Algumas considerações sobre a multa periódica nas obrigações de fazer, não fazer e entregar previstas no Novo Código de Processo Civil – Por Luiz Antonio Ferrari Neto

14/10/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

Um dos grandes avanços no sentido da efetividade dos provimentos jurisdicionais certamente foi a possibilidade de imposição de multa periódica para que o devedor das obrigações de fazer e não fazer fosse compelido a cumprir com a obrigação, ainda que esta fosse fixada provisoriamente, como nos casos de tutela provisória antecipada.

A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) trouxe tal possibilidade em seu art. 11, ao dispor que o juiz poderá, “independentemente de requerimento do autor” impor multa diária.

Não obstante, o art. 12, § 2º dispõe expressamente que esta multa somente poderá ser exigível “após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”.

Posteriormente a isto, em 1994, o CPC sofreu alteração pela Lei 8.952, que previu a possibilidade da fixação de multa diária para o caso de descumprimento de decisões provisórias (tutela antecipada) ou definitivas (sentenças) que fixem obrigações de fazer ou não fazer[1].

Desde então, a doutrina muito refletiu e debateu sobre o tema. Desde a alteração da natureza jurídica desta sentença a ação, que passaria a ser, para alguns, exemplo de ação executiva lato senso, até a discussão sobre a natureza da multa fixada. Podemos destacar, alguns dos vários pontos objeto das polêmicas: (a) se a decisão sobre a fixação da multa faria ou não coisa julgada; (b) quem seria o credor desta multa; (c) os limites sobre a possibilidade da revisão desta multa; (d) a possibilidade de execução provisória ou não desta multa.

Passaremos a abordar alguns dos temas nos tópicos abaixo.

1. Execução provisória da multa periódica fixada em tutela provisória:

Para se ter uma ideia da problemática, apesar de haver outros julgados do próprio STJ sobre o tema, apenas após 20 anos da alteração do CPC de 1973 é que o STJ firmou entendimento em sede de recurso repetitivo (pelo então procedimento do art. 543-C do CPC) sobre a possibilidade ou não da execução provisória da multa periódica fixada em tutela antecipada:

“[...]1.- Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: "A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo."

2.- O termo "sentença", assim como utilizado nos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC, deve ser interpretado de forma estrita, não ampliativa, razão pela qual é inadmissível a execução provisória de multa fixada por decisão interlocutória em antecipação dos efeitos da tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por Acórdão. [...]”[2]

Uma das grandes polêmicas até então existentes decorria da ausência de previsão expressa no CPC sobre a possiblidade ou não da execução provisória desta multa. Diante da ausência de norma a esse respeito, havia discussão sobre a impossibilidade de execução, fundada na analogia, aplicando-se o art. 12, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública.

Com a decisão acima, o STJ afastou os extremos, adotando um caminho mais moderado.

O novo CPC, por sua vez, que procura dar maior prevalência para a Jurisprudência dos Tribunais, requerendo uma maior observância destas (a exemplo das disposições contidas nos art. 926, 927, 928 e dos procedimentos para julgamento de casos repetitivos e para a assunção de competência), acabou por alterar o próprio entendimento que foi sedimentado depois de 20 anos de previsão e aplicação da multa prevista no art. 461, § 4.

Segundo o novo CPC, a multa poderá ser executada provisoriamente, independentemente da existência de sentença favorável ao credor da multa:

Art. 537. [...] § 3º  “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte”.

Ou seja, diferentemente do que previa a decisão consolidada do STJ ou do que previa o art. 12, § 2º, da Lei 7.347/1985, caso haja a fixação de multa periódica para a hipótese de descumprimento de uma determinação judicial fixada em tutela provisória, a parte prejudicada precisará recorrer da decisão e obter o efeito suspensivo sob pena de a multa periódica poder ser executada.

Explico: Imagine que, em decisão interlocutória o juiz conceda tutela provisória antecipada, para que uma construtora seja compelida a realizar determinada obra no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00. Devidamente intimada, a construtora deverá cumprir com a obrigação no prazo assinalado, sob pena de incidência da multa diária.

Passado o prazo de 30 dias sem que tenha havido o cumprimento integral da obrigação e desde que tenha havido a intimação da construtora para o cumprimento da obrigação[3], passa a incidir a multa que, nos termos do novo CPC, já poderá ser executada, independentemente do resultado final do processo.

Desta forma, concedida a tutela provisória, a parte prejudicada deverá interpor o recurso cabível (que no exemplo é o agravo de instrumento – art. 1.015, I), requerendo a concessão do efeito suspensivo ao recurso, sob pena de correr o risco de constrição sobre seu patrimônio.

