Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 22/07/2017
O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (art.133 da CR)
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado, quando todos o apontam. (Francesco Carnelutti)
A sentença prolatada pelo juiz Titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR que condenou o ex-presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA a pena de 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa, deve ser questionada por múltiplas razões – desde as questões preliminares de nulidades até o julgamento do mérito. Contudo, um dos aspectos que merece atenção - não diz respeito propriamente ao famigerado triplex do Guarujá, a condenação por corrupção passiva ou por lavagem de dinheiro - refere-se aos ataques injustificados e impróprios perpetrados pelo juiz Federal SERGIO MORO contra os advogados do ex-presidente LULA.
Na combatida sentença o juiz Federal SERGIO MORO afirmou que:
- Nesse contexto de comportamento processual inadequado por parte da Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, é bastante peculiar a reclamação dela de que este julgador teria agido com animosidade contra os defensores em questão.
- O que este julgador fez foi conduzir da melhor forma possível as audiências, a fim de colher a prova, e evitar que os tumultos gerados pelo comportamento inadequado da defesa, incluindo pontuais ofensas, atrapalhasse o bom andamento do processo.
- Poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito.
- Então a alegação da Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva não tem razão de ser e mais uma vez é estratégia de puro diversionismo, aqui examinada apenas por ter sido alegada.
- Apesar do disposto nos tópicos anteriores quanto as medidas processuais questionáveis tomadas pela Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva contra o ora julgador e ainda quanto ao comportamento processual inadequado dela e ainda da Defesa de Paulo Tarciso Okamotto, cumpre ressalvar que estes fatos não afetam a imparcialidade deste Juízo.
- Cabe decidir a responsabilidade dos acusados somente com base na lei e nas provas, sendo irrelevante o comportamento processual de seus defensores. (grifo nosso)
É no mínimo lamentável que um magistrado deixe de lado as provas do processo para fazer considerações e comentários desairosos contra os advogados de Defesa, tanto do ex-presidente LULA quanto de PAULO OKAMOTO. Não sem razão, há quem diga que quando faltam argumentos iniciam-se as ofensas.
Quem afronta o sagrado e constitucional direito da ampla defesa já abandonou faz tempo o próprio Estado democrático de direito para se entregar ao estado autoritário e de exceção.
LUIGI FERRAJOLI[1] lembra que foi com as reformas iluministas que a defesa técnica, reduzida nos anos da Inquisição a “uma arte baixa de intrigas”, assumiu a forma moderna de patrocínio legal obrigatório. A importância da defesa técnica é reconhecida também pelo nosso Código de Processo Penal (CPP) quando proclama que “nenhum acusado, ainda que foragido, será processado ou julgado sem defensor” (art. 261) e, ainda, “se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando-o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação” (art. 263).
A importância da defesa técnica, numa perspectiva de direito público, fica evidenciada no dever do juiz de declarar o acusado indefeso em caso de ser a mesma insuficiente ou deficiente e lhe garantir o direito de constituir novo defensor. Não bastando, portanto, a existência formal de um defensor. Como bem destaca ANTONIO SCARANCE FERNANDES[2] a defesa deve ser efetiva, além de necessária, indeclinável e plena.
O constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA[3] destaca que o devido processo legal está baseado em três princípios, quais sejam: o acesso à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. Verdadeiros pilares do Estado democrático de direito.
Os tribunais pátrios vez ou outra anulam julgamentos por considerarem que o réu estava indefeso, mesmo tendo advogado constituído. A falta da defesa constitui nulidade absoluta no processo penal (Súmula 523 do STF) e a sua deficiência poderá anular quando evidenciado o prejuízo. A defesa deficiente, precária, débil ou inepta equivale a sua ausência, é pior, porque mascara a própria defesa. Por tudo, é que a defesa técnica não pode ser cerceada ou constrangida. Não é sem razão que a defesa técnica é apresentada como pressuposto processual de validade.
CASARA e MELCHIOR[4] salientam que: “a grandeza da tarefa pública desempenhada pelo defensor no processo penal pode ser identificada no fato de esse ator jurídico lutar pela preservação da presunção de inocência e ser um dos principais responsáveis por vigiar a legalidade do processo”.
A Defesa, apresentada como “inadequada” pelo juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, cumpre com denodo e brio seu papel constitucional. Desgraçadamente, para alguns juízes, a Defesa que não se curva, não se submete e não se emudece, ante os abusos e arbitrariedades perpetrados por aqueles que deveriam ser os primeiros, em nome do Estado, a reconhecer a sua importância e zelar pela sua indispensabilidade, são tidas como “inadequada”.
O direito de defesa e os advogados incomodam; incomodaram os que se colocaram do lado do golpe militar de 1964 e se acostumaram a abusar do poder; incomodam os autoritários e fascistas do presente; incomodam o braço repressor do Estado (a polícia e o Ministério Público); incomodam e bloqueiam os julgadores que se transformaram em verdugos; incomodam os que tomam o justiçamento como se justiça fosse; incomodam, notadamente, todos aqueles que desprezam a democracia (material) e o Estado de direito.
Por fim, como bem asseverou o imortal criminalista ANTÔNIO EVARISTO DE MORAES FILHO “Aos que insistem não reconhecer a importância social e a nobreza de nossa missão, e tanto nos desprezam quando nos lançamos, com redobrado ardor, na defesa dos odiados, só lhes peço que reflitam, vençam a cegueira dos preconceitos e percebam que o verdadeiro cliente do advogado criminal é a liberdade humana, inclusive a deles que não nos compreendem e nos hostilizam, se num desgraçado dia precisarem de nós, para livrarem-se das teias da fatalidade”.
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Belo Horizonte, 21 de julho de 2017.
Notas e Referências:
[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
[2] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
[3] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[4] CASARA, Rubens R. R. e MELCHIOR, Antonio Pedro: dogmática e crítica. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
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. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. . .
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