Análise do indeferimento do pedido de homologação de sentença estrangeira em trâmite no STJ sob o n. 9412

29/06/2017

Por Leandro Antonio Godoy Oliveira - 29/06/2017

Os processos judiciais que abordam o tema da imparcialidade e independência do árbitro ainda o fazem de maneira superficial[1], isto porque apenas tangenciam a verificação da violação dos referidos princípios, limitando-se a analisar a preclusão do direito de impugnação ou não da imparcialidade e independência do árbitro.

Nota-se que os debates sobre o tema estão centralizados na hipótese de a parcialidade ou dependência ter sido arguida durante o trâmite da arbitragem, respeitando ou não os ditames do regulamento interno da câmara de arbitragem, o que é válido para que não se viole a independência da decisão arbitral e dos árbitros que a proferiram.

O Poder Judiciário opta, corretamente, por respeitar a tramitação da arbitragem de acordo com as normas que as partes indicaram no compromisso arbitral, deixando para discutir o mérito da parcialidade do árbitro apenas quando verificada discussão prévia sobre o tema.

Caso paradigmático sobre o assunto tramitava perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) até o dia 19/04/2017, o qual tinha como objeto o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira promovido pelas requerentes Asa Bionergy Holding A.G. (“ASA”), Abengoa Bionergia Agrícola Ltda, Abengoa Bioenergia São João Ltda, Abengoa Bionergia São Luiz e Abengoa Bionergia Santa Fé em face dos requeridos Adriano Giannetti  Dedini Ometto e Adriano Ometto Agrícola Ltda, estando autuada sob o nº SE 9412- USA[2].

As requerentes solicitavam a homologação da sentença arbitral estrangeira que condenou os requeridos ao pagamento de indenização no valor de R$ 329.214.361,18, apresentando-se, brevemente a seguir, resumo do trâmite arbitral que resultou na referida condenação:

(a) em 04/08/2008, a requerente ASA (compradora) e o requerido Adriano Ometto (vendedor) assinaram contrato de compra e venda das quotas da empresa Adriano Ometto Participações Ltda (“AOP”) e do Grupo Dedini Agro, as quais atuam no setor sucroalcooleiro;

(b) o grupo de empresas Abengoa, empresarialmente ligada à “ASA”, assinou o contrato como interveniente e anuente;

(c) em 26/09/2007, a “ASA” comprou efetivamente as quotas da “AOP” e tomou o seu controle;

(d) após a assinatura do contrato, a “ASA” descobriu que o Sr. Ometto deixou de revelar ou camuflou informações sobre a empresa durante o período de due diligence que foi feito antes da compra, razão pela qual os requerentes deram início em dois procedimentos arbitrais em 11/03/2009;

(e) as arbitragens tramitaram simultaneamente perante a ICC Court (CCI nº 16.176/JFR/CA e CCI nº 16.513/JFR/CA), tendo a “ASA” indicado como árbitro o Sr. Guillermo Aguilar-Alvarez, e o requerido Adriano Ometto indicou o Sr. José Emílio Nunes Pinto, sendo que esses dois, de comum acordo, apontaram David Rivkin para presidir os painéis arbitrais;

(f) os requeridos (vendedores) apresentaram contestação e reconvenção e posteriormente ambas as partes protocolaram memoriais e os documentos que julgavam necessário para o deslinde do conflito;

(g) em 21/11/2011 foram proferidas sentenças arbitrais para condenar os requeridos ao pagamento de indenização milionária às requerentes, com fundamento nas condutas fraudulentas (dolo) adotadas pelos vendedores na alienação de sociedade do setor sucroalcooleiro;

(h) insatisfeitos os requeridos submeteram, em 27/12/2011, procedimento para desafiar a imparcialidade do árbitro presidente (David Rivkin), com fundamento em suposto conflito de interesse e violação do dever de revelação, o qual foi rejeitado pelo Tribunal em 29/10/2012.

Após a tramitação da arbitragem, os requerentes iniciaram processo de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão competente para em instância de mera deliberação homologar a sentença estrangeira e permitir com que essa produza efeitos jurídicos no território nacional[3]. Especificamente sobre a abordagem da Lei Brasileira de Arbitragem quanto ao tema da   homologação   de   sentença   arbitral   estrangeira, pode-se dizer, conforme lição de Lauro Gama Jr.[4], que o legislador incorporou quase que literalmente os preceitos da Convenção de Nova Iorque.

