Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro...

11/01/2019

Coluna Vozes-Mulheres / Coordenadora Paola Dumont

Réveillon. Virada. Novos planos, novas metas. De tempos em tempos, novos governos. O que não muda é a esperança de um futuro melhor do que passado e presente. Afinal são tempos de consolidação de conquistas e busca por novidades, na vida pessoal, profissional, afetiva, social. O ano de 2019, contudo, começou estranho. A onda conservadora que vem ganhando espaço globalmente atingiu o Brasil e o momento é de insegurança.

Intitulamos esse texto com a canção de Belchior, que é quase um acalanto aos ouvidos. Mas não pense que se trata de um texto puramente otimista, ou como diria Mayakovsky: “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado.” E é isso. Isso é o que temos que sentir.

Afinal, o que angariamos e o que perdemos no atual momento histórico?

Atravessamos o passado mais recente com uma vontade de mudança e de renovação e, dando vazão a isso, nosso povo elegeu “antipolíticos”, indivíduos que trazem consigo o marketing de pessoas comuns (não políticas), que se propagandeiam como próximos ao cidadão comum e buscam atender aos anseios do cidadão médio brasileiro “cansado” do chamado “politicamente correto”, da burocracia. 

Em meio a essa “vontade de mudança”, foi eleito para a Presidência da República  um “antipolítico”, com quase trinta anos de vida pública (por mais contraditório que se pareça) e um discurso “politicamente incorreto”, contrário à ascensão da luta por pautas identitárias, e com objetivo de levar a cabo as suas propostas, ainda que à custa da jovem e não consolidada democracia. 

Bradando um discurso liberal e de submissão da minoria à vontade da maioria - seja esta qual for, ainda que excludente – elegeu-se um governo que entende que o fim justifica os meios, desde que não se mantenha, em nada, o que vem sendo produzido nos últimos anos.

Num cenário de descenso de direitos, tivemos cortes drásticos em pautas duramente construídas. Pautas - ainda que poucas - institucionalmente solidificadas via luta popular. Este é o cenário que se vislumbra aos que construíram um pouco de esperança. Daí, a nossa insegurança. 

É preciso refletir que em momentos cabais na história da humanidade, em momentos em que a luta foi pela manutenção da existência e da liberdade de grupos humanos inteiros, foi ali! Foi ali que novas narrativas tiveram que ser pensadas, que novas formas de enfrentamentos tiveram que ser criadas e que novas formas de pensar a sociedade tiveram que ser cunhadas. 

Foram nos momentos em que as trevas pareciam tomar conta de forma definitiva que as grandes ideias emancipatórias surgiram, que as artes de alta vanguarda floresceram e que movimentos da sociedade ganharam novas cores de frescor.

A resposta à feiúra é, inevitavelmente, a beleza crua.

A resposta à barbárie é a implacável procura pela liberdade.

A resposta à brutalidade é a exigência urgente de humanidade e compaixão. 

Vivemos tempos aparentemente sem saída, mas, não no sentido totalmente desesperançoso; muito pelo contrário, é chegada a hora da reinvenção de nós mesmos e de nossa sociedade. É chegada a hora da política comprometida com o povo se repensar e ir mais fundo. É chegada a hora em que cada cidadã e cidadão comprometido com as diversas lutas travadas nos fronts diários, arregacem as mangas e pensem em novas soluções. 

A correnteza avança, é certo. Mas, mais que lamentações, temos muitas mãos. O que fazer com o saldo de tudo isso, o que resta aos verdadeiramente dispostos aos sonhos coletivos?  Que se reúnam... que nos reunamos... a  construir mais.

Chegamos naqueles momentos históricos em que o que é exigido da gente é coragem, como diria nosso Guimarães Rosa.

Mas exigir isso bem da gente? Exigir isso dessa nossa geração que pouco protagonizou lutas? Geração que viveu a adolescência e começo da juventude tendo certeza que direitos sociais e civis universais eram uma situação de completa normalidade. Geração que tinha certeza que a democracia, no sentido amplo do termo, era fato histórico dado, conquista sem chances de retrocesso. 

Temos uma geração moderna mal-acostumada, ansiosa e com uma visão distorcida. A verdade é que é preciso internalizar que todo ser é um ser político, e para ser, sem que se perca a lucidez, é preciso menos ansiedade para enxergar o horizonte. É o horizonte político que nos norteia, é o horizonte que, para além da agitação momentânea do mar, faz-nos permanecer firmes na embarcação para lutar. Somos seres políticos no mar agitado da história e essa é a nossa tarefa.

Chegou a hora de firmamos os corpos e as mentes e construirmos as outras vias. À vanguarda de nós mesmos.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Figures of Justice// Foto de: Scott Robinson// Sem alterações

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