Análise comparativa entre o regime brasileiro de tributação de controladas e coligadas no exterior e o regime português de participation exemption sob a ótica da competitividade – Por Lucas Calafiori Catharino de Assis

26/04/2017

O Brasil está passando por uma recessão econômica sem precedentes, como demonstra o estudo recentemente publicado pelo IBGE. Dentre os fatores que impulsionaram a queda da economia encontra-se a redução do investimento, o qual teve uma queda de 10,2% em 2016.[1]

Essa redução drástica do investimento se deve, em grande parte, a política tributária de voracidade adotada pelo Governo Brasileiro que visa sempre o incremento de arrecadação sem se preocupar com outros fatores que, caso fossem observados, poderiam ocasionar em uma arrecadação tributária ainda maior do que a obtida com os expedientes utilizados. Isso é demonstrado pela Deloitte que conclui, em seu relatório intitulado “Observatório da Competitividade Fiscal 2015” publicado em maio de 2015, que o regime fiscal é um dos fatores que as empresas mais dão relevância antes de tomarem a decisão de onde investir.[2]

Um dos temas que possui conexão direta com o grau de competitividade das empresas brasileiras em comparação com empresas sediadas em outros países e que, há muitos anos, vem sendo objeto de discussão, ora em face a seu regime claramente inibidor de investimento, ora em face de suas inúmeras ilegalidades e inconstitucionalidades, diz respeito à tributação dos lucros de controladas e coligadas no exterior.

Neste artigo, abordaremos a legislação relativa ao tema sob o viés da atração de investimento, de forma a demonstrar o atraso da legislação brasileira em comparação com legislações equivalentes de outros países, dando especial enfoque ao regime de participation excemption recentemente adotado por Portugal.

O Brasil tributa os lucros das controladas e coligadas estrangeiras de empresas sediadas em território com base nas regras contidas na Lei 12.973/2014, regulada pela Instrução Normativa RFB nº 1520, de 04 de dezembro de 2014. Segundo o referido diploma, os lucros auferidos pelas controladas no exterior devem ser submetidos à tributação no Brasil na proporção da participação da controladora sediada em território nacional no capital social das referidas controladas, independentemente da sua distribuição.

Por outro lado, em relação às coligadas, a legislação determina a aplicação da mesma previsão constante para as controladas quando a coligada não cumpra os requisitos do seu artigo 81 ou, quando tais requisitos estiverem preenchidos, devem os lucros ser submetidos à tributação no momento da sua disponibilização.

A legislação autoriza, com vistas a eliminar a dupla tributação, que seja compensado o tributo sobre a renda recolhido no exterior até o limite do imposto de renda incidente no Brasil sobre tais rendimentos, conforme previsão do artigo 26 da Lei 9.249/95 e 25 e seguintes da Instrução Normativa 1520/2014, podendo ser considerado como imposto pago, o imposto sobre a renda retido na fonte, decorrente de rendimentos recebidos da fonte no exterior (artigos 88 e 89 da Lei 12.973/14).

Ou seja, nos casos das controladas e das coligadas que não atendam aos requisitos do art. 81, haverá a tributação automática dos lucros não distribuídos, o que obriga as empresas do Brasil a abrir mão de caixa para pagamento de tributo relativo a um dividendo que pode nem vir a ser distribuído.

Ademais, por ocasião da adoção da imputação ordinária como método de eliminação da dupla tributação, nos casos em que o pais de origem dos rendimentos possuir tributação inferior à praticada no Brasil, tais rendimentos serão submetidos a uma tributação relativa à diferença entre a alíquota praticada no pais de origem e no território Brasileiro.

Conforme bem expõe Roberto Duque Estrada, “o direito de compensação do imposto é uma falsa solução, eis que a sua neutralidade pressupõe a identidade de sistemas e níveis de tributação da renda. Enquanto no Brasil os lucros em geral são tributados em 34% (25% de IRPJ e 9% de CSLL), há países que praticam alíquotas mais baixas, ou mesmo concedem benefícios fiscais de redução de imposto (principalmente os países em desenvolvimento), e essa diferença acaba sendo indevidamente apropriada pelo Brasil”[3].