Considera-se, então, com base na Convenção de Nova Iorque, que a sentença arbitral, via de regra, está apta para produzir seus efeitos na jurisdição onde se busca o seu reconhecimento, devendo o Estado assegurá- lo. Todavia, a parte contrária poderá arguir e deverá provar circunstâncias impeditivas desse reconhecimento[5].

Com base na Lei Brasileira de Arbitragem e na Convenção de Nova Iorque, o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira não autoriza que o Poder Judiciário analise o mérito da decisão proferida em sede de arbitragem, podendo ser negado o pleito homologatório quando verificada alguma das hipóteses dispostas no artigo 38 da Lei 9.307/96, quais sejam: (i) partes incapazes; (ii) invalidade da convenção de arbitragem segunda a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; (iii) ausência de notificação da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou se violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; (iv) prolação de sentença arbitral fora dos limites da convenção de arbitragem, sem que seja possível separar a parte excedente daquela submetida à homologação; (v) não estando a instituição de arbitragem de acordo com os termos da convenção de arbitragem; e (vi) não tendo a sentença arbitral se tornado obrigatória para as partes por ter sido anulada ou, ainda, por ter tido sua eficácia suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral foi proferida.

Ademais, nos termos do artigo 39 da Lei n. 9.307/96, poderá ser negada a homologação de sentença estrangeira quando constatado que o objeto do litígio arbitral, segundo a lei nacional, não é suscetível de ser resolvido por arbitragem, bem como quando a decisão ofender a ordem pública nacional.

Retornando a narrativa do caso em análise, informa-se que o pedido homologatório de sentença arbitral protocolado perante o STJ foi contestado pelos requeridos (SEC nº 9412). A principal razão alegada pelos requeridos para contestar a homologação da sentença arbitral é a suposta existência de nulidade decorrente de parcialidade de um dos árbitros que compunha o trio arbitral.

Os requeridos sustentavam que teria havido violação à ordem pública, em decorrência da infringência cometida pelo árbitro-presidente (David Rivkin) aos deveres de revelação e de se manter imparcial e independente ao longo de todo o procedimento arbitral, o que representaria ofensa ao artigo 39, II, da Lei Brasileira de Arbitragem, bem como ao artigo V(II)(b) da Convenção de Nova Iorque.

Essa violação ao dever de revelação decorreria de diversos fatos surgidos no curso do procedimento arbitral e que caracterizariam a existência de relação comercial entre o escritório de advocacia de que o árbitro David Rivkin é sócio e as partes requerentes (“ASA” e grupo empresarial Abengoa).

O ministro relator Félix Fischer, em 21/10/2015, exarou seu voto no sentido de confirmar a validade da sentença e por consequência homologar a sentença, independente da análise da parcialidade do árbitro.

Após o julgamento ficar paralisado em decorrência de pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha, esse proferiu seu voto, em 02/03/2016, no sentido de divergir do relator Félix Fischer, tendo sido acompanhado da ministra Nancy Andrighi e do ministro Herman Benjamin. O ministro João Otávio de Noronha, ao contrário do relator que sustenta que o STJ somente pode observar as formalidades da sentença arbitral estrangeira, entende que a Corte deve levar em consideração o fato omitido pelo árbitro-presidente, uma vez que a informação não revelada poderia ter afetado a sua imparcialidade.

No dia 19/04/2017 teve fim o julgamento após todos os ministros proferirem seus votos, sendo indeferido o pedido de homologação da sentença arbitral estrangeira por 7 votos a 1. Entenderam os ministros que estariam autorizados a analisar a arguida violação ao dever de revelação, bem como que a conduta do árbitro infringiu a ordem pública, razão pela qual não foi homologada a sentença arbitral prolatada nos Estados Unidos.

A questão debatida é se a suposta violação do princípio da imparcialidade se adequaria a uma das hipóteses previstas nos artigos 38 e 39 da Lei n. 9.307/96 e do artigo V da Convenção de Nova Iorque, autorizando-se, então, que o STJ negasse a homologação da sentença arbitral estrangeira.

