Analise a atuação das Guardas Municipais e sua compatibilidade com a legislação Brasileira

25/03/2020

Não é de hoje que muito se questiona judicialmente a atuação das Guardas Municipais nas mais diversas situações do dia a dia.

Atualmente as decisões judiciais, estão fluindo para um caminho de relaxamento de prisões efetuadas por agentes das Guardas, e ate mesmo decisões de cunho criminal e indenizatório contra agentes das Guardas e prefeituras, a respeito de Usurpação de Função Pública, bem como abuso de autoridade.

Muitas das vezes podemos observar a Guarda Municipal por intermédio dos servidores públicos que a ela pertencem, exercer atividades que fogem um pouco a regra, como por exemplo, abordagens a pessoas, vistoria de veículos, bloqueios de trânsito, atendimento de ocorrências de caráter policial entre outras.

Neste trabalho, iremos confrontar os artigos das legislações utilizadas pelas GCMs para justificar suas ações, verificando então a legalidade de suas ações, para que ao final, realizando uma reflexão cognitiva jurídica, possamos verificar qual a real possibilidade do exercício destas atividades praticadas pelas GCMs, buscando sempre a realização de um trabalho pautado nos ditames legais.

 

DIRETO AO PONTO

Inicialmente vamos esclarecer algo que muito se tem falado quanto ao estabelecimento da lei 13022 de 8 de Agosto de 2014, chamada também de Estatuto das Guardas Municipais.

Afinal o que é poder de policia, e Guardas municipais possuem ou não esse poder ?

O poder de policia como já é sabido, está prescrito no artigo 78 do CTN, que em resumo para não nos atermos somente a isto neste artigo, considera-se poder de policia a atividade da administração que limita ou disciplina direito.

A primeira observação que devo fazer aqui é que muitos órgãos da administração pública possuem poder de policia, sendo esta prerrogativa não exclusiva das policias.

Vejamos, muitos órgãos ao impor algo a alguém esta utilizando o poder de policia, como é o caso dos Agentes de Trânsito que Aplicam autuações de trânsito, quando fecham uma rua, quando um órgão de Defesa Civil interdita um local abstendo as pessoas de ali permanecer ou entrar, órgão de vigilância sanitária ao verificar inspeções em comércios, como também o fiscal de posturas do município que apreendem mercadorias que estão sem a devida consonância tributaria.

Desta forma podemos observar que apesar de a lei 13022 que rege o exercício das funções das Guardas em momento algum falar de poder de policia, de certa forma, quando da atuação de algumas atividades, a GCMs utilizam o devido poder para sucesso de suas atividades, estando totalmente amparada legalmente.

Entretanto devemos observar o parágrafo único do artigo 78 do CTN, para revestir de legalidade esta atuação da Guarda municipal bem como limitar o poder de policia a qual poderá exercer. Em resumo este parágrafo nos diz que, será considerado exercício regular do poder de policia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável.

Explicando o citado parágrafo, o uso legal do poder de policia esta limitado a competência do órgão, para melhor entendermos, imaginemos um órgão de vigilância sanitária que ao realizar inspeção de um comércio, verifica que o proprietário estacionou seu veiculo sobre a calçada. Apesar de no momento para fins de sua atividade, a vigilância sanitária estar utilizando sua prerrogativa de poder de policia para fiscalizar as questões sanitárias de um comércio, não pode ela atuar no campo de verificação de infrações de trânsito, ainda que a situação esteja ocorrendo em sua frente, tendo em vista não ser ela o órgão competente para tratar deste assunto.

Assim também acontece com as GCMs, dentro de suas competências mesmo a lei 13002 não citando o poder de policia e até antes dela, as Guardas municipais já realizavam funções que estão dentro de um determinado poder de policia, limitando direitos e impondo a vontade Estatal, como por exemplo, imaginemos a GCMs como responsáveis pelo fechamento de uma quadra de futebol de uma escola aos finais de semana, onde o fato de em determinado horário fechar a quadra e retirar os que ali estão é um exemplo do uso do poder de policia, ou com o advento da lei 13022 e com a devida autorização/convenio publicado em diário oficial com o departamento de trânsito, as GCMs realizarem autuações de trânsito, isto também é o uso legal do poder de policia.

Entretanto para entendermos ainda mais, como no exemplo supracitado da fiscalização sanitária e a infração de trânsito, não pode as Guardas Municipais, por exemplo, receberem uma denuncia e irem averiguar, isto é vetado pela lei 13022/2014, cabendo a guarda tão somente o patrulhamento preventivo para inibir os atos denunciados. Lembrando que em caso de flagrantes delitos podem agir, mas não podem receber a denuncia e por si só irem efetuar averiguações, isto é atividade exclusiva de instituição Policial. Outro exemplo seria A GCM em patrulhamento realizar um auto de infração em determinado veiculo que seu condutor não utiliza cinto de segurança e constatar que o licenciamento veicular esta vencido, a GCMs não possuem competência de transito para realizar recolha do veiculo por falta de licenciamento, apenas devem relatar em seu relatório e liberar o veiculo.