Se, no trâmite da ação, posteriormente, em cognição exauriente o magistrado entender que a construtora é que estaria certa, proferirá sentença, revogando a tutela antecipada concedida. Nesta hipótese, a parte adversa que deu início ao cumprimento provisório da sentença deverá responder, de forma objetiva, pelos danos causados àquele que sofreu com a tutela provisória (no caso de nosso exemplo, à construtora – art. 520, II e § 4º).

A constrição prévia sobre o patrimônio do executado, certamente servirá como instrumento de pressão ao cumprimento da tutela antecipada, em que pese a impossibilidade de levantamento do valor pelo credor, de imediato. Restará ao credor da tutela provisória avaliar os prós e contras de requerer o início desta execução provisória da multa periódica fixada em tutela antecipada, uma vez que esta somente poderá ser levantada após o trânsito em julgada da decisão de procedência e que, havendo o risco de reversão, responderá por ele.

2. O credor da multa periódica

Apesar da discussão que havia sobre o tema (em razão da falta de norma expressa definindo quem seria o credor da multa periódica fixada), boa parte da doutrina já afirmava que o credor era a parte do processo, credora da obrigação principal. A discussão se tornava mais acalorada, todavia, na hipótese de a multa se tornar excessiva, uma vez que a função da multa é forçar psicologicamente o executado a cumprir com a obrigação. A execução, no caso, está sendo realizada por meio de medida coercitiva, servindo para forçar o próprio devedor da obrigação a cumpri-la, diferentemente do que ocorre na execução por sub-rogação, na qual o Estado juiz substitui a vontade do devedor pela vontade dele, Estado, fazendo com que a obrigação seja cumprida.

Essa multa, portanto, não pode se tornar fonte de enriquecimento do credor. Esta discussão também foi parar nos tribunais. Vale aqui destaque para o voto vencido de Luis Felipe Salomão, nos autos do REsp. 1.006.473-PR, o qual traz um estudo sobre as lacunas existentes no sistema do CPC de 1973, bem como um comparativo com a legislação francesa, alemã e portuguesa, chegando à conclusão de que o credor da multa deveria ser o Estado e o credor da obrigação principal em partes iguais, similar ao que previa o sistema português[4]. Tal voto, todavia, não prevaleceu, mantendo-se o já consagrado entendimento de que o credor da multa seria o próprio credor da obrigação principal.

Durante o trâmite do projeto do CPC até se cogitou de uma divisão do valor da multa entre o Estado e o exequente. Não obstante, prevaleceu no texto legal que o credor da multa é o próprio exequente (art. 537, § 2º), não havendo mais qualquer discussão sobre isto.

3. A possibilidade de alteração da multa periódica

De acordo com o Novo CPC (art. 537, § 1º), assim como de acordo com o CPC anterior (art. 461, § 6º), o juiz poderá modificar o valor ou a periodicidade da multa fixada.

Muito também se discutiu desde a entrada em vigor da Lei 8.952/1994 sobre a possibilidade ou não de alteração da multa periódica já fixada, seja em decisão interlocutória, seja em sentença.

A jurisprudência acabou sendo sedimentada no sentido de que a decisão que fixa esta multa não faz coisa julgada[5], ainda que a multa seja fixada em sentença. Isto é certo, uma vez que a decisão que a fixa não é sansão. É uma forma de coerção para fazer com que o devedor fique psicologicamente afetado pela decisão que a fixa, fazendo com que ele cumpra com a obrigação.

Ocorre que há situações em que a multa periódica acabou incidindo por tempo demasiadamente longo e acabou fazendo com que o valor da multa superasse em muito o valor da obrigação principal. Há situações em que o valor da multa superou mais de 10 vezes o valor do cumprimento da obrigação principal. Em razão de situações como estas é que a jurisprudência e também a doutrina vinham entendendo pela possibilidade de redução não só da multa vincenda, como do montante total da multa vencida, sob pena de restar caracterizado o enriquecimento ilícito[6].

Aqui, todavia, a discussão certamente não será encerrada, uma vez que o novo CPC previu que apenas a multa vincenda é que poderá ser alterada pelo magistrado e não a multa vencida.

Isto fará com que a parte prejudicada já recorra da decisão que fixou ou majorou a multa sob o risco de ver preclusa a decisão. O valor fixado, apesar de não fazer coisa julgada, não poderá ser alterado e, segundo o texto do CPC, poder-se-á permitir o enriquecimento ilícito e indevido do exequente.

