Amazônia: tempo da Sustentabilidade – Parte II

21/09/2017

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino – 21/09/2017

O leitor ou leitora pode achar que já viu esse título em outro momento aqui nas colunas do Empório. Não estão errados. Já escrevi um artigo intitulado Altermodernidade: tempo de reivindicação ao Direito à Sustentabilidade. No entanto, e ao examinar o nosso cotidiano, tive a necessidade de aprofundar esse tema que ainda não se tornou claro, seja para os nossos governantes, legisladores e sociedades. Há um certo sentido metafísico na Sustentabilidade que não a permite impulsionar, com maior vigor e impacto, os projetos civilizacionais propostos à arquitetura ecológica, no sentido da nossa “Casa Comum”, do século XXI.

Enrique Leff, sobre a Sustentabilidade, enuncia que a mensagem dessa palavra é o anuncio de um tempo que não é[1]. Ao que parece, tem-se, exatamente, uma proposta de Utopias para a Sustentabilidade se tornar “de carne e osso” e, talvez, aqui esteja o local ainda não compreendido: Sustentabilidade é sempre um porvir, é aquilo que se almeja a fim de traduzir nossos anseios, receios, relações e modos de superação às nossas dificuldades em: a) humanizar o humano; b) como essa condição ocorre a partir daquilo que a Natureza[2] revela às nossas consciências.

Nesse caso, pode-se observar o que o Governo Brasileiro tem realizado em termos de defesa à biodiversidade – animal, vegetal e mineral – contida nos diferentes ecossistemas na Amazônia. As suas atitudes, inclusive no último discurso proferido pela ONU[3], incitam verdadeiro escárnio à sociedade brasileira e global. Genuíno vexame moral e institucional. A Amazônia, na perspectiva da mineração, está, literalmente, à venda, como ocorrem em certa medida, de modo semelhante à exploração da biodiversidade (bioprospecção) e a diversidade social e cultural dos povos (etnobioprospecção) que vivem nesse território os quais desenvolvem saberes a fim de respeita os limites da Natureza para satisfazer as necessidades humanas[4].

O Decreto 9.147/271, que revogou o original Decreto 9.142/2017, não se conscientizou e nem relevou os pontos mais básicos de preservação mineral da Amazônia contra o excessivo desejo dos progressos econômicos – sempre em direção ao infinito crescimento -  que, inclusive, se estende para atender a demandas de muitos governos intitulados “progressistas[5]” para manter programas sociais em funcionamento. É preciso ser claro: nenhuma proposta de Sustentabilidade se torna viável no tempo na medida em que se sacrifica a Natureza diante do Social ou o Econômico. Nenhum desses vetores, num sentido de complementaridade, deve aniquilar o outro para sobreviver, mas encontrar mecanismos para se ratificar a sua complementaridade.

Aliás, a própria dimensão ambiental parece não se preocupar com as modalidades de extrativos e neoextrativismo que ocorrem no cenário da América do Sul. O termo “ambiente” destoa das propostas sul-americanas porque não há essa conexão entre o Mundo Natural e o Mundo Humano. Serres[6], a partir dessa linha de pensamento, enfatiza:

Esqueçamos, pois, a palavra ambiente [...]. Ela pressupõe que nós, homens, estamos no centro de um sistema que gravitam à nossa volta, umbigos do universo, donos e possuidores da natureza. Isso lembra uma época passada, em que a Terra [...] colocada no centro do mundo reflectia o nosso narcisismo, esse humanismo que nos promove no meio das coisas ou no seu excelente acabamento. Não. A Terra existiu sem os nossos inimagináveis antepassados, poderia muito bem existir hoje sem nós e existirá amanhã ou ainda mais tarde, sem nenhum dos nossos possíveis descendentes, mas nós não podemos existir sem ela. Por isso, é necessário colocar bem as coisas no centro e nós na sua periferia, ou melhor ainda, elas por toda a parte e nós no seu seio, como parasitas. 

O artigo 2o e 3o, V ambos do Decreto n. 9147/2017, retratam esse cenário de terror para se constituir a matriz ecológica da Sustentabilidade. A leitura do primeiro dispositivo enuncia a extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (RENCA). O segundo favorece qualquer espécie de direito à exploração mineral no território da extinta RENCA. O caput do artigo 3o, contudo, enuncia condutas proibitivas, contudo, admite realizar todos os seus incisos se houver previsão no plano de manejo.

