Recentemente travei em plenário uma discussão que deveria ser estritamente jurídica, limitada ao processo que estava sendo julgado, mas que resultou em ofensas pessoais a mim. Fui agressivamente chamada de “metida”, “filhinha de mamãe”, acusada de estar “trocando minhas fraldas” enquanto o autor dessas preciosas colocações supostamente já realizaria plenários.
Afora o descabimento de pessoalizar embates que deveriam se restringir aos aspectos fáticos e jurídicos do caso em julgamento, questiono-me em que medida o fato de eu ser mulher contribuiu para essas agressões. E concluo que caracterizou um fator relevante, pois não consigo imaginar as mesmas cenas se passando caso eu fosse um homem.
Para todos os efeitos, afasto desde já qualquer possibilidade de ser mero “mimimi”, pois não se trata de pretender vincular qualquer violação de direitos a questões de gênero, mas de constatar o que muitas vezes, por estarmos habituados à sociedade androcêntrica, patriarcal e misógina em que vivemos, deixamos de reconhecer. Muitas frequentes violências estão diretamente ligadas a questões de gênero, e precisamos verbalizar isso de modo a promover o seu combate.
No ambiente profissional, a mulher ainda é vista com ressalvas. Não se pode ignorar seu ainda reduzido espaço em cargos de chefia[1], as diferenças salariais[2] (que se mostram ainda mais significativas quando se trata de cargos de chefia[3]), bem como as interrupções numericamente superiores às das falas de homens[4]. Tudo isso reflete o machismo que pauta as relações sociais.
É inegável que, em um contexto como esse, as atitudes em relação a homens e mulheres, especificamente no que diz respeito ao exercício profissional, sejam diferentes. A pretensa superioridade com que agem os homens não precisa de agressões tão explícitas quanto as que sofri para que seja reconhecida. É fácil vislumbrar várias pequenas violências no dia-a-dia das mulheres trabalhadoras. O mais difícil é que se reconheça a ligação que tais violências têm com a questão de gênero, frequentemente negada pelos agressores e por desavisados.
Justamente por isso precisamos falar, não ignorar tais atos machistas, esdrúxulos e inadmissíveis. Precisamos dar voz a todas que sofrem quaisquer espécies de violência baseada no gênero (patrimonial, sexual, física, moral ou psicológica, por vezes até mesmo institucional), reconhecendo o caráter machista das agressões.
Reconhecer a violência, especificamente no ambiente de trabalho, é difícil para a grande maioria das mulheres. Não só porque somos socialmente doutrinadas a ignorar esse problema, mas porque não queremos – já, em regra, extremamente infantilizadas e desvalorizadas – ser vistas como ainda mais fracas ou, pior, como “reclamonas”. No entanto, essa identificação é o primeiro passo do único caminho capaz de atingir uma mudança de comportamento.
Por isso, uso este espaço para reconhecer publicamente que fui – mais uma vez – vítima de violência de gênero no ambiente profissional. Infelizmente, sei que não terá sido a última vez, mas há de chegar o dia em que nossa voz será efetivamente ouvida e respeitada.
Notas e Referências:
[1] http://www.ebc.com.br/cidadania/2015/01/apenas-5-de-cargos-de-chefia-e-ceo-de-empresas-sao-ocupados-por-mulheres
http://www.geledes.org.br/mulheres-estao-em-apenas-37-dos-cargos-de-chefia-nas-empresas/#gs.gEW55Tc
[2] http://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/mulheres-ganham-menos-do-que-os-homens-em-todos-os-cargos-diz-pesquisa.ghtml
[3] http://www.geledes.org.br/mulheres-estao-em-apenas-37-dos-cargos-de-chefia-nas-empresas/#gs.gEW55Tc
[4] http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39161312
http://exame.abril.com.br/carreira/como-a-violencia-verbal-afeta-as-mulheres-no-trabalho/
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