, a nosso ver, um estado de exceção, pois as leis existentes no âmbito formal e material deixam de ser cumpridas em prol de situações esporádicas, momentâneas e, no caso, com cunho eminentemente político.
.
O estado de exceção, segundo Giorgio Agamben , é de difícil conceituação por encontrar-se no limite entre política e direito. Ainda segundo o referido autor, a opinião generalizada dá conta de que tal situação (estado de exceção) constitui-se como um desequilíbrio entre direito público e fato político, tornando-se mais grave ainda na medida em que tal acontecimento é fruto de arranjos advindos de uma crise política, pois o estado de exceção, neste contexto, apresenta-se como "uma forma legal, daquilo que não pode ter forma legal" .
.
A Constituição da República Federativa do Brasil , no Art. 1º nos informa que somos um estado democrático de direito, e que temos como fundamento a soberania, a cidadania, o pluralismo político, entre outros.
.
No artigo 2º , da Carta Magna, temos os princípios que regem nossas relações internacionais, e entre estes, temos, no inciso IV a previsão da não intervenção.
.
O artigo 5º trás os Direitos e Garantias Fundamentais, a meu ver a espinha dorsal de nossa nação no tocante à relação do estado com o cidadão, seja no âmbito das relações políticas, jurídicas, sociais e trabalhistas. Entre estes direitos e garantias temos os incisos:
.
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
.
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
.
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
.
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
.
No artigo 220 da CF temos que "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". O parágrafo 2º, deste mesmo artigo, afirma que "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
.
Para além dos direitos constitucionais elencados acima, os quais não demandam nenhuma grande interpretação, visto que sua clareza de ideias e valores são claros, notadamente no que tange a manifestação do pensamento, no caso da Olimpíada foi editada também a Lei 13.284/16 , a qual "Dispõe sobre as medidas relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 [...], que serão realizados no Brasil".
.
O Capítulo IV da Lei 13.284/16 versa acerca "DAS CONDIÇÕES DE ACESSO E PERMANÊNCIA NOS LOCAIS OFICIAIS", e prevê, no seu artigo 28, § 1º que: "São condições para acesso e permanência nos locais oficiais, entre outras: § 1º - É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana".
.
Dito isto, voltamos ao COI,
.
O COI, em sua Carta Olímpica , institui um conjunto de regras e textos que tem por finalidade balizar e orientar todo o Movimento Olímpico, desde a questão dos atletas, público, enfim. A Carta Olímpica também define a missão e o papel do Comitê Olímpico Internacional (COI), dos Comitês Olímpicos Nacionais (CONs) e das Federações Internacionais (FIs), assim como fornece regras para a organização e administração dos Jogos Olímpicos, bem como orientação sobre procedimentos gerais de organização e governança.
.
Dentre as regras da Carta Olímpica, temos a regra 50, a qual define as questões atinentes a "PUBLICIDADE, MANIFESTAÇÕES, PROPAGANDA". No item 3 da regra supra, temos que " Não é permitida em qualquer instalação Olímpica qualquer forma de manifestação ou de propaganda política, religiosa ou racial", e é com base nesta regra que Policiais da Força Nacional estão recebendo ordens para reprimir e retirar as pessoas que estejam manifestando ou demonstrando qualquer tipo de manifestação de cunho político ou ideológico das áreas olímpicas. Tal situação, por óbvio, contraria a Constituição Federal e, inclusive, a lei 13.284/16, gerando, aquilo que se definiu acima como sendo um estado de exceção,
.
Para além das questões atinentes ao estado de exceção vigente no período da Olimpíadas, balizado pela lógica do desrespeito as legislações vigentes por parte da ONG COI (Comitê Olímpico Internacional), temos também questões de interferência na segurança pública e na prestação do trabalho deste direito fundamental por parte dos policiais, situações que merecem ser analisadas sob o ponto de vista administrativo e jurídico.
.
