Análise econômica do modelo comparticipativo de processo (Parte 1) – Por Denarcy Souza e Silva Júnior

06/06/2016

Leia também a Parte 2.

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, tendo em foco a mudança de paradigmas por ele engendrada, várias discussões ganham relevo na moderna processualística, notadamente, naquilo que diz respeito às principais modificações implementadas pelo no diploma processual e no que elas influenciarão na efetividade do processo.

Se é verdade que o novo código abandonou o modelo adversarial de processo, trazendo uma releitura da garantia do contraditório (dinâmico), faz-se necessária uma análise dos reflexos desse novo modelo no processo mesmo, no dia a dia daqueles que militam no foro e dos jurisdicionados, consumidores que são da justiça, naquilo que se convencionou chamar de 3ª onda para uma ordem jurídica justa.[1]

Essa promessa de efetividade do processo, que já vem estampada no art. 8º[2], do Novo Código de Processo Civil, traz consigo um conteúdo de dever-ser redobrado, empurrando o intérprete para uma análise consequencialista das regras e princípios insertos no novo diploma processual, que parece ter sido influenciado, nalguns relevantes aspectos, pela análise econômica do direito.

O próprio modelo comparticipativo de processo, fulcrado na cooperação dos sujeitos processuais entre si para que se obtenha, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º), não passa imune a uma análise econômica do próprio sistema, que aposta em uma comunidade de trabalho e num policentrismo processual na busca de um resultado ótimo: uma decisão de mérito justa e efetiva, obtida num tempo razoável e construída em contraditório dinâmico.

O novo diploma processual pode ser estudado à luz da Análise Econômica do Direito, sobretudo em seu paradigma consequencialista, porquanto pareça ululante que houve forte influência dessa escola de pensamento quando da elaboração do Novo Código de Processo Civil. As premissas mesmas da AED podem e devem ser utilizadas na análise das normas do Novo Código de Processo Civil, fazendo-se uma análise econômica do modelo processual adotado, notadamente nas escolhas realizadas pelo legislador quando da elaboração do projeto de lei que culminou no NCPC.

Análise Econômica pode ser utilizada em diversos campos do conhecimento, aí incluído o Direito Processual Civil, pois é perfeitamente possível se analisar o custo de oportunidade de um processo, bem assim a utilização da teoria da escolha e dos jogos. No primeiro caso, quando se profere uma decisão judicial; no segundo, no agir estratégico das partes no processo. Isso sem falar no sistema de incentivos e no diálogo intercambiário entre várias ciências fomentado pelo Novo Código de Processo Civil.

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: UM ESCORÇO TEORÉTICO.

Não é de hoje que interdisciplinaridade vem sendo utilizada para o estudo do direito, abandonando a premissa instituída por Kelsen, ainda no início do século XX, sobre a pureza da Ciência do Direito e a impossibilidade de se utilizar ciências outras em sua análise, como se a Ciência do Direito fosse um sistema hermeticamente fechado e imune aos influxos de outros ramos do conhecimento humano.

A despeito do Círculo de Viena ter desenvolvido um Neopositivismo Lógico, que tinha por mote a supremacia do empirismo e do rigor da linguagem, como fundamento da ciência, inspirado no primeiro Wittgeinstein[3], um de seus principais integrantes, Karl Popper, publicou, ainda em 1934, A Lógica da Pesquisa Científica[4] (Logik der Forschung), demarcando os limites daquilo que é ou não ciência. Esta obra instituiu o critério de falseabilidade para as hipóteses científicas, em nítida oposição ao verificacionismo dos neopositivistas, ainda que neste mesmo ano Kelsen tenha publicado sua obra de maior relevo, a Teoria Pura do Direito.

Nesta mesma época, só que nos Estados Unidos da América, surgia o Realismo Jurídico, que propiciaria o nascimento de diversas linhas de pensamento, entre elas a “Critical Legal Studies”, a permitir a interdisciplinaridade no Estudo do Direito, bebendo de fontes como a Sociologia e a Economia, o que desaguaria, algum tempo depois, no movimento do Law and Economics, fruto do pensamento realista.[5]

Se é certo que já em meados da década de 1930 iniciou-se o movimento denominado escola analítica de “Law and Economics”, também é certo que esse movimento, ainda que de forma intuitiva, é fruto do desenvolvimento da filosofia que teve sua gênese lá no Círculo de Viena, com seu Neopositivismo Lógico.

