Análise Econômica do Direito na Judicialização da Saúde – Por Clenio Jair Schulze

20/03/2017

A judicialização da saúde pode ser interpretada a partir de várias perspectivas. Neste aspecto, merece destaque a Análise Econômica do Direito – A&D.

Um dos principais baluartes da A&D é Richard Posner, juiz federal em Nova Iorque, muito conhecido por declarações polêmicas – como admitir a venda de bebês[1] – e também pelos debates acalorados com Ronald Dworkin[2].

A partir das décadas de 1940 e 1950, economistas passaram a estudar determinados ramos do Direito, vinculados com o mecanismo antitruste, o Direito Societário, o Direito Tributário e diversas áreas de regulamentação dos serviços públicos[3].

Nos anos seguintes, com trabalhos escritos por Guido Calabresi, Coase e Becker, surgiu uma ‘nova’ Teoria Econômica do Direito, que preconiza a atuação da Economia em pontos centrais da área jurídica, com destaque para a propriedade, a responsabilidade civil, o direito de família, o direito penal, os direitos processual civil e penal, entre outros[4].

Assim, a Análise Econômica do Direito ganhou força e expandiu-se no Direito dos EUA para inúmeros outros sistemas jurídicos.

Isso se conecta com o aspecto interdisciplinar da Ciência Jurídica, que também constitui a marca deixada por Posner, quando enfatiza a necessidade do cultivo, pelos agentes jurídicos, de uma perspectiva externa ao Direito, e examinem contribuições de outras áreas e ciências[5].

O objetivo de Posner é demonstrar que os problemas da sociedade não podem ser resolvidos com base exclusivamente no direito, mas a partir de ferramentas encontradas em outras esferas de estudo.

O ponto central da teoria econômica do direito reside na maximização da riqueza, que configura critério de custo-benefício a orientar a teoria da decisão judicial[6].  Vale dizer, o dinheiro, que constitui a unidade comum, vai servir de suporte para investigar se os custos e benefícios – incluindo os não pecuniários – sejam considerados para se decidir o que é uma norma ou prática eficiente[7].

A novidade do movimento Law & Economics, na lição de Posner, consiste em “[...] insistir que os juízes, ao tomar decisões, exerçam sua ampla discricionariedade de modo que se produzam resultados eficientes, entendidos no sentido de resultados que evitem o desperdício social [...]”[8].

Assim, na Judicialização da Saúde, a proposta teórica da A&D permite internalizar conceitos materializados no custo-benefício, no custo-efetividade e na utilidade da decisão em prol do cidadão e da sociedade.

Tal noção já encontra adeptos no Brasil, inclusive no Poder Judiciário, conforme se pode verificar na ementa da seguinte decisão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA PARA FORNECIMENTO DE REMÉDIO URSACOL (ÁCIDO URSODEOXICÓLICO). INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO. LIMINAR DEFERIDA. PARÂMETROS DEFINIDOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA STA 175-AGR/CE. ATESTADO MÉDICO SEM A NECESSÁRIA ROBUSTEZ SUSTENTANDO EFICÁCIA E NECESSIDADE DO MEDICAMENTO SUBSCRITO PELA MÉDICA DO PACIENTE. INOBSERVÂNCIA DO PARECER EMITIDO PELA CONITEC. REFORMA DA DECISÃO DE 1º. GRAU. PROVIMENTO DO RECURSO. Inegável que "o direito à saúde se trata de direito público subjetivo, não podendo ser reduzido à promessa constitucional inconsequente” (STF, Agravo Regimental no RE 271.286-8/RS), todavia, ninguém pode esconder que o sistema de saúde público no Brasil está sem atender a todos de forma digna e eficiente por ausência de recursos financeiros. No meio desse “incêndio” de direitos e deveres, já tarda a hora de levantarmos mais a cabeça e deixarmos de lado a observação exclusiva das "árvores" que estão pegando fogo e olharmos para a "floresta" inteira que precisa ser salva. De nada adianta retóricas sobre justiça social e direitos fundamentais que são apresentadas apenas a uns poucos e potencialmente afetam ao restante da coletividade que também clama e merece ser atendida nas questões envolvendo a saúde pública. “Justamente o que caracterizaria um direito como social é sua não apropriação por um indivíduo, mas estar à disposição de toda a sociedade. De modo que o direito social à saúde é um direito de todos terem um hospital funcionando com um nível x de atendimento, ainda que limitado (por exemplo, urgências). Não significa o direito de um indivíduo contra todos da sociedade obter um medicamento que poderá provocar o fechamento do posto de saúde. Este não é um direito social ou coletivo, mas individual.” (TIMM. Luciano Benetti. Direito à saúde e a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de Direito e Economia). Dispõe o Enunciado n. 33, da Jornada de Direito da Saúde: “Recomenda-se aos magistrados e membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e aos Advogados a análise dos pareceres técnicos da Agência Nacional de Saúde Suplementar e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) para auxiliar a prolatação de decisão ou a propositura da ação.” A importância da CONITEC não pode ser singelamente ignorada e nem tampouco suas recomendações. “Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.” (BARROSO. Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial). A deliberação final da CONITEC, em seu parecer 38 (Portaria 10/2013), é no sentido de “Não recomendar o ácido ursodesoxicólico para o tratamento da doença hepática associada à fibrose cística no SUS.” Buscando conciliar o mínimo existencial com a reserva do possível, o Supremo Tribunal Federal definiu, na STA 175- AgR/CE, que, em regra, a concessão de ação de saúde não padronizada pelo SUS depende da observância de três parâmetros: a) registro ou aprovação do procedimento ou tratamento na ANVISA; b) demonstração de ineficácia das opções alternativas disponibilizadas pelo SUS; c) que o procedimento ou tratamento não seja experimental, o que não se confunde com um novo tratamento ainda não testado pelo Sistema de Saúde brasileiro. Ausente o preenchimento de algum desses requisitos, mostra-se inviável a concessão de medicamento ou tratamento requerido pela parte, sobretudo se, como no caso, houver decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema de Saúde CONITEC rejeitando a incorporação do fármaco pleiteado, diante da falta de evidências científicas de sua eficácia terapêutica. Inviável se aceitar um singelo atestado médico desacompanhado de maiores elementos e força probante contra todo o arcabouço administrativo-legal erigido no sentido de tornar mais eficiente e eficaz o sistema de acesso à saúde pública. Em havendo decisão da CONITEC desautorizando o uso do remédio pleiteado e na falta de elementos concretos e bem delineados sobre a ineficácia dos medicamentos do SUS para o paciente em questão, apesar das pressões inerentes a esse tipo de hard case (MacCormick), não se deve adotar uma postura típica de Robin Hood, apoiando-se em argumentos principiológicos completamente distantes da dura realidade orçamentária brasileira e dos cuidados e alertas consagrados pelos Tribunais Superiores acerca da matéria[9].