Em relação às coligadas que atendam aos requisitos do artigo 81, tributadas no momento da disponibilização dos lucros, este regime possui o condão de desestimular a repatriação de recursos, criando o que a doutrina convencionou chamar de “efeito de bloqueio”, ocasionado pela já mencionada necessidade de recolhimento da diferença de imposto entre o pais da fonte e da residência, o que faz com que haja um incentivo para que esses recursos sejam reinvestidos no exterior ao invés de serem distribuídos às coligadas em território nacional.

No entanto, isso não significa que o modelo ideal seria a adoção da tributação automática independentemente de se tratar de coligada ou controlada, pois o referido regime, como regra anti-abuso que é deveria, como proposto pelo Ministro Joaquim Barbosa por ocasião do julgamento da ADI 2.588, ser aplicado apenas nas situações que envolverem países com tributação favorecida.

Por fim, conforme pontua Alberto Xavier, “o mecanismo de crédito do imposto pago no exterior previsto na lei brasileira não é capaz de eliminar por completo a dupla tributação, pois, em caso de existência de controladas indiretas, a Lei 12.972/2014 permite a compensação do underlying credit, mas não dos impostos retidos na fonte em cada uma das distribuições na cadeia vertical de controle, exceto nas relações diretas com o controlador no Brasil”.[4]

Por tais razões, os países desenvolvidos, principalmente aqueles membros da OCDE, estão gradativamente abandonando o método da imputação e passando a adotar o método da isenção ou, como é o caso de Portugal, uma combinação entre os dois métodos, tornando-os mais competitivos no cenário internacional.

No exemplo de Portugal, desde 2014 encontra-se em vigor um regime de participation exemption previsto no artigo 51 e seguintes do Código de Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC), que divide-se em duas situações, uma relativa aos inbounds, onde há a distribuição dos lucros, reservas e mais-valias a uma entidade residente em Portugal e a outra relativa aos outbounds, onde uma empresa sediada em Portugal distribui lucros e reservas para uma empresa situada no estrangeiro.

No que tange às situações inbounds, o regime português do participation exemption concede isenção integral aos lucros, reservas e mais-valias distribuídas a uma empresa sediada em Portugal, independentemente do local onde a empresa distribuidora esteja sediada, com exceção dos países definidos como paraísos fiscais segundo a legislação deste pais.

Para que uma empresa possa gozar de tal benefício, faz-se necessário o atendimento a alguns requisitos, de forma cumulativa, os quais visam assegurar a substância das operações por ele abrangidas. São eles: o sujeito passivo deve deter direta ou direta e indiretamente uma participação não inferior a 10% do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas; a participação referida no item anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período; o sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal[5], onde os lucros estão sujeitos a tributação na esfera dos sócios; a entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º do Código do IRC, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º do CIRC e; a entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Por fim, a legislação criou para essas hipóteses de inbounds, um switch-over credit, aplicável às situações em que um contribuinte, apesar de cumprir o requisito relativo à participação mínima e tempo de dentenção, não consegue atender a algum dos demais requisitos, consistente na concessão de um crédito equivalente ao tributo recolhido no Estado estrangeiro.

Já nas situações outbounds, o âmbito objetivo do regime foi restringido. Ao contrário do que ocorre nas situações inbounds, neste regime apenas os lucros e reservas distribuídos por uma empresa sediada em Portugal a uma empresa sediada no exterior é que estarão contemplados no regime, afastando-se, portanto, a aplicação em relação às mais-valias.

Outra diferença diz respeito ao âmbito subjetivo de aplicação. Enquanto nas situações inbounds o regime é aplicável independentemente do local onde a empresa distribuidora dos lucros, reservas e mais-valias esteja sediada, nas situações outbounds o regime somente é aplicável aos lucros e reservas distribuídos por empresas sediadas em Portugal àquelas empresas sediadas em algum dos territórios da União Europeia, do Espaço Econômico Europeu ou de algum outro Estado que possua Convenção de Dupla Tributação com Portugal onde esteja previsto acordo de cooperação administrativa semelhante ao praticado no âmbito da União Europeia.