A escola da análise econômica do direito, embora tributária de vários pensamentos filosóficos, se solidificou no ano de 1960, com a publicação, por Ronald Coese, do artigo “The Problem of Social Cost[6], que simultaneamente fundou os alicerces da Nova Economia Institucional (New Institutional Economics) e da moderna Análise Econômica do Direito. No ano seguinte, Guido Calabresi publicou “Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts[7], solidificando o estudo integrativo direito-economia.[8]

No final dos anos 1970, Gary Becker, economista e professor da Universidade de Chicago, passa a aplicar os métodos analíticos baseados na Escolha Racional a áreas de não mercado, sendo acompanhado pelo seu colega de universidade, juiz e professor na faculdade de direito, Richard Posner, notabilizado como o nome mais conhecido no campo interdisciplinar denominado Direito e Economia (Law and Economics) ou Análise Econômica do Direito[9].

Percebe-se, desse breve escorço histórico, que a Análise Econômica pode ser utilizada em diversos campos do conhecimento, da política à ética, do direito público ao privado, da área penal ao direito de família, como também no direito processual civil, até porque parece não haver limites a sua utilização.

Richard Posner já salientava que a economia é uma ferramenta poderosa de análise de um campo amplo de questões de interpretação da lei, até porque seria a ciência da escolha humana, implicando na definição do homem como um racional maximizador de seu próprio interesse.[10] Como as pessoas, ainda nesta visão da corrente positiva, respondem a interesses, com a mudança dos incentivos mudar-se-iam as condutas, sendo a economia capaz de dizer algo acerca dos custos de alterar um estado de coisas e das consequências das diversas políticas.[11]

Decerto as condutas individualistas estão orientadas a fins, pois os indivíduos tratam racionalmente de maximizar o seu bem-estar. Nesta busca, cada sujeito ordena as suas preferências, abrindo mão de outras, comparando os custos da decisão tomada (custos de transação) e age. Como os bens são escassos, as escolhas são inevitáveis. Para a análise econômica do direito, decidir é sinônimo de escolher, sendo o processo decisório tomado por incentivos e restrições, que não necessariamente ostentam caráter monetário.[12] 

Muchos abogados creen todavia que la economia es el estúdio de la inflación, el desempleo, los ciclos económicos y otros fenômenos macroeconômicos misteriosos alejados de las preocupaciones diarias del sistema legal. En realidad, el campo de la economia es mucho más amplio. Tal como se concibe en este libro, la economia es la ciência de la elección racional en un mundo – nuestro mundo – donde los recursos son limitados em relación con las necessidades humanas.[13]

Não se pode deixar de observar, conforme já referido, que a Análise Econômica do Direito é uma das ramificações do Realismo Jurídico. Na verdade, cuida de uma análise pragmática, que objetiva afastar a discussão das questões semânticas e metafísicas e aproximá-la das questões factuais e empíricas.[14] Dito de outro modo, a AED nada mais é que a aplicação de um método econômico para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, compreender o direito no mundo e o mundo do direito.[15]

Numa palavra e lastreado nas lições de Posner, o objetivo da análise econômica do direito é tentar explicar e prever o comportamento dos grupos que participam do sistema jurídico, como também explicar a estrutura doutrinária, procedimental e institucional do sistema. Mas não só isso! Busca ainda aperfeiçoar o direito, pois assinala consequências involuntárias ou indesejáveis das leis ou dos projetos de lei, propondo, acima de tudo, reformas práticas no ordenamento.[16]

Assume-se, portanto, um perfil pragmático, ampliando-se os horizontes dos operadores do direito para a construção das soluções jurídicas, ao passo que se abandona o viés estritamente dogmático na análise dos aspectos positivos (descritivos) e normativos do sistema jurídico. Se decidir é engendrar uma escolha racional, a utilização do modelo analítico do mercado como método de determinação de recursos é o mote da análise econômica do direito.

De uma maneira mais simples, a análise econômica do direito pode ser entendida como um estudo mercadológico das instituições jurídicas, com o objetivo de ampliar a eficiência do sistema normativo. É a busca da compreensão do processo de escolha dos indivíduos ou da coletividade, dentro de perspectivas racionais, que tendem a ser padronizadas. Analisam-se as consequências da aplicação de uma norma jurídica, bem como a criação de novos textos normativos, sempre se levando em consideração a maximação dos resultados.

