AMICUS CURIAE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 – AMIGO DA PARTE OU AMIGO DA CORTE?  

07/08/2018

 

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi 

  1. Introdução

O presente texto tem o objetivo de estudar a figura do amicus curiae, que com o advento do CPC/2015, o enquadrou como forma de intervenção de terceiros e ampliou as hipóteses de sua atuação, dada a redação do artigo 138, bem como verificar se ele é amigo da corte ou da parte.

Escolheu-se o tema, pois, a atuação do amicus curiae é de suma importância, eis que visa à melhor prestação jurisdicional, e, a democratização das decisões judiciais, o que será desenvolvido ao longo do texto.

Bem como pelo fato de ser uma boa oportunidade de aprofundar sobre o conceito e os requisitos para sua intervenção, para o ao fim responder se o amicus curiae é neutro ou não, e, se ele é mesmo amigo da corte ou amigo da parte.

 

  1. Conceito e Finalidade

Antes, ordenamento jurídico brasileiro previa a intervenção do amicus curiae em situações pontuais definidas por lei. Com o advento do CPC/15, o tema passou a ser disciplinado de maneira geral no artigo 138 e seus parágrafos, ampliando as hipóteses de sua atuação, de modo a propiciar um processo mais democrático, bem como a elaboração e decisões mais fundamentadas, diante da colaboração do amigo da corte.

“A nova lei rompe o isolamento do instituto do amicus curiae, em certos tipos de ação. Figura já de famosa, no ambiente das ações de controle constitucionalidade, a intervenção, nos termos da lei, poderá dar-se nos processos subjetivos em geral, em qualquer juízo ou tribunal, nos mais diversos tipos de procedimentos, mesmo nos especiais, previstos na legislação extravagante”.[1]

Inegável que a participação do amicus curiae no processo, tem a finalidade de contribuir com conhecimentos específicos acerca de assunto relevante, e/ou, de grande repercussão social, com a finalidade de melhorar a qualidade das decisões judiciais.

Rodrigo Strobel Pinto entende que sua atuação possui o objetivo de “legitimar democraticamente a formação de precedente judicial, de jurisprudência dominante ou de súmula, o que é levado a efeito por meio da pluralização do diálogo processual para com blocos, grupos, classes ou estratos da sociedade, ou, ainda, para com órgãos, instituições públicas ou próprio Estado, cujos valores e interesses encontram-se dispersos no tecido social e dos quais ele é genuíno representante”.[2]

Todavia, não há um consenso quanto ao conceito.

Humberto Theodoro Júnior entende ser o amicus curiae, um colaborador do juízo, que, por conta de conhecimento específico e interesse jurídico institucional na questão em juízo, colabora com o julgamento em suas manifestações, ou se dispõe a auxiliar no processo, este doutrinador ressalva o amigo da corte não é parte no sentido técnico de sujeito da lide.

Por sua vez, Daniel Amorim Assumpção Neves, entende ser o amicus curiae terceiro interveniente atípico, “mesmo que o Novo Código de Processo Civil tenha passado a prever expressamente o amicus curiae entre os terceiros intervenientes típicos”[3].

 Já Fredie Didier Júnior, sustenta que o amigo da corte, é terceiro que intervém no processo, por vontade própria, a requerimento da parte ou por solicitação do juízo, com o escopo de fornecer substrato da melhora a qualidade da prestação jurisdicional.

Eduardo Talamini e Luis Rodrigues Wambier, adotam a tese de que “o amicus curiae (art. 138 do CPC/2015) é terceiro admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto, passar a titularizar posições subjetivas relativas às partes – nem mesmo subsidiariamente, como assistente simples. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais elementos para decidir. Daí o nome de “amigo da corte”.[4]

 

  1. Requisitos

Dispõe o caput do artigo 138 “o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação”.

Da leitura deste artigo, identifica-se a presença de requisitos para a intervenção do amicus curiae, e, pela preposição “ou”, verifica-se que tratam de requisitos alternativos. Sendo importante salientar que “embora os pressupostos possam (e tendam) a aparecer conjuntamente, não há óbice para que a intervenção do amicus curiae legitime-se a partir da ocorrência de apenas um deles”.[5]

Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier, de forma didática, classificam em requisitos objetivos e subjetivos.

Os primeiros são “relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia”. Já os segundos são “pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada”.

“A relevância da matéria se caracteriza no interesse jurídico coletivo, ou seja, que deve extrapolar a esfera jurídica das partes, atingindo, juridicamente, ainda que de forma indireta, o interesse jurídico defendido pelo pretenso amicus curiae. A relevância da matéria pode se confundir com o próprio interesse jurídico do amicus curiae, mas é na transcendência da questão sub judice que reside o fundamento desse requisito. Portanto, se o interesse se evidenciar não jurídico, mas apenas fático e longínquo, fundado em supostos reflexos mercadológicos e econômico-negociais, por exemplo, o julgador poderá indeferir o ingresso do amicus curiae”.[6]

Neste ponto, Daniel Amorim Assumpção Neves, entende ser este requisito a complexidade fática/jurídica que permite a intervenção do amigo da corte. Caso os elementos constantes dos autos sejam suficientes para prestação jurisdicional de qualidade, o magistrado deverá negar a intervenção do amicus curiae.

