ALGUMAS DIFICULDADES PRÁTICAS DAS AUDIÊNCIAS CRIMINAIS VIRTUAIS NA PANDEMIA E O ATENTADO À PUBLICIDADE E À TRANSPARÊNCIA: O GRAVE PROBLEMA DA GRAVAÇÃO PARCIAL – OU DE FORMA PICOTADA – DO ATO PROCESSUAL.

13/05/2021

As audiências virtuais – que se tornaram regra e uma constante neste período de pandemia de Covid-19 – apesar de se mostrarem um instrumento tecnológico bastante festejado, desejável e, sim, muito louvável, pois imprescindível para possibilitar que a prestação jurisdicional continuasse normalmente, levando Justiça aos brasileiros, ainda mais em um momento tão difícil para todos, têm, por seu turno, trazido algumas dificuldades, sobretudo na esfera penal, especialmente para o exercício da ampla defesa.

Por exemplo, para a realização destes atos, não é incomum que magistrado(a)s requeiram dados de testemunhas que a parte, às vezes, não tem como fornecer, tais como dados telefônicos, ou de e-mail, e até mesmo chegando a exigir ou sugerir que o(a)s profissionais recebam as testemunhas arroladas, em seus escritórios, para a realização de uma audiência de instrução. Isso, claro, quando não exigem que o(a) próprio(a) defensor(a) intime a testemunha.

Há a questão relacionada ao princípio da oficialidade, que deve reger todo o sistema processual, conforme ensina Eduardo Sanz[1], restando questionável que à defesa seja dirigido o dever ou o ônus de receber a testemunha no seu próprio escritório, para proceder à sua oitiva, pois tal procedimento, como é cediço, deve ocorrer em Juízo ou, obviamente, em alguma repartição pública.

Tal procedimento fere o devido processo legal, além de sujeitar a defesa a ônus que não são endereçados aos demais sujeitos processuais (e nem teria cabimento sujeitá-los a deveres de fiscalização próprios e inerentes ao Juízo da causa, sob pena de ofensa ao contraditório e à ampla defesa, pois como poderia a defesa fiscalizar a regularidade do ato caso a testemunha fosse ouvida no escritório ou gabinete da outra parte); neste sentido, deve o ato ser fiscalizado e conduzido, diretamente, pelo(a) juiz(a) do processo, em ato oficial, não tendo o menor cabimento condicionar o ato à fiscalização da própria parte.

Outrossim, há outros problemas: de posse de alguns dados para a realização do ato, sobretudo aqueles mais sensíveis, pois ligados à privacidade, sejam das partes, sejam do(a)s advogado(a)s ou mesmo das testemunhas, tais como, a título de ilustração, os números de telefone celular destas pessoas, para o envio do link da audiência virtual, já houve situações em que estes mesmos dados foram disponibilizados, no Diário Oficial, ferindo-se, só para ficarmos em uma lei bastante citada hoje em dia, a Lei Geral de Proteção de Dados, expondo a pessoa à publicidade excessiva.

Imagine se o mesmo ocorresse com a exposição de dados, no Diário Oficial, de números de telefones celulares de magistrados, membros ministeriais ou procuradores? Enfim, o mundo cairia.

E, sim, claro, haveria motivo para tanto, mas o nosso ponto é o seguinte: o que vale para Chico deve valer para Francisco.

O mesmo respeito que juízes e promotores querem para si devem devotar também às partes, advogado(a)s e testemunhas.

Outro ponto diz respeito à realização de audiências de custódia, em meio virtual (isso, claro, se realizadas, pois foram dispensadas, recentemente, em razão da pandemia) e do interrogatório, quando o acusado demonstra interesse em sua realização presencial, algo mais factível, em um futuro próximo, eis a queda do número de contaminações pela Covid-19, ante um cenário de aumento do número de vacinação da população.

Como bem aponta Ingo Sarlet, em artigo escrito com Hermes Zaneti Jr, “o reconhecimento do regime excepcional não significa um lockdown do sistema de justiça. Este regime excepcional deve ser adequado às necessidades do caso[2], observando os Autores que a prática de atos processuais, em meio digital, ainda que seja justificável em determinado caso, conforme o momento (caso haja aumento de infecções pelo Coronavírus), como se deu recentemente, deve ocorrer em um contexto de dialeticidade, de diálogo e de consenso entre partes e juiz, o que, na prática, todos sabemos, não ocorre

Conforme alerta Eduardo Sanz a respeito do tema, colocando o dedo na ferida presente na seara penal: “no processo criminal, as audiências virtuais para oitiva das testemunhas, informantes ou interrogatórios, e que podem envolver inclusive colaboradores da Justiça, visam à responsabilização criminal do acusado, e justamente por isso tencionam mais as garantias processuais do réu, tendo em vista o contraditório e a ampla defesa[3].

