Amor, tentativa frustrada de definição

09/01/2019

Esforços de significação. Para o que este texto pretende interrogar, diz o Aurélio: “sentimento terno ou ardente de uma pessoa por outra, e que engloba também atração física”. Conforme o Houaiss: “atração baseada no desejo sexual”. A segunda definição alicerça o amor no desejo sexual. A primeira põe o sexo como um agregado, ainda que necessário.

Essas definições não bastam. Amor é mais. É uma química, e acontece no plural, entre dois. Vontade unilateral não é amor. Sem correspondência, o anseio amoroso converte-se em rancor, em mágoa que não sara, em fixação doentia no objeto que se nega ao sujeito desejante.

Não perdura o amor se não houver reciprocidade amorosa. Mas o desejo recíproco é bastante? Não, não basta. Há que existir, além do desejo afetuoso do outro, uma química que provoque as ardências, que acenda o tesão, que não dê por saciado o desejo, mesmo depois de tantos desejos se saciarem. O amor tem que continuar vontade, ainda que a vontade esteja de corpo cansado.

Amor também é conflito, pois é relação de poder. Posto o amor, ele fica grudento e nasce a angústia de controlar. O sujeito que ama quer presença e controle, quer fazer o outro objeto somente seu, quer submeter o ser amado às suas exclusivas cobiças. Amor é posse e dominação; é violência para exercer a possessão. O amor, assim, torna-se ofensivo, mas o ser desejado, já objetificado, perdido de paixão (o amor em seu estado quente, exaltado), engana-se e vê ímpeto de posse como afeição.

Amor, ademais, é cultura. É cultura nos jeitos, nos rituais, até na intimidade. A cultura dita o modo de amar, faz pauta até para os momentos essenciais. Se as partes não se declaram, se entregam e permanecem conforme os ditames sociais, não se sentem prestigiadas. As formatações sociais estabelecem o reconhecimento público do sentimento de amor. Amar de forma diferente da que se ama em uma circunscrição de lugar e tempo é ofensivo às expectativas do que está na moda para cumprir o amor.

Amor é uma moral, tem uma ética. Gostamos de brincar com as quebras da moral amorosa: é quando fazemos malcriação com o amor. E nos damos licenças por fora da ética da relação: é quando nos sentimos arguciosos com nosso par. Essas coisas todas acontecem. E essas coisas contaminam, ou assentam na realidade, as declarações enlevadas que marcam o princípio dos casos de amor.

Há quem procure pureza no amor. Pode encontrá-la, em forma de ternura, de cuidado, de inocência, até. Tudo isso compõe o amor. Mas amor também é bandalheira. Se não houver o conteúdo sacana, se não houver a fêmea se esfregando, dando-se toda, não haverá amor; se não houver o macho que saiba lambuzar a fêmea, se não houver pegada, não haverá amor. Amor é carinho, mas morre sem sexo forte, puto, com pecado. A fêmea quer e quer ser querida; o macho quer e quer querer.

O amor se realiza no gozo. No meu gozo, o outro é objeto. No gozo do outro, o objeto sou eu. Se eu não souber fazer do outro o objeto do meu gozo, nunca saciarei o meu gozar. Se não me deixo ser objeto do gozar do outro, o outro jamais gozará a sua vontade. No gozo, há oferta e império da vontade. Cada qual se dá por objeto ou se faz senhor do gozar. No gozo não há cortesias, há busca de saciedade. É dar-se em uso e usar abusadamente.

Mas há um indescritível no amor. No dizer de Gresiela Nunes da Rosa, há um não sei. Creio que o amor perdura enquanto não descrevo o que sinto, enquanto não sei das suas razões. Quando me sei na relação, quando delineio o outro, já não há amor.

Bem, pode restar um amor amigo, uma pessoa querida. Quando o caso fica por demais exposto, já não haverá gosto em seduzir, o tesão ficará arrefecido. Haverá ainda alívio após o sexo, alívio da minha vontade, mas, já, também, alívio no afastamento. Quando houver amor assim, companheiro, respeitoso, cansado, será outro tipo de amor, e o amor mesmo, o amor indefinito, ele já acabou.

 

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