Além disso, a empresa residente em Portugal deve estar sujeita e não isenta de IRC, não estar abrangida pelo regime de transparência fiscal, além de ter de preencher os demais requisitos relativos às situações inbounds, tais como a participação mínima e o período de detenção de tais participações.

Por fim, nessa modalidade, a legislação determina que deverá haver a retenção do IRC da empresa distribuidora dos lucros ou reservas residente em Portugal quando não estiver preenchido o requisito temporal, sendo possível o reembolso desses valores a partir do momento em que esse requisito seja satisfeito.

Regimes similares a esse podem ser encontrados na legislação tributária da Espanha e também da França, onde as diferenças repousam, quando existentes, nos percentuais mínimos de participação na controlada ou coligada e/ou no período mínimo de detenção da participação.

Essa breve análise nos permite concluir que, em termos de competitividade internacional, o Brasil, que ocupa a 81ª posição no ranking de competitividade[6], encontra-se prejudicado por sua atual legislação que trata da tributação das coligadas e controladas no exterior, pois, como bem exposto pela Comissão de Reforma do IRC, o método da isenção é “preferível de um ponto de vista de eficiência, designadamente no que se refere à redução de custos de contexto, custos de transação e prevenção de comportamentos de substituição, constituindo, simultaneamente um importante motor de atração de investimento em economia real e de localização de sedes de empresas e grupos multinacionais”[7].

Uma reforma da tributação de tais rendimentos e a adoção de um regime de participation exemption semelhante ao adotado por Portugal, França, Espanha e outros Estados, para além de simplificar a legislação tributária nacional, frearia as decisões de saída do território nacional que tem sido adotadas por algumas empresas[8], tornando o país mais competitivo e atrativo a investimentos estrangeiros, geradores de renda e emprego.


Notas e Referências:

[1] BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. . PIB recua 3,6% em 2016 e fecha ano em R$ 6,3 trilhões. 2017. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=3384>. Acesso em: 09 mar. 2017.

[2] DELLOITTE (Portugal). Observatório da Competitividade Fiscal 2015. 2015. Disponível em: <http://deloitteobservatoriofiscal.com/downloads/deloitte-observatorio-fiscal-2015.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2017

[3] ESTRADA, Roberto Duque. Solução Cosit prejudica empresas brasileiras. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-set-04/consultor-tributario-solucao-cosit-prejudica-empresas-brasileiras>. Acesso em: 09 mar. 2017.

[4] XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. P. 493.

[5] De acordo com o artigo 6º do CIRC, estão sujeitas ao regime de transparência as sociedades civis não constituídas sob forma comercial; as sociedades de profissionais e; as sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público. Este regime não deve ser confundido com o da transparência fiscal internacional, pelo qual os sujeitos passivos devem submeter os lucros de determinadas sociedades localizadas no estrangeiro à tributação no país da residência independentemente da distribuição de dividendos.

[6] GLOBO (Brasil). Brasil cai para a 81ª posição em ranking de competitividade de países. 2016. Elaborada por Darlan Alvarenga. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/09/brasil-cai-para-81-posicao-em-ranking-de-competitividade-de-paises.html>. Acesso em: 14 mar. 2017.

[7] COMISSÃO PARA A REFORMA DO I MPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (Portugal). U MA R EFORMA DO IRC ORIENTADA PARA A C OMPETITIVIDADE , O C RESCIMENTO E O E MPREGO. 2013. Disponível em: <https://www.occ.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.

[8] GAZETA DO POVO (Brasil). De saída do Brasil: confira as empresas que desistiram do país durante a crise. 2017. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/de-saida-do-brasil-confira-as-empresas-que-desistiram-do-pais-durante-a-crise-eyjupo2hsj9d5s28ads1x2tzv>. Acesso em: 09 mar. 2017.


 

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