Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos
Em julho de 2018 estive na cidade de Belém, capital do Pará, e o que mais me chamou atenção, naquele momento, foi um cantor que se apresentava na Praça da República.
Ele encontrava-se acompanhado de uma mulher e duas crianças que estavam sentadas assistindo a apresentação. A mulher segurava uma placa onde explicava a situação que estavam passando: tratava-se de uma família venezuelana que havia percorrido quilômetros até chegar ao Brasil em busca de ajuda.
Todos pareciam cansados, exaustos, com fome e com sede. Mesmo assim, o cantor seguia com seu forte tenor; de olhos fechados sobre o palco imaginário e erguido pela sobrevivência. Aos seus pés uma pequena caixa com algumas moedas.
Sua voz era impactante, expressava medo e esperança. Com certeza sair do país de origem, lugar onde criou um verdadeiro vínculo de pertencimento, e chegar ao Brasil não foi fácil, mas, ao mesmo tempo, o permitia enxergar algum horizonte e a voz conseguia expressar isso.
As notas oscilavam como um grito de socorro. Beleza e dor enfrentavam-se.
Sem empregos, sem acesso à saúde, sem moradia digna, sem alimento, sem oportunidades, sem afeto, sem atenção básica, essa era a realidade daquela família. Tudo, absolutamente tudo, estava naquele clamor que rasgava a sociedade indiferente e segregadora.
Afirmo que cada um deles continua em mim, dia após dia. A voz ecoa pelas ruas das cidades, uma vez que é possível ver aquela família refletida em tantas outras marginalizadas, vítimas do abandono.
Hoje consigo perceber que o acolhimento deve ir além das fronteiras e alcançar o real sentido de Humanidade, alcançar os gritos de socorro que repercutem pelo mundo e, portanto, romper com estruturas que promovem a desigualdade e um tipo de dignidade seletiva potencializadora das vulnerabilidades e das injustiças sociais.
Não podemos ignorar as vozes reprimidas e os caminhos percorridos. Desejar o silêncio é um ato de violência. Impor obstáculos à solidariedade é negar a existência de muitos e, portanto, negar a própria existência.
FOTO REPRODUÇÃO DA AUTORA