Como se observa, a Análise Econômica do Direito – A&D contempla interessante perspectiva na interpretação das questões que envolvem a Judicialização da Saúde.


Notas e Referências:

[1] A questão é esclarecida em entrevista para Revista Veja:

VEJA - Nesse mesmo campo, outra idéia sua que causou escândalo foi a de que “vender bebês” seria mais racional do que dá-los em adoção.

Posner - Muito do barulho em torno dessa proposta veio do fato de eu ter usado a expressão “vender bebês” na primeira vez em que a apresentei. Depois ajustei a terminologia para “venda de direitos parentais”, mas acho que o estrago já estava feito. Seja como for, nunca sugeri que você poderia adquirir uma criança para usos impróprios. Os deveres legais que uma pessoa têm para com as crianças permanecem absolutamente intocados, independentemente da maneira como a criança entra na sua esfera de responsabilidade. Não importa se você é pai, pai adotivo ou se você roubou um bebê, você sempre terá a obrigação legal de zelar por ela. A expressão “vender bebês” dá a impressão de que as crianças se tornariam mercadorias que você pode usar a seu bel prazer, o que nunca foi minha idéia. Minha análise nesse campo partiu de observações sobre o péssimo funcionamento do mercado de adoções. Atualmente, nos Estados Unidos, se você é uma mulher grávida, você tem algumas opções: ter a criança e cuidar dela, ter a criança e entregá-la para adoção, ou realizar um aborto. Mas você não pode negociar seus direitos parentais sobre essa criança. O resultado é um desequilíbrio bizarro. Temos 1,5 milhão de abortos por ano nos Estados Unidos, e uma enorme falta de crianças para adoção. Casais americanos vão à Romênia, à Coréia do Sul e creio que até mesmo ao Brasil para adotar. Para ser aceito como adotante aqui, você precisa passar por um longo processo e ser sujeitado a uma investigação muito pesada - que, já se provou, não está livre de deformações por preconceito racial ou religioso. Diante dessa demanda insatisfeita, o que sugeri foi um experimento: ir a clinicas de aborto, propor a algumas mulheres que não realizassem a operação em troco de uma quantia em dinheiro e que o bebê, depois, fosse entregue para pais adotivos. Nunca sugeri que se criasse um mercado completamente desregulamentado de adoções. Propus uma experiência que continuo achando válida, embora ela não tenha apoio político nenhum.” Disponível em http://origin.veja.abril.com.br/idade/exclusivo/130302/entrevista_posner.html. Acesso em 19 de março de 2017.

[2] Vide DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Título original: Justice in robes.

[3] POSNER, Richard. Para além do direito. Tradução de Evandro Ferreira da Silva. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 462. Título original: Overcoming law.

[4] POSNER, Richard. Para além do direito. Tradução de Evandro Ferreira da Silva. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 462. Título original: Overcoming law.

[5] POSNER, Richard. Fronteiras da teoria do direito. Tradução de Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. Título original: Frontiers of legal theory.

[6] POSNER, Richard. A economia da justiça. Tradução de Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, XIII-XIV. Título original: The economics of justice.

[7] POSNER, Richard. A economia da justiça. Tradução de Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, XIV. Título original: The economics of justice.

[8] POSNER, Richard. A economia da justiça. Tradução de Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, XIV-XV. Título original: The economics of justice.

[9] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 4000013-77.2016.8.24.9005. Quinta Turma de Recursos (Joinville), Relator Juiz Yon Tostes, 09nov2016.


 

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