A pergunta que se faz nesse momento é: quais seriam os limites econômicos dentro deste plano de manejo que impediriam as alterações legislativas – como se Decreto fosse o instrumento legal apropriado para se prescrever condutas dessa espécie segundo o vetor hermenêutico da Sustentabilidade – a fim de preservar a Amazônia o seu etnodesenvolvimento e a biodiversidade de seus ecossistemas? Aparentemente, nenhum. Tudo e todos estão à venda. Essa é a realidade de um mundo cuja Democracia é um nome vazio, mas confere “significado” à funcionalidade (a)normal as instituições, e pautada pela lógica da pós-verdade.

A Amazônia, diante da voracidade dos atores globais econômicos, se transformou em verdadeiro consenso de commodities[7], moeda de troca acerca de transferência de novas tecnologias, de capital para sustentar diferentes programas sociais, para servir a um discurso institucional sobre a promoção do cuidado com a Natureza, impedindo sua degradação com mecanismos legais apoitado por tratados mundiais e continentais.

O tempo da Sustentabilidade, meus caros leitores e leitoras, é AGORA, é o MOMENTO PRESENTE, o qual desvela os porvires de mundo no qual a vida seja nosso valor fundamental, indispensável, para se ter horizontes com alternativas de desenvolvimento que promovem essa cumplicidade e complementaridade entre Direitos Humanos, por um lado, e os Direitos da Natureza por outro.

Se tudo e todos continuarem a serem caracterizados como mercadoria, nesse caso, todas essas promessas de desenvolvimento sustentáveis, especialmente direcionadas à Amazônia, são simulacros, são ideologias carentes de utopias. O mundo e os seres que o habitam não são capazes de tecer relações simbióticas, porém parasitárias, já que o humano pretende tudo dominar e governar. Tempos sombrios...


Notas e Referências:

[1] LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlic Orth. 11. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2015, p. 413.

[2] Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2017/09/1914807-quando-a-natureza-nos-ensina-a-ser-mais-humanos.shtml. Acesso em: 21 de set. 2017.

[3] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/19/politica/1505830305_592949.html. Acesso em: 21 de set. 2017.

[4] Veja a leitura do artigo 1o, IV, VI e VII da Lei n. 13.123/2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm. Acesso em: 21 de set. 2017.

[5] “No caso específico do Equador, houve uma recente modificação na Constituição, trazendo a questão dos Direitos da Natureza e a questão da preservação e respeito às culturas/populações originárias, dentre tantas outras pautas, sustentadas pela maioria dos movimentos sociais que apoiaram essas mudanças e a própria eleição de Rafael Corrêa. No entanto, a permissão da exploração de petróleo no Parque Yasuní se torna um marco negativo no governo de Rafael Corrêa e uma desesperança aos povos que acreditaram que seria diferente neste governo, pois não se observa qualquer respeito ao que preceitua, de um lado, os enunciados constitucionais acerca dos Direitos da Natureza e, de outro, aquilo no qual se desenvolve por meio das práticas comunitárias pelos povos originários”. FORTES, Larissa Borges; AQUINO, Sergio Ricardo Fernandes de. Direitos da natureza a partir da perspectiva do direito global: um estudo de caso sobre o parque Yasuní. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 1, p. 209, jan./abr. 2017. Disponível em: <https://periodicos.pucpr.br/index.php/direitoeconomico/article/view/9702>. Acesso em: 18 de set. 2017.

[6] SERRES, Michel. O contrato natural. Lisboa: Instituto Piaget, 1994, p. 58.

[7] “[...] desde el punto de vista de la lógica de acumulación, el nuevo «Consenso de los Commodities» conlleva la profundización de la dinámica de desposesión o despojo de tierras, recursos y territorios y produce nuevas y peligrosas formas de dependencia y dominación. Entre los elementos comunes de esta dinámica podemos destacar la gran escala de los emprendimien- tos, la tendencia a la monoproducción o la escasa diversicación económica y una lógica de ocupación de los territorios claramente destructiva. En efecto, en función de una mirada productivista y e cientista del desarrollo, se alienta la descalicación de otras lógicas de valorización de los territorios, los cuales son considerados como socialmente vaciables, o lisa y llanamente como «áreas de sacri cio», en aras del progreso selectivo”. SVAMPA, Maristella. «Consenso de los Commodities» y lenguajes de valoración en América Latina. Nueva Sociedad, n. 244, marzo-abril de 2013, p. 33/34. Disponível em: <http://nuso.org/articulo/consenso-de-los-commodities-y-lenguajes-de-valoracion-en-america-latina/>. Acesso em 07 de jun. De 2017.


Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com.


Imagem Ilustrativa do Post: S.O.S Amazônia // Foto de: Ana_Cotta // Sem alterações.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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