A argumentação dos requeridos Adriano Giannetti Dedini Ometto e Adriano Ometto Agrícola Ltda foi no sentido de que se a sentença arbitral fosse reconhecida e homologada pela autoridade brasileira estaria sendo violada a ordem pública brasileira, haja vista que a imparcialidade do julgador é essencial para validade da sentença, não podendo as partes, mesmo em sede de arbitragem, abrirem mão dessa prerrogativa.

Nessa etapa de homologação de sentença arbitral estrangeira deve-se analisar o argumento de violação da ordem pública de forma prudente e restritiva, sendo que até o julgamento ora analisado os magistrados se recusavam, via de regra, a reanalisar o mérito da controvérsia arbitral[6].

O procedimento de homologação de sentença estrangeira não reexamina, em geral, o mérito ou a matéria de fundo da sentença, não sendo atribuído ao juiz o dever de analisar a correta aplicação do direito pelo juiz alienígena[7].

A função do juiz nacional é verificar se houve violação aos princípios fundamentais da ordem jurídica interna, razão pela qual, nos casos até então enfrentados pelo STJ, pode-se pensar que os ministros não foram a fundo no debate sobre a imparcialidade ou independência do árbitro.

Todavia, os ministros do STJ ao julgarem a SEC 9412-USA, decidiram, por maioria, negar a homologação da sentença arbitral em decorrência de verificação de parcialidade do árbitro-presidente e consequente violação à ordem pública nacional, a qual preza pela preservação do princípio da imparcialidade do julgador para que a prestação jurisdicional seja efetiva[8].

Por essa razão, pode-se afirmar que o julgamento do dia 19/04/2017 é um caso emblemático e que resultará em profundos debates sobre o limite de interferência dos magistrados quando diante de pedidos de homologação de sentença arbitral, especialmente em decorrência das matérias restritas que até então eram enfrentadas em nossos tribunais.


Notas e Referências:

[1] Caso Tristão Trading (Panamá) S/A vs Naumann Gepp Comercial e Exportadora Ltda -

Sentença Estrangeira Contestada nº 9.714; Caso Bank of America Merril Lynch Banco Múltiplo S/A” vs. Doux Frangosul S/A - Agravo de Instrumento nº 0025150-66.2012.8.26.0000; Caso YPFB ANDINA S/A vs. UNIVEN PETROQUÍMICA LTDA - Sentença Estrangeira Contestada nº 4.837; etc.

[2] Relator    Ministro    Félix     Fischer, Câmara    Especial    do    STJ.    Disponível        em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo= 201202718101&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea> Acesso em: 20 jul. 2016.

[3] (VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Homologação de sentença arbitral estrangeira – Cinco anos da Reforma do Judiciário. Revista de Informação Legislativa. Brasília: abr./jun. 2010, p.  8.)

[4] (GAMA JR., Lauro. Recusas fundadas no artigo V, (1), (E), da Convenção de Nova Iorque: Peculiaridades de sua aplicação no Brasil In: WALD, Arnoldo. LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem Comercial Internacional – Convenção de Nova Iorque e o Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 272.)

[5] (PINTO, José Emílio Nunes. A recusa de reconhecimento à sentença arbitral estrangeira com base no artigo V, (1), Alíneas (C) e (D), da Convenção de Nova Iorque de 1958. In: WALD, Arnoldo. LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem Comercial Internacional – Convenção de Nova Iorque e o Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 218)

[6] (GONÇALVES, Eduardo Damião. Comentários ao artigo V, (2), (A)(B), da Convenção de Nova Iorque. In: WALD, Arnoldo. LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem Comercial Internacional – Convenção de Nova Iorque e o Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 292.)

[7] (MATEOS, Antônio César Barreiro; COSTA, José Augusto Fontoura. Obrigatoriedade de motivação e o reconhecimento das sentenças arbitrais no direito brasileiro e Hispano- americano. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: RT, n. 30, jul./set. 2011, p. 89); (RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional privado - teoria e prática. 15.  ed.  São Paulo: Saraiva, 2012, p. 345)

[8] Nelson Nery Júnior afirma que a imparcialidade está ligada a independência do juiz, sendo a manifestação do princípio do juiz natural (NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 141).


Leandro Antonio Godoy Oliveira. Leandro Antonio Godoy Oliveira é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Secretário-adjunto da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB/SC. Advogado. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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