ALTERAÇÕES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O CPC/15: NECESSÁRIO DIÁLOGO ENTRE AS FONTES    

06/03/2022

Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira

Assim como tivemos oportunidade de fazer em relação à nova Lei de Licitações[1], pretendo tratar, nas linhas a seguir, dos pontos de diálogo entre a Lei 14.230/2021, que trouxe profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa (LIA- Lei 8.429/92), e o Código de Processo Civil de 2015.

Não é papel deste ensaio se deparar pelas complexas e, por vezes, polêmicas mudanças advindas da Legislação publicada no final de outubro/2021, e sim fazer algumas reflexões acerca do necessário diálogo com a Legislação Processual geral, em relação a institutos como: procedimento, competência, tutelas provisórias, litisconsórcio, partes, cumprimento de sentença, conversibilidade, etc.

O ponto de partida para estas reflexões comparativas é a leitura do denso conteúdo do art. 17 da LIA. Nele, há previsão de legitimidade ativa ao Ministério Público e tramitação pelo procedimento comum do CPC/15, ressalvados aspectos contidos na própria lei especial, como a prevenção para as demais ações com o mesmo objeto litigioso (art. 17, §5º), os requisitos obrigatórios da peça de ingresso (art. 17, §6º) e o prazo para a defesa comum em 30 dias (art. 17, §7º).

Em seguida, este mesmo art. 17 nos permite dialogar com chamada improcedência liminar do pedido, incluindo situações que ultrapassam os limites do art. 330, do CPC/15, como quando não estiverem preenchidos os requisitos constantes nos incisos I e II do § 6º, do art. 17, ou quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado (art. 17, §6º-B). Aliás, a lei especial permite que a improcedência seja decretada a qualquer momento, em casos de inexistência do ato de improbidade (art. 17, §11).

Ademais, este mesmo dispositivo consagra o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, de certo modo ampliando as hipóteses previstas no art. 1.015, do CPC/15, para impugnar a decisão que: i. rejeitar as preliminares suscitadas pelo réu (art. 17, §9º-A); ii. converter da Ação de Improbidade em Ação Civil Pública (art. 17, §17); iii. tenha natureza jurídica de interlocutória (art. 17, §21).

Em seguida, o art. 17 estabelece que, após a contestação, poderá ocorrer o julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 a 357, do CPC/15 e art. 17, §10-B, I, da LIA), com decretação de manifesta inexistência de ato de improbidade e, se for o caso, com o desmembramento do litisconsórcio “com vistas a otimizar a instrução processual” (art. art. 17, §10-B, II) o que, a meu ver, demonstra clara preocupação do legislador com a efetividade e a primazia da resolução de mérito.

De outro prisma, a leitura do §10-F deste art. 17, permite identificar clara ligação com mais dois importantes institutos do CPC/15: julgamento parcial de mérito e nulidade da decisão (o que também está previsto no art 17-C, da LIA). Este §10-F trata da nulidade da decisão de mérito total ou parcial (julgamento parcial de mérito - art. 356, do CPC/15) que condenar o réu por tipo diverso do que fora definido na peça de ingresso ou sem a produção de provas por este tempestivamente indicadas.

Antes de encerrar os comentários ao art. 17, da LIA, entendo necessário apontar ligação com mais dois importantes institutos previstos na lei processual geral: a) a citação da Pessoa Jurídica para, caso queira, intervenha no processo (§ 14), hipótese esta que, apesar da mudança redacional em relação ao que era previsto originariamente no texto legal, sempre trouxe proximidade com o previsto na Lei da Ação Popular (art. 6º, §3º, da Lei 4.717/65) e influencia na sua legitimidade para os atos de cumprimento de sentença (art. 18 - o que será ratificado em seguida); b) a possibilidade de desconsideração de pessoa jurídica, desde que atendidos os regramentos previstos nos arts. 133 a 137, do CPC/15 (art. 17, §15, da LIA).