Por fim, e o que é objeto mais específico deste breve artigo, é a questão relacionada à gravação das audiências virtuais e o registro apenas parcial – ou picotado - da realização do ato conforme a conveniência do(a) magistrado(a).

E por que isso é preocupante? Por muitos motivos.

Pois bem, uma das possíveis conquistas com os registros virtuais das audiências foi conferir maior transparência no que tange à conduta de parte dos magistrado(a)s que, eventualmente, quiçá deslumbrados pela síndrome do poder que – enquanto juízes, detentores de respeitável função pública - detêm, passam a abusar dele, humilhando partes, advogados, agindo como inquisidores, fazendo juízos de valor, antecipando culpa, fazendo gracinhas inadequadas, ou ironias sem graça, não raro ditando a marcha procedimental do processo como bem entendem, à mais completa revelia da lei (a inversão da ordem das perguntas do artigo 212 é só um exemplo), como se mandassem na sua vara (que pensam ser sua propriedade) da mesma forma que mandam em casa.

Neste sentido, a gravação das audiências, em meio à pandemia, foi um avanço, pois, com os registros, facilitou a comprovação de abusos, arbítrios (e por que não dizer, de crimes de abuso de autoridade) praticados por juízes que, na verdade, não estão à altura do cargo, não têm postura do que se espera de verdadeiros magistrados, não têm sequer paciência para ouvir as partes, porque acreditam que chegaram, quiçá, na altura de sua sapiência, à solução mais justa para o feito, independentemente das provas ou de ouvir as partes, e, na verdade, nunca deveriam ter o poder que têm, ainda mais o de julgar e prender pessoas.

Ocorre que esta transparência pode restar comprometida caso o(a) magistrado(a) entenda que possa editar o ato registrado, ou gravar apenas o que quer, gravando apenas o que lhe interesse, conforme o momento que entenda mais oportuno (ou picotando a gravação, ora gravando o que quer, finalizando a gravação, para depois recomeçar quando achar interessante e assim seguindo), deixando de lado, por exemplo, discussões com advogados, ou com as partes, ou testemunhas, quiçá, eventualmente, como forma de blindar os agentes de questionamentos, frise-se, legítimos (afinal, todas as autoridades devem prestar contas de seus atos), inclusive de uma alegação de suspeição ou mesmo para questionamento quanto à eventual prática de abuso.

Às vezes nem o advogado, que acompanha o ato, e está concentrado na defesa de seu cliente, tem ciência se seus argumentos estão sendo gravados ou registrados, só percebendo que a gravação foi encerrada quando advertido pelo magistrado para se preparar para fazer seus pedidos, porque, a partir daquele momento, o ato estaria sendo, enfim, registrado.

Considerando que, ao que parece, as audiências virtuais vieram para ficar – mesmo após a pandemia – devem os tribunais disciplinar o assunto e, o mais importante, quando indagados a respeito, em algum caso, sobre uma eventual falta de transparência, por não haver o registro de todo o ato processual, responderem à altura, imprimindo uma efetiva correção de rumos, invalidando atos processuais em que, por exemplo, a gravação foi suspensa ou encerrada, não sendo registrada a discussão de questões jurídicas entre as partes ou entre estas e o magistrado, não obstante a audiência devesse continuar, pois só assim se privilegiará a publicidade do ato e a transparência.

Afinal, como todos dizem e sabem, a Justiça não se faz na escuridão, ou na penumbra, mas às claras, sendo que a publicidade, que deve vigorar por TODO o ato (e não apenas em parte dele, ou se mostrar de forma picotada, ora registrando-se parte do ato, ora não), funciona como um antídoto contra atos arbitrários, justamente ao propiciar uma adequada fiscalização da sociedade quanto à correta prestação jurisdicional, em prol do respeito ao devido processo legal, ao Estado Democrático de Direito e à Dignidade do cidadão que é parte em um processo, sobretudo o penal.

 

Notas e Referências

[1] https://www.conjur.com.br/2020-jul-08/sanz-audiencias-criminais-probatorias-covid-19-parte

[2] https://www.conjur.com.br/2020-abr-05/direitos-fundamentais-direitos-fundamentais-tempos-pandemia-ii (grifamos e destacamos)

[3] https://www.conjur.com.br/2020-jul-10/sanz-audiencias-criminais-probatorias-covid-19-parte-iii (destacamos)

 

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