É de se ver, que no processo de escolha devem ser avaliados os custos inerentes à resolução, mesmo porque quando uma pessoa opta por algo, como dito, deixa de lado outras possibilidades, é o que se denomina de custo de oportunidade. Se é certo que nas premissas da AED o indivíduo busca otimizar os seus resultados, a escolha a ser engendrada deve ser a que melhor implemente o seu bem-estar. Tais premissas, aliadas a outras, decerto auxiliam na compreensão do comportamento humano (não mercadológico), viabilizando uma compreensão do Direito, destinada à busca de uma maior eficiência do ordenamento jurídico, e naquilo que mais importa ao presente ensaio, do Direito Processual Civil.

Na busca pela efetividade do processo, o legislador fez escolhas e, decerto, sopesou os custos de oportunidade, notadamente quando instituiu o contraditório dinâmico e a fundamentação analítica da decisão judicial. Se agora não é possível ao magistrado, em grau algum de jurisdição, proferir decisão com base em fundamento que não tenha passado pelo crivo do contraditório ou, por outro lado, se não mais se pode pensar num livre convencimento motivado, mas sim numa fundamentação que enfrente todos os argumentos deduzidos pelas partes, o custo disso para o tempo do processo deve ser analisado, mesmo porque um resultado ótimo compatibiliza essas garantias constitucionais com outra: a razoável duração do processo.

O próprio Direito Fundamental a uma Tutela Jurisdicional Efetiva impõe uma análise econômica da decisão judicial, bem assim a estabilidade, coerência e integridade da jurisprudência dos tribunais – aqui entendida como precedentes[17] – não passa ao largo de uma análise com bases econômicas. O modelo cooperativo de processo, e os deveres de cooperação a ele inerentes, de igual monta, devem ser analisados dentro do sistema de incentivos, uma vez que as partes só tendem a atendê-lo na busca de seus próprios interesses.

Enfim, não se pretende no presente ensaio esgotar a análise econômica do Novo Código de Processo Civil, empresa que se mostraria impossível nas breves linhas que foram e serão perfilhadas. O que se busca é fomentar o debate, é apresentar ao leitor uma análise mercadológica do modelo processual escolhido, que irá influenciar e modificar a vida daqueles que militam no foro e daqueles que buscam a tutela jurisdicional para o seu direito. A missão é árdua, mas instigante. Até a próxima coluna!


Notas e Referências:

[1] Cf. WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade Moderna. In: Participação e processo. São Paulo: Ed. RT, 1988. Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant, Acesso à Justiça, 1988.

[2] Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

[3] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.

[4] POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Editora Cultrix, 1974.

[5] CARVALHO, Cristiano. Teoria da Decisão Tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 35-36

[6] COASE, Ronald. “The Problem of Social Cost”. Journal of Law and Economics, v. 3, p. 1s, 1960.

[7] CALABRESI, Guido. “Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts”. Yale Law Journal, v. 70, p. 499s., 1961.

[8] ULEN, Thomas. COOTER, Robert. Direito e economia. 5ª Edição. Tradução publicada por Pearson Education. São Paulo, 2010, p. 19.

[9] Cf. CARVALHO, Cristiano. Teoria da Decisão Tributária. São Paulo: Saraiva, 2013.

[10] POSNER, Richard. Economics analysis of law. Boston: Little, Brown & Co., 1972, p. 1-4.

[11] LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial: fundamentos de direito. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 193.

[12] POSNER, Richard. A economia da justiça. Traduzido por Evandro Ferreira e Silva. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2007, p. XII.

[13] POSNER, Richard A. El análisis económico del derecho. Trad. De Eduardo L. Suárez. 2ª Ed. México: FCE, 2007, p. 25.

[14] POSNER, Richard. Problemas de filosofia do direito. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2007, p. 473.

[15] GICO JR, Ivo T. Introdução à análise econômica do direito. In: KLEIN, Vinícius. RIBEIRO, Maria Carla Pereira. O que é Análise Econômica do Direito – Uma introdução. Editora Fórum. Belo Horizonte. 2011, p. 20.

[16] POSNER, Richard. Fronteiras da Teoria do Direito. Traduzido por Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2011, p. 8.

[17] Fugiria ao escopo do presente trabalho analisar as diferenças existentes entre súmula, jurisprudência e precedentes. Para uma distinção interessante, consultar: MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes Judiciais e o direito processual civil. Salvador: Editora JusPodivm, 2014.


 

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