De outro prisma, é importante fazer o elo de ligação entre o instituto da tutela provisória prevista no CPC/15 e os preceitos contidos na LIA. Apesar dos requisitos, momentos e espécies estarem consagrados na legislação processual geral, as alterações ocorridas na lei especial tiveram preocupação específica em relação a indisponibilidade de bens, que pode ser requerida de forma antecedente (tutela provisória de urgência antecedente), ou mesmo incidental (art. 16).

A leitura deste art. 16 permite apontar que o cabimento da tutela provisória de urgência visando a indisponibilidade de bens, quando demonstrado o “perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias” (art. 16, §3º, da LIA), ou mesmo sem a oitiva do réu, em casos de possível frustração da eficácia da medida ou existindo outras circunstâncias que a justifique (art. 16, §4º).

Portanto, a tutela provisória pode ser apreciada de forma liminar ou mediante oitiva prévia do réu em 5 dias, com a aplicação, no que couber, do regime da tutela provisória de urgência prevista no CPC (art. 16, §8º, da LIA) e estando passível de interposição de impugnação mediante Agravo de Instrumento (art. 1015, I, do CPC/15 e art. 16, §9º, da LIA). O §12, deste mesmo art. 16, determina que o magistrado faça a análise dos efeitos práticos da decisão que apreciar o pedido de indisponibilidade, sendo “vedada a adoção de medida capaz de acarretar prejuízo à prestação de serviços públicos” (art. 16, §12). Neste ponto, a LIA dialoga com o contido no art. 20, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB.

Em seguida, a previsão e detalhamento do acordo de não persecução civil (art. 17-B e parágrafos, da LIA). Referido acordo é cabível desde que dele advenham, ao menos, os resultados previstos no art. 17-B, da LIA: ressarcimento integral do dano / reversão da vantagem indevida à pessoa jurídica. Já o art. 17-C consagra que a sentença deverá observar, além dos elementos essenciais previstos no art. 489, do CPC/15, outros requisitos específicos da apuração do ato de improbidade.

No que respeita às consequências da sentença e a formação de título executivo judicial, vale destacar o regramento contido no art. 18, da LIA: formação de título em favor da Pessoa Jurídica prejudicada pelo ilícito (apesar da legitimidade para a propositura da demanda ser do Ministério Público), visando a eventual liquidação e cumprimento de sentença referente ao ressarcimento dos danos e à perda ou à reversão dos bens e valores ilicitamente adquiridos, no prazo de seis meses após o trânsito em julgado, sob pena da medida ser adotada pelo Parquet, sem prejuízo da apuração de eventual responsabilidade em decorrência da omissão (§§1º e 2º, do art. 18). No §4º deste mesmo art. 18, a LIA consagra a figura do parcelamento do débito resultante da condenação, o que se assemelha, exceto quanto ao prazo e alguns regramentos específicos, ao contido no art. 916, do CPC.

De outro prisma, é importante destacar alguns institutos previstos no CPC/15 que expressamente não se aplicam à LIA. Pela redação do art. 17, não se aplica à Ação de Improbidade: a) a confissão, em caso de recusa ou silêncio (art. 17, §18); b) a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, em caso de revelia (art. 17, §19, I); c) imposição de ônus probatório ao réu, como previsto nos §§1º e 2º do CPC (art. 17, §19, II); d) o reexame necessário em case de improcedência ou extinção do processo sem resolução de mérito ((art. 17, §19, IV).       

Por derradeiro, mesmo não tendo ligação direta com o objeto central deste ensaio, entendo importante destacar que as alterações advindas da Lei 14.230/2021 procuram solucionar controvérsia antiga envolvendo os limites entre as Ações de Improbidade e Civil Pública. Enquanto o art. 17-D, da LIA, deixa claro seu caráter repressivo e sancionatório, não se confundindo com as ações sujeitas ao regime da Lei 7.347/85, o art. 17, §§16 e 17 permite a conversão da Ação de Improbidade em Civil Pública, decisão sujeita à interposição de Agravo de Instrumento.

 

Notas e Referências

[1] Texto disponível em https://www.conjur.com.br/2021-set-27/jose-henrique-mouta-lei-licitacoes-cpc2015

 

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