O leitor poderá pensar: oras, basta que o devedor cumpra com a obrigação que não haverá multa. E de fato, este deve ser o entendimento para a imensa maioria dos casos. Não obstante, não deve ser aplicado a todos os casos indistintamente. Isto porque há hipóteses de cumprimento impossível determinado pelo magistrado. Noutra hipótese, a parte deveria cumprir a obrigação, mas não o fez, devendo, portanto ser penalizada. Contudo, o montante da multa fixado pode se demonstrar totalmente desarrazoado e provocará enriquecimento ilícito do exequente. Como dito, já foi constatada situações em que o valor da multa superou mais de 10 vezes o valor da obrigação principal (vide AgRg no AREsp 666.442-MA). Tal multa poderá fazer com que uma sociedade empresária vá à bancarrota. Imagine-se ainda a possibilidade de aplicação subsidiária de tal disposição para ações civis públicas, onde o valor da multa diária muitas das vezes é fixada em valores astronômicos (R$ 50.000,00 ou até mesmo R$ 100.000,00 por dia de descumprimento).

Diante disto, em que pese o Código de Processo prever expressamente que apenas as multas vincendas é que podem ser reduzidas, o magistrado poderá reduzir o montante já fixado. E isto se dará porque o § 1º do art. 537 do CPC previu a possibilidade de exclusão da multa.

Ora, se há a possibilidade da própria exclusão da multa quando ela se tornou excessiva, com maior razão poderá o magistrado reduzi-la, equitativamente, para que ela não perca sua finalidade de coerção.

Humberto Theodoro Junior cita a possibilidade de o credor deixar, maliciosamente, passar longo tempo para executar a multa. Assim o fazendo, o credor poderá provocar a ruína do devedor. Tal atitude feriria a boa-fé e lealdade processual e deveria, segundo Humberto Theodoro Júnior, ser punida como litigância de má-fé[7].

Daniel Assumpção Amorim Neves, por sua vez, traz a possibilidade de redução se a multa tiver sido desvirtuada. Afirma que o juiz poderá rever o valor pretérito da multa se esta já perdeu sua finalidade coercitiva[8].

Guilherme Rizzo Amaral aponta ainda a situação em que determinada obrigação foi descumprida por longo tempo em razão de o mandado de intimação ter ficado “perdido em algum escaninho ou central de recebimento de correspondências, tendo ainda o autor deixado de requerer nova intimação do réu para cumprimento”[9].

Em que pese a disposição do § 1º do art. 527 afirmar a impossibilidade de redução ou revisão do valor da multa vincenda, poderá o magistrado reduzir equitativamente a multa já fixada, como reconhecido pela jurisprudência sedimentada pelo STJ na vigência do CPC de 1973. E a razão para tanto é simples: o próprio § 1º prevê a possibilidade de o juiz excluir a multa se ela se tornar excessiva. Se há possibilidade de exclusão, com maior razão haverá possibilidade para redução.


Notas e Referências:

[1] Art. 461 [...] § 4º. “O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito”

[2] STJ. Corte Especial. REsp. 1.200.856-RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 01.07.2014

[3] Outra grande discussão enfrentada pelo Judiciário com relação a esse tema é se a intimação precisaria ser pessoal ou não, tendo o STJ editado o enunciado 410: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

[4] STJ. REsp. 1.006.473-PR, 4ª Turma, rel. p/ acórdão min. Marco Buzzi, j. 08.05.2012 https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1125218&tipo=0&nreg=200702705583&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20120619&formato=PDF&salvar=false

[5] “[...] A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada. [...]”. STJ. 2ª Seção. REsp. 1.333.988-SP, rel. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 09.04.2014.

[6] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MULTA DIÁRIA. REDUÇÃO DO QUANTUM. POSSIBILIDADE. DESPROPORÇÃO ENTRE O VALOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL E O CÔMPUTO DA MULTA. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

  1. As astreintes não têm o fito de reparar eventuais danos ocasionados pela recalcitrância quanto ao cumprimento de decisão judicial, mas sim o de compelir o jurisdicionado - sem, com isso, acarretar enriquecimento sem causa para a parte beneficiada pela ordem - a cumprir a ordem da autoridade judiciária.
  2. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que, tanto para se atender ao princípio da proporcionalidade quanto para se evitar o enriquecimento ilícito, o teto do valor fixado a título de astreintes não deve ultrapassar o valor do bem da obrigação principal. Precedentes.
  3. No presente caso, considerando as circunstâncias fáticas levantadas pela Corte local, para que se evite enriquecimento sem causa, tendo em vista a desproporção entre o valor da obrigação principal (R$ 40.000,00) e o cômputo da multa (R$ 500.000,00), é necessária a redução do valor total das astreintes, já que não se mostra razoável. Multa total reduzida para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
  4. Agravo regimental não provido. (STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp. 666.442-MA, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13.10.2015, v.u.)

[7] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol III. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 174.

[8] NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.110.

[9] AMARAL, Guilherme Rizzo. in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et ali. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.410.


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