Juridicamente e administrativamente um policial ou bombeiro militar, membro ou não da Força Nacional, responde, tanto por regulamentos disciplinares, estes com base nos arcaicos e retrógrados regulamentos disciplinares, assim por crimes tipificados no Código Penal Militar, os quais, como sabemos, possuem em sua lógica valores oriundos da época em que
vivíamos um estado ditatorial, e aqui, cabe, inclusive, aos operadores do direito, questionamentos, análises e textos acerca da vigência, ainda, em pleno estado de democrático de direito, de tais regulamentos e leis no que tange à atividade policial, visto que a legislações e normas não se adequam em nada à Carta Magna de 88, a despeito do entendimento já definido dando conta da recepção por parte CRFB de 1988.
.
Dito isto, e no contexto da ordem recebida pelo operador de segurança pública militar para retirar pessoas das áreas ditas olímpicas (como se estas áreas não fizessem parte do País) por conta de expressarem suas opiniões políticas, o fato é que o descumprimento de uma ordem por parte de um militar é fato gerador, tanto de uma transgressão disciplinar, bem como, a depender da análise do comando, de um crime militar, este tipificado no no Código Penal Militar, o que, inevitavelmente impõe ao transgressor penas, tantos administrativas, como penais, ou, inclusive, ambas. É importante que se frise que tais penas, no âmbito administrativo vão desde advertência, até a prisão. Já no que tange à esfera penal temos como pena a detenção de até 6 meses, conforme o art. 301 do Código Penal Militar , o qual tipifica o crime de desobediência.
.
Assim sendo, a situação que se apresenta, notadamente para os policiais que compõem a FN, bem como para todos que estão trabalhando na área de segurança das olimpíadas, nos parece claramente ilegal quando da ordem dada no sentido de retirar aqueles que expressam-se suas opiniões ou convicções político/ideológicas, na medida em que uma regra do COI (Comitê Olímpico Internacional) não pode em nenhuma hipótese sobrepor-se à Constituição brasileira e à legislação infraconstitucional e a manter-se tal determinação temos, a nosso ver, uma clara violáceo de nossa soberania e dos direitos garantias fundamentais.
.
Sob o ponto de vista do profissional militar de segurança pública, mero cumpridor de ordens, resta duas situações a fazer e a saber, quais sejam, ou respeita a CF no que tange ao direito do cidadão brasileiro, e portanto também o seu, e neste caso incorre no cometimento de transgressões disciplinares e crimes militares. Ou, por outro lado, abona a ordem manifestamente ilegal dada, e assim, junto com o COI e as autoridades de pindorama, rasga a Constituição brasileira naquilo que nos é mais sagrado (inclusive a ele, policial militar), que são a nossa soberania e nossos direitos e garantias fundamentais, e neste caso torna-se, tal qual todas as autoridades políticas do momento, também um avalizador do estado de exceção vigente, o que por certo abre brechas obscuras e perigosas, na medida em que em tal situação tudo é possível, haja visto que o Estado Democrático de Direito está em cheque, a poucos passos do cheque-mate.
.
Por fim, resta ainda uma última avaliação, está no âmbito pragmático da segurança pública em si, notadamente no que diz respeito às falhas, paliativos e improvisos que moldaram e moldam os preparativos e o planejamento para a segurança do evento,e que se sustentam no número de agentes convocados, notadamente insuficiente, gerando assim sobrecarga de trabalho e nas condições de trabalho e acomodações a que foram submetidos estes profissionais, que, para além de tudo isso, ainda precisam cumprir ordens ilegais e imorais, o que por certo traz a estes profissionais mais estresse, desgate e trabalho, tornando mais dificultosa ainda a missão de prestar segurança pública de qualidade..
Elisandro Lotin de Souza é Cabo da Polícia Militar de Santa Catarina. Presidente da ANASPRA - Associação Nacional de Praças. Diretor de Relações Públicas da Aprasc - Associação de Praças de SC. Membro do Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP/MJ. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP. Pós-graduando no curso de Especialização em Ciências Criminais e Segurança Pública.mail: .
Imagem Ilustrativa do Post: ATO EM COPACABANA: FORA TEMER! NENHUM DIREITO A MENOS! CONTRA A CALAMIDADE OLÍMPICA! | 05/08/2016 | Rio de Janeiro/RJ // Foto de: Mídia NINJA // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/midianinja/28186683294/
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.