Alternativas para a prisão civil dos avós na execução de alimentos e o Enunciado 599 da VII Jornada de Direito Civil - Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes

25/01/2016

Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes - 25/01/2016

No mês de setembro de 2015 realizou-se em Brasília/DF a VII Jornada de Direito Civil promovida pelo Superior Tribunal de Justiça em parceria com o Conselho da Justiça Federal, ocasião na qual foram aprovados 36 novos enunciados. Destes, 14 dizem respeito ao tema família e sucessões.

O texto de hoje abordará o ENUNCIADO 599 que trata da prisão civil dos avós na execução de alimentos. Assim dispõe o enunciado:

Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou prisão domiciliar), se o executado comprovar situações que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.

A obrigação alimentar, primeiramente é dois pais, e, na ausência de condições de um ou ambos os genitores, transmite-se o encargo aos ascendentes, ou seja, aos avós, que são parentes em grau imediato mais próximo.

A possibilidade de pleitear alimentos complementares a parente de outra classe, se o mais próximo não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, vem se consolidando em sede jurisprudencial, que passou a admitir a propositura de ação de alimentos contra os avós. Para tal, basta a prova da incapacidade, ou a reduzida capacidade do genitor de cumprir com a obrigação em relação à prole. Também o reiterado inadimplemento autoriza não a cobrança do débito de alimentos contra os avós, mas a propositura de ação de alimentos contra eles.[1]

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina assim vem decidindo a respeito da responsabilidade alimentar dos avós:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS C/C REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA E DIREITO DE VISITAS. RECURSO DOS AUTORES. TENCIONADA PRESTAÇÃO PELOS AVÓS PATERNOS DE ALIMENTOS COMPLEMENTARES AOS NETOS NO IMPORTE DE METADE DO SALÁRIO MÍNIMO. NECESSIDADES PRESUMIDAS DOS ALIMENTÁRIOS, CRIANÇAS COM APENAS SEIS ANOS DE IDADE. INSUFICIÊNCIA DOS RENDIMENTOS DO GENITOR PARA SUSTENTAR OS FILHOS. DESEMPREGO. VIABILIDADE DOS ALIMENTOS AVOENGOS, ANTE O CARÁTER COMPLEMENTAR DA OBRIGAÇÃO (ART. 1.696, DO CC). CONDENAÇÃO DOS ASCENDENTES AO PAGAMENTO DE DEZ POR CENTO SOBRE O RENDIMENTO DO AVÔ PATERNO EM FAVOR DOS INFANTES. REFORMA DA SENTENÇA NO TÓPICO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. "A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é apenas sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor." (AgRg no AREsp n. 367646/DF, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 08.05.2014). [...]RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

O Superior Tribunal de Justiça também decidiu:

[...] A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é apenas sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor. [...]. (AgRg no AREsp n. 367646 / DF, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 08.05.2014). 

[...] A responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária e complementar à responsabilidade dos pais, só sendo exigível em caso de impossibilidade de cumprimento da prestação - ou de cumprimento insuficiente - pelos genitores." (REsp n. 831.497/MG, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 04.02.2010). 

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE ALIMENTOS - PENSÃO ALIMENTÍCIA - AVÓ PATERNA - COMPLEMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADA A HIPOSSUFICIÊNCIA DO GENITOR - CIRCUNSTÂNCIA VERIFICADA NA ESPÉCIE - DEVER DE ALIMENTAR CARACTERIZADO - AGRAVO IMPROVIDO. (AgRg no AREsp n. 138218/MS, rel. Min. Massami Uyeda, j. em 28.08.2012).

Diante do explanado, é fácil perceber que a obrigação alimentar avoenga é excepcional, somente se justificando quando, efetivamente, as necessidades de quem recebe os alimentos não puderem ser atendidas, em sua inteireza, pelo devedor vestibular. Logo, a melhor condição econômica dos avós não justifica a condenação avoenga, estando submetida, efetivamente, à prova da impossibilidade do genitor de atender às necessidades do credor.[2]

Mas o ponto a ser debatido é: uma vez imposta a obrigação alimentar aos avós e havendo inadimplemento, cabível é a prisão civil destes?