Entendido o poder de policia, quando tratamos de situações elencadas pelo código de processo penal e código penal, como, por exemplo, a abordagem em fundada suspeita, a vistoria para localização de ilícitos em veículos a condução de ocorrências policiais, estamos diante de uma atuação baseada no poder da policia, também conhecida como função policial Estatal, em outras palavras de maneira clara e objetiva, o poder da policia são características peculiares e direcionadas exclusivamente a órgãos de segurança do Estado e União, responsáveis pela segurança pública e combate ao crime, conforme nossa Constituição Federal art. 144.

Surge aqui então uma pergunta que irá explicar todas as demais situações a seguir:

A Guarda municipal é citada no § 8º do artigo 144 da Constituição Federal, então ela também não seria um órgão responsável pela segurança pública e combate ao crime?

Em resposta a essa pergunta, não as guardas municipais não são responsáveis pela segurança pública de caráter policial, mas sim, realizam um trabalho de segurança pública no plano municipal, em outras palavras a GCM é um órgão de segurança pública, mas não é um órgão da segurança pública POLICIAL, por este motivo percebemos que são citadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública como órgão que atua na proteção sistêmica de bens e serviços municipais e com seu patrulhamento preventivo auxilia na segurança pública municipal. Entretanto quando fazemos menção à segurança pública como um todo e inclusive no combate ao crime (segurança pública policial) as ações e enunciados/diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança Pública voltam-se apenas para os órgãos POLICIAIS dos incisos do artigo 144 da C.F.

Pode parecer um pouco complexo, mas vamos às explicações:

Inicialmente antes de tudo, já devemos esclarecer uma coisa, Guarda Municipal não é Instituição Policial, Guarda Municipal não pode ser chamada de policia nem atuar em atividades típicas de policia, sob responsabilização por crime de usurpação de função pública e abuso de autoridade.

Explicando, de maneira objetiva já esta pacificado pelo STF na ADI 1.182/2005 que são órgão policiais aqueles descritos nos incisos do artigo 144 da C.F.

Para melhor entendermos, o artigo 144 da C.F é considerado ao que chamamos no ambiente do direito de norma jurídica de rol taxativo, ou seja, apenas as instituições que ali estão são Policias, não permitindo interpretações extensivas.

Devido somente os órgão que estão nos incisos do artigo 144 da C.F serem considerados policias as previsões descritas no Código de Processo Penal, como por exemplo, a abordagem por fundada suspeita, não se aplica as GCMs, pois estas normas não alcançam a instituições das Guardas Municipais, alcançando apenas às autoridade policias e seus agentes.

 

DA ABORDAGEM E FUNDADA SUSPEITA

Muitas vezes nos deparamos com abordagens realizadas pelos GCMs, quanto a estas abordagens carecem de legalidade, não existe previsão para gcm abordar ou  revistar, não podendo e nem devendo a GCM realizar estas atividades, exceto ao deparar-se com um  flagrante delito ou quando em ação conjunta com instituições policiais ou cumprimento de ordem judicial.

Para que não haja duvidas, os artigos 244 e demais do Código de Processo Penal não se aplicam as GCMs, pois estão fora das instituições dos incisos do art.144 da C.F. e como já explicado anteriormente não são instituições alcançadas pelo CPP, por estarem fora do rol taxativo deste artigo.

 

FLAGRANTE DELITO

Levando em consideração a ilegalidade da abordagem das guardas a população em qualquer hipótese salvo de uma atuação em flagrante, poderá as GCMs usufruir das prerrogativas do art.301 do Código de Processo Penal e como qualquer um do povo, poderá deter quem estiver em flagrante delito e apresentar a autoridade policial.

Para reafirmar a atuação da GCMs e limitar atuações que não estejam dentro do amparo legal, a própria lei 13022/2014, considerada como estatuto das guardas, especifica que poderá ser encaminhado a autoridade policial os casos de flagrante delito, reafirmando outra vez que a atuação criminal da guarda esta limitada a situações que se depararem, não podendo através de abordagens caminharem para um crime, devendo se assim for, a prisão ser relaxada (fruto da arvore envenenada) por ter sido o crime constatado de uma ação ilegal de abordagem ou revista.

Para tanto citamos o exemplo da Apelação Criminal n. 0002974-40.2018.8.26.0079, onde os réus foram absolvidos por ter executado a GCM, atividade de policia que a ela não é incumbido.

 

DO USO DO NOME POLÍCIA

O Nome policia não podem ser utilizados pelas GCMs por sua natureza pública ou finalidade social bem como já explicado, ser o artigo 144, de rol taxativo, não envolvendo a GCM no Rol de Instituições Policiais.