Ainda, nos requisitos objetivos, Anderson Rocha Paiva explana sobre a complexidade jurídica da matéria “é que, tirante especificidades do direito local ou estrangeiro, de regra, cabe ao magistrado conhecer o direito (da mihi factum, dabo tibi jus) (art. 376, NCPC). Assim é possível sustentar que a participação do amigo da corte no processo, por mais complexa, do ponto de vista jurídico, que seja o tema, não pode servir a substituir o magistrado na declaração dos efeitos jurídicos da matéria. O dever de decidir, diante da complexidade apresentada, recai sobre o juiz, de modo que toda atividade do interveniente, quer-nos parecer, embora não desimportante, só pode ser acessória no sentido de coadjuvante. Se cabe ao magistrado conhecer o direito, toca ao amicus apresentar ao julgador, em tema de elevada complexidade jurídica, possíveis formas pelas quais o direito pode revelar-se, na hipótese concreta. Inclusive naquelas situações especialmente dramáticas, cada dia mais frequentes, em que o direito interage como outras ciências, sobre as quais o magistrado não detém expertise, embora às voltas com o dever de decidir”.[7]

A especificidade do tema objeto da demanda, de acordo com Leonardo Greco, “significa que, na sofisticação tecnológica do mundo contemporâneo, há conhecimentos científicos e tecnológicos que se tornaram de domínio seguro de poucas pessoas ou instituições altamente especializadas”[8]

No tocante à repercussão social da controvérsia, Anderson Rocha Paiva, salienta que são temas que sejam de extrema relevância para sociedade, que influenciam esta como um todo, não só as partes litigantes no processo.

Pode ser amicus curiae pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.

A representatividade adequada, trata-se de um conceito jurídico indeterminado, cabendo a doutrina tentativa de conceituar.

Como já dito, a finalidade do amicus curiae é contribuir com conhecimentos específicos acerca de assunto relevante, e/ou, de grande repercussão social, para melhorar a qualidade das decisões judiciais. Porém, o amicus curiae para atingir seu fim, deve ter a qualidade para falar em nome de uma coletividade.

Anderson Vichinkeski e Cristinu Mroczkoski Rocha enxergam a representatividade adequada como a habilitação formal para atuar no debate judicial como representante dos interesses subjetivos de determinado grupo, classe social ou instituição.[9]

Já Eduardo Talamini e Luiz Rodrigue Wambier explicam: “o elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus é sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc. A lei aludiu a “representatividade adequada”. Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da qualidade (técnica, cultura...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por ele) e do conteúdo de sua possível colaboração (petições, pareceres, estudos, levantamentos etc.). A “representatividade” não tem aqui o sentido de legitimação, mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada (adequada aptidão em colaborar)”.[10]

Fredie Didier Júnior ilustra que “a adequação da representação será avaliada a partir da relação entre o amicus curiae e a relação jurídica litigiosa. Uma associação científica possui representatividade adequada para a discussão de temas relacionados à atividade científica que patrocina; um antropólogo renomado pode colaborar, por exemplo, com questões relacionadas aos povos indígenas; uma entidade de classe pode ajudar na solução de questão que diga respeito à atividade profissional que ela representa etc.”.[11]

 

  1. Amigo da corte ou amigo da parte

A tradução de Amicus curiae é amigo da corte. Assim, passa uma ideia de neutralidade, inclusive, de acordo com Anderson Teixeira Vichinkeski e Cristiny Mroczkoski, foi o que inspirou sua criação, e seu objetivo era apresentar ao magistrado de elementos relevantes, sem o impulso das partes.

Todavia, cabe salientar que, “ainda que tenha muito a contribuir em razão de seu notório conhecimento a respeito da matéria, não é comum que as manifestações do amicus curiae sejam absolutamente neutras”.[12]

Isso se dá, pois, sua atividade, de acordo com Anderson Teixeira Vichinkeski e Cristiny Mroczkoski, busca defender a necessidade da sociedade, ou grupo social ao qual o amicus curiae se insere.

Cássio Scarpinella Bueno sustenta que o amicus curiae defende interesse institucional, que “deve ser compreendido de forma ampla, a qualificar quem pretende ostentar o status de amicus curiae em perspectiva metaindividual, apta a realizar interesses que não lhe são próprios nem exclusivos como pessoa ou como entidade. São por definição, interesses que que pertencem ao grupo (determinado ou indeterminado) de pessoas e que, por isso mesmo, precisam ser considerados no proferimento de específicas decisões; o amicus curiae, é esta a verdade, representa-os em juízo como adequado portador deles que é. Seja porque se trata de decisões que signifiquem tomadas de decisão valorativas, seja porque são decisões que têm aptidão de criar “precedentes”, tendentes a vincular –é o que o CPC de 2015 inequivocamente quer – outras decisões a serem posteriormente e a partir dela. [13]

Ademais, o artigo 138 do CPC/2015 permite que pessoa física seja amicus curiae, e, de acordo com o lecionado pelo mesmo autor, também detém interesse institucional, todavia, este se apresenta no “know-how” sobre o assunto debatido.