A doutrina e jurisprudência debatem este tema e várias são as correntes. Decisões existem no sentido da não prisão do idoso:

“HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. PRISÃO. AVÔ PATERNO. A pensão avoenga é complementar àquela prestada pelos genitores do menor, obedecendo ao binômio da necessidade possibilidade. Não se está a questionar obrigação alimentar em tela, uma vez que o artigo 1.694 do Novo Código Civil dispõe expressamente que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação. Todavia, no caso concreto, submeter o avô paterno que conta com idade avançada e saúde precária à prisão pelo inadimplemento de alimentos mostra-se medida desumana, mormente quando demonstrada a sua incapacidade financeira, diante dos maus resultados da sua empresa, e a sua intenção de efetuar o pagamento de forma parcelada, o que não é aceito pela representante do menor. ORDEM CONCEDIDA” (Habeas Corpus Nº 70005776661, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 11/03/2003)

Contudo, há decisões favoráveis a prisão dos avós, mesmo que idosos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO DO ART. 733 DO CPC. OBRIGAÇÃO AVOENGA. SUPOSTOS PROBLEMAS DE SAÚDE. JUSTIFICATIVA INSUBSISTENTE A AFASTAR O DECRETO PRISIONAL. A alegação de impossibilidade de pagamento da verba alimentar, em razão da idade avançada e dos problemas de saúde apresentados pelo devedor, avô da criança, bem assim a situação financeira precária, não o exime da obrigação já vencida, nem elide o decreto prisional. Ademais, consoante reiterado entendimento jurisprudencial, não há falar na discussão do binômio possibilidade/necessidade em sede de execução. Precedentes desta Corte e do Egrégio STJ. (Agravo de Instrumento Nº 70036826733, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 10/11/2010)”. (grifo nosso).

Assim, o que faz o novo Enunciado da Jornada de Direito Civil é impor ao julgador a utilização da proporcionalidade nos casos de prisão civil nos alimentos avoengos. Ao analisar o caso concreto e as circunstâncias em que se encontra o(a) avô(ó) devedor(a), o juiz poderá aplicar medida coercitiva que não seja a prisão civil ou determinar seu cumprimento em regime aberto ou prisão domiciliar se o executado comprovar situações que não indiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e atente à sua dignidade, com fundamento no princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.

Entre as alternativas a prisão civil está a previsão da multa diária, denominada astreinte, que pode ser diária ou em quota única ou em qualquer lapso de tempo. A multa tem a função de ser dissuasória e não punitiva, mas possuindo caráter de coerção, devendo haver ponderação, pois o seu valor não pode ser insignificante, mas também não pode exceder a adequação da razoabilidade e proporcionalidade, em vista do empobrecimento do devedor. Esta medida visa obter coercitivamente o cumprimento da prestação da pensão alimentícia, tendo em vista que possui como elemento de apoio a pena pecuniária, de forma a persuadir o devedor a cumprir e que ao passo de seu não cumprimento, sofrerá pressões psicológicas pela imposição da multa pelo tempo da sua resistência em não cumprir de forma voluntária a sua obrigação. [3]

Outra medida que poderia ser utilizada e não precisa de condição privilegiada, seria a inscrição do nome do devedor de alimentos no Cadastro de Proteção ao Crédito ou ainda o protesto do título judicial, conforme dispõe o art. 528, §1º, do Novo CPC.

Enfim, sendo o idoso, muitas vezes, encontrado em situação de fragilidade, pode o magistrado impor medidas alternativas para garantir que o direito do menor seja amparado sem afrontar a dignidade dos avós alimentantes.


Notas e Referências:

[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 423.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 716.

[3] BRAGA, Pollyanna Silva Passos Costa. A Prisão civil dos avós: a responsabilidade subsidiária avoenga ao dever de pagar alimentos no que tange ao binômio necessidade/possibilidade. Seara jurídica V.2 | N. 12. Jul -Dez 2014. p. 174.


Sem título-1

. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.


Imagem Ilustrativa do Post: Sunglasses // Foto de: Jeroen Bennink // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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