 A analise aqui desta questão não permite interpretação divergentes da lei, e ainda para firmar esta questão o próprio‘‘Estatuto das Guardas Municipais’’ especifica as denominações que deverão ser utilizadas pelas GCMs, sendo elas: guarda civil, guarda civil municipal, guarda metropolitana e guarda civil metropolitana.

 

PATRULHAMENTO

Lembremo-nos em velhas lições de direito administrativo que as pessoas podem fazer tudo o que a lei não proíbe e o serviço só podem fazer aquilo que a lei permite.

A lei 13022/2014, ao contrario do que pensam, são verdadeiras limitadoras da atuação das guardas, bastando para tanto analisar os artigos 4º e 5º desta lei, onde é reafirmada a competência geral das guardas municipais sendo, a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.

Lembrando também do artigo 3º e 5º,  que veda a atuação de policiamento  ‘‘Ostensivo’’,  visando a procura de criminosos, abordagens a veículos etc, pois deixa claro que o patrulhamento será preventivo e sua atuação para prevenir e inibir será pela presença e vigilância e não através de atuação de alçada Policial de repreensão ao crime, que diga se lá, não ser de responsabilidade da Policia Militar que legalmente possui atribuições próximas mas sim da Policia Civil com a apuração do fato e indiciamento dos criminosos, muito menos será uma instituições com atribuições municipais e com objetivos diversos da atuação policial, com território limitado e com aparato e quantidade de homens insuficiente para tanto, bem como não serem responsabilizados legalmente por efetuarem uma atividade que exige um controle legal e institucional forte sobre seus agentes, como é o caso do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar. 

Por isto não pode as guardas patrulhar com fins diversos da Lei, sendo ilegal, a nomenclatura ROMU, para caracterizar equipes em viaturas de maior porte, mas que na essência estão vinculados aos mesmos serviços realizados por outra equipe de guarda municipal.

 

BLOQUEIOS DE TRÂNSITO E RECOLHA DE VEICULOS

A lei 13022 de 8 de agosto de 2014, permitiu as GCMs atuarem no trânsito municipal, entretanto esta atuação segue as competências elencadas no CTB, podendo as GCMs realizar infrações de cunho municipal.

Portanto não há previsão para bloqueio das Guardas Municipais, não podendo a instituição solicitar documentos como também, realizar revista em veículos, caracterizando caso ocorra, o crime de abuso de autoridade bem como usurpação de função pública, devendo estes serem conduzidos a uma delegacia para apuração pela autoridade policial do flagrante delito.

Quanto a recolha de veículos, poderão efetuar aquelas provenientes de medidas administrativas de autuações de competência municipal, como por exemplo, um veiculo estacionado em área de estacionamento proibido, mas aquelas provenientes de falta de licenciamento e condições do veiculo são realizadas apenas por órgãos do Estado, como a Policia Militar e o Detran.

Ainda ressalta-se que é ilegal a abordagem efetuada pelos guardas, desta forma caso seja conduzido o veiculo para a delegacia e seja recolhido  pelo Delegado de Policia, a recolha poderá ser considerada legal pois foi efetuado por aquele com prerrogativas para tanto (delegado), mas o modo pelo qual o veiculo chegou até o delegado, ou seja , através de abordagem da guarda municipal, não havendo flagrante delito, ensejará os crimes de abuso de autoridade bem como usurpação de função pública contra os guardas.

 

Conclusão

Concluindo, de maneira objetiva, em momento algum a lei 13022 (estatuto das GCMs) fala em poder de policia, como também não existe previsão para gcm abordar, revistar,  exceto flagrante delito ou quando em ação conjunta com instituições policiais ou cumprimento de ordem judicial.

Quanto ás citações do CPP, não são destinadas as GCMs por sua natureza pública ou finalidade social bem como já explicado, ser o artigo 144, de rol taxativo, não envolvendo a GCM como agentes da autoridade policial.  

Em relação a algumas nomenclaturas como a ROMU, notamos ser ilegal, por não espelhar o patrulhamento preventivo elencado na legislação.

Como forma de adequar a legalidade da atuação das guardas municipais observamos algumas prefeituras como, por exemplo, a de um município da Grande São Paulo, Itapevi, que editou o DECRETO Nº 5.384, DE 16 DE JULHO DE 2018, proibindo aos agentes da guarda praticarem atividades típicas de policia.

Devemos encerrar o nosso artigo, esclarecendo que toda atividade da administração pública é pautada pelas leis, não podendo os agentes públicos realizar atividades diversas daquelas estipulas pelo simples querer, contrariando o Estado de Direito ao qual pertencemos.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Deusa da Justiça // Foto de: pixel2013 // Sem alterações

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