Oportuno, pois, ressaltar que o interesse institucional difere do interesse jurídico do assistente.

“Neste particular, destaque-se, se é possível falar em um eventual interesse do amigo da corte, ele em nada se confunde com interesse do assistente, que é sempre jurídico, caracterizado por uma relação jurídica deste, assistente, com qualquer das partes.” [14]

Como já dito, a finalidade do amicus curiae é contribuir com conhecimentos específicos acerca de assunto relevante, e/ou, de grande repercussão social, com a finalidade de melhorar a qualidade das decisões judiciais.

Também foi mencionado, que a pessoa física ou jurídica, ou órgão, pode requerer o ingresso no processo, ou, por solicitação do juiz, ela pode ingressar no processo, para atuar como amicus curiae, e sua atuação será na defesa de interesses institucional, que se mostra na apresentação de conhecimentos específicos ao juiz para contribuir com uma decisão mais democrática e de melhor qualidade. Neste ponto, aproxima-se de amigo da corte.

Por sua vez, as partes também podem requerer a intervenção do amicus curiae. Por lógica, a parte escolherá quem detenha interesses institucionais, que se alinhem com o seu interesse jurídico na causa, havendo quem sustente ser amigo da parte, neste caso.

Neste sentido, Oscar Valente Cardoso assevera que “o CPC declara expressamente que o amigo da Corte é alguém que possui um interesse jurídico no processo, o que contraria sua natureza jurídica e o trata não como colaborador da Justiça, mas sim como um amicus partis, alguém com interesse (ainda que institucional, no caso das pessoas jurídicas) em determinada forma de resolução de conflito favorável a uma das partes”.[15]

 

  1. Conclusão

Ao final da exposição, é possível ter uma compreensão melhor sobre o instituto amicus curiae.

O CPC/2015 ampliou as possibilidades de cabimento da intervenção do amicus curiae, ao se utilizar de cláusulas abertas para definir os requisitos no artigo 138, tal opção legislativa, é de salutar, pois permite uma maior democratização do processo.

O estudo realizado permite concluir que, o amicus curiae não é neutro, pois ele defende um interesse institucional.

Quando sua atuação é provocada pelo juiz, ou ele ingressa espontaneamente no processo, sua atuação aproxima-se mais de amigo da corte, pois, neste caso, defenderá seu próprio interesse institucional contribuir com seu conhecimento técnico, de modo instruir e influenciar o resultado na demanda, propiciando uma decisão de melhor qualidade.

Se a sua atuação se der por requerimento da parte, é porque ela possui interesse jurídico que se alinha com o interesse institucional do amicus curiae, aproximando este da parte, mas isso não significa um desvirtuamento do instituto, eis que o “amigo da corte pode ser amigo da parte”, desde que o amicus curiae defenda somente seu interesse institucional da forma mencionada no parágrafo acima.

 

Notas e Referências

[1] PAIVA, Anderson Rocha. Amicus curiae: da legislação esparsa ao regramento genérico do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, volume 261, ano 41. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, novembro de 2016. P. 43.

[2] PINTO, Rodrigo Strobel, Amicus curiae no projeto de Código de Processo Civil, Revista de Processo, nº 220, junho de 2013. P .232 e 233.

[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil – Volume Único. 9ª edição, Salvador: Editora JusPodivm, 2017. P. 371.

[4] TALAMINI, Eduardo e WAMBIER, Luiz Rodrigues.  Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo. Volume 1. 16ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016. P. 378.

[5] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3ª edição, São Paulo: Editora Saraiva. 2017. P. 187.

[6] SOARES, Marcelo Negri e WINKLER, Camila Gentil. Amicus curiae no Brasil: um terceiro necessário. Revista dos Tribunais, nº 953, Março de 2015. P. 213

[7] PAIVA, Anderson Rocha. Amicus curiae: da legislação esparsa ao regramento genérico do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, volume 261, ano 41. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, novembro de 2016. P. 43 e 44.

[8] GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. P. 507.

[9] TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski e ROCHA, Cristiny Mroczkoski. A reformulação do amicus curiae no novo CPC: integração normativa ou derrogação parcial da Lei 9.868/99. Revista de Processo, volume 268, ano 42. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, junho 2017. P. 302 e 303

[10] TALAMINI, Eduardo e WAMBIER, Luiz Rodrigue.  Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo. Volume 1. 16ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016. P. 381

[11] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19ª Edição, Salvador: Editora Juspodvm, 2017. P. 590

[12] NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil – Volume Único. 9ª edição, Salvador: Editora JusPodivm, 2017. P. 372

[13] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3ª edição, São Paulo: Editora Saraiva. 2017. P. 188

[14] PAIVA, Anderson Rocha. Amicus curiae: da legislação esparsa ao regramento genérico do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, volume 261, ano 41. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, novembro de 2016. P. 46

[15] CARDOSO, Oscar Valente. O amicus curiae no Novo Código de Processo Civil, Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), nº 146. São Paulo. maio de 2015. P. 